A imagem da mulher presente nas obras dos viajantes que visitaram o Brasil na primeira metade do século XIX era de uma mulher quase criança, vivendo seus primeiros anos sob a tutela de um pai despótico e, mais tarde, sob o controle estrito do marido, ao qual, de acordo com o costume, a lei e a religião, ela devia total obediência; uma criatura sexualmente inibida, mas que poderia de repente romper as barreiras que a cercavam e se entregar ao desvario de uma paixão, e por isso era estreitamente vigiada; uma mulher com pouca ou nenhuma educação e iniciativa, que aspirava apenas ao casamento e à maternidade [...].
As referências ao isolamento em que viviam as mulheres da classe alta e média na primeira metade do século XIX, quando elas eram mantidas quase segregadas, longe dos olhos dos estranhos, sendo vistas apenas de esguelha quando iam à igreja, cederam lugar ao longo do século a imagens de maior sociabilidade. Mulheres passaram a ser vistas frequentando bailes, teatros e confeitarias, visitando amigos e até mesmo servindo-se do bonde para ir às compras ou à praia. Mas o retrato da mulher dependente [...] persistia [...].
Negro e negra numa fazenda, Rugendas
Durante muito tempo, esses dois retratos - o da mulher dependente e o do poder patriarcal com seu inegável viés classista - ocultaram dos historiadores não só a complexidade e variedade da experiência feminina como também as mudanças que estavam tendo lugar na vida das mulheres no decorrer do século XIX. Tais generalizações baseavam-se na experiência das classes média e alta. Ninguém parecia perguntar se essa forma de representação era válida para outros grupos sociais. Durante muito tempo, ninguém parecia prestar muita atenção às discrepâncias entre o comportamento real das mulheres e as prescrições das leis, da Igreja e dos moralistas. Sistematicamente ignorados ou minimizados foram os casos de separação e até mesmo divórcio autorizados pela Igreja em certas circunstâncias. [...] Esquecidas foram também as que simplesmente se negaram a casar, preferindo permanecer solteiras. Ignoradas também foram aquelas que se rebelaram contra os pais, insistindo em obter uma educação superior e até mesmo uma profissão. Até a segunda metade do século XX, a história pouco valorizou as mulheres que, um século antes, criaram sociedades abolicionistas e literárias, escreveram livros e artigos criticando o sistema patriarcal, publicaram revistas em favor da emancipação da mulher, apoiaram o movimento republicano, associaram-se aos primeiros grupos socialistas e anarquistas e exigiram o direito à educação e ao voto. Na penumbra também permaneceram as mulheres que, à testa de negócios e de fazendas, conseguiram sustentar suas famílias depois da morte dos maridos, assim como as mulheres das camadas subalternas, escravas ou livres.
Largo da Carioca (com o Chafariz da Carioca, na frente e o
Convento de Santo Antônio, no fundo).
Eduard Hildebrandt
COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo: Unesp, 2007. p. 493-498.
NOTA: O texto "Mulher e exclusão no Brasil do século XIX" não representa, necessariamente, o pensamento deste
blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do
conhecimento histórico.
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