O século XX foi dividido em duas
partes, com diferenças extraordinárias entre elas. Começou com um otimismo
incomum, diminuindo logo nas primeiras décadas. Aconteceram duas guerras
mundiais e uma depressão econômica de magnitude sem igual. Nos países
prósperos, o padrão de vida quase não aumentou ao longo de cinqüenta anos. Nos
países pobres, poucos sinais de melhora se fizeram notar.
Banhistas de South Beach, John French Sloan
A corajosa ideia da Liga das
Nações, que deveria prevenir guerras internacionais, falhou. A democracia, que,
entre 1900 e meados da década de 1920, havia se espalhado amplamente entre os
povos europeus, não obteve o sucesso esperado. Ao contrário, possibilitou que
Mussolini, Hitler e outros ditadores dessem seus primeiros passos rumo ao
poder: eles praticamente receberam carta branca dos parlamentos eleitos. As
mais importantes democracias, cujos cidadãos pouco se importavam com assuntos
externos, falharam ao permitir que a Alemanha hitlerista se rearmasse. Em 1940 , a França se tornou a
primeira grande democracia a cair diante de um inimigo – um colapso inesperado.
Ainda havia razões para otimismo
na primeira metade do século. A experiência comunista, profundamente encobertas
pela censura russa, era vista por centenas de milhões de estrangeiros como
emocionante ou assustadora. A União Soviética mostrou grande resistência na
Segunda Guerra Mundial, sofrendo as mais pesadas perdas entre todas as nações e
desempenhando um papel vital ao expulsar o exército alemão de volta para Berlim.
Outro surto de otimismo foi provocado por diversas invenções: o avião, o carro
fabricado em larga escala, o rádio, o cinema, a televisão e a geladeira. Esses
foram os alicerces da sociedade de consumo que viria a florescer na segunda
metade do século.
Algumas instituições avançaram,
enquanto outras – incluindo a monarquia – retrocederam. A democracia foi muito
mais bem-sucedida na segunda do que na primeira metade do século, já que não
enfrentou tantas provações como acontecera nas décadas de 1920 e 1930. Em 1901, a democracia ainda
era rara; somente poucas nações davam a todos os homens o direito de votar e
nenhuma permitia que as mulheres votassem ou concorressem ao parlamento. Mesmo
em 2001, a
verdadeira democracia continuava a ser um corajoso experimento, apesar da
história da antiga Atenas. Tal modo de governo requer um grande acúmulo de
experiência, tanto por parte de políticos quanto de eleitores.
O individualismo político e
econômico, bem como o prestígio das democracias capitalistas recuaram muito
durante a primeira metade do século, para mais tarde reaparecerem fortalecidos.
O comunismo, por sua vez, encontrou o precipício. O movimento ecológico, pouco
visível em 1950, tornou-se tremendamente influente meio século mais tarde. A
noção de que o mundo diminuía e de que os povos de todos os continentes
respiravam o mesmo ar se difundia. As comunicações cruzaram o globo como raios.
Pela primeira vez na história, a maioria das pessoas, em vários países, vivia
em cidades, e não na zona rural, trabalhando em outras atividades que não
aquelas relacionadas ao campo ou às fábricas.
A Europa começou o século
dominando e acabou em segundo lugar. Os vastos impérios ultramarinos cujos
governos estavam na Europa Ocidental foram extintos ou continuaram apenas em
poucas ilhas distantes, mantidas como curiosidades ou ornamentos. Do
desaparecimento desses impérios emergiram várias nações independentes,
sobretudo na África e na Ásia, mas muitas delas não sabiam o que fazer com sua
independência. No início do século, os Estados Unidos saíram cautelosamente de
seu prolongado isolamento; no fim, prevaleciam como a única superpotência. A
Ásia exercia pouca influência nos primeiros anos, mas, a partir da metade do
século, sua crescente importância se fez notar em diversos grandes eventos –
desde o bombardeio nuclear no Japão até a independência da Índia e a vitória do
comunismo na China. Foi na Ásia Meridional que, pela primeira vez, mulheres
foram eleitas para o cargo de primeiro-ministro.
A China e a Índia, dois gigantes
em matéria de população, eram vistas cada vez mais como líderes mundiais em
potencial, mas os tortuosos acontecimentos do século anterior ainda não haviam
esclarecido uma questão crucial: uma grande população e um vasto território
bastariam para que um país conseguisse exercer domínio global? A Grã-Bretanha
havia sido um enorme império; por outro lado, a Alemanha e o Japão, com apenas
uma fração da população do planeta, haviam derrotado ou desafiado os exércitos
de alianças entre nações durante vários anos; e Israel, mesmo cercado, manteve
todo o Oriente Médio em clima de apreensão.
Na segunda metade do século, foi
realizada a exploração do espaço sideral, a aventura mais destemida desde que
Cristóvão Colombo e Vasco da Gama atravessaram os oceanos cerca de quinhentos
anos atrás. Nunca houvera semelhantes avanços na medicina. As pessoas viviam
por mais tempo, com menos sofrimento e mais acesso a bens materiais. Saber ler
e escrever era uma exceção em 1901; em 2001, a regra. Embora o planeta enfrentasse muitas
carências, elas eram bem menores em relação ao início do século. As questões da
superpopulação e da poluição passaram a ser encaradas e a identificação desses
problemas sinalizava o surgimento de uma consciência inexistente em 1901.
A disposição predominante era
permeada pela guerra e pelo medo da guerra. Na primeira metade do século,
diversas vezes as nações tomaram a importante decisão de ir à guerra. Na
segunda metade, tomaram a decisão – igualmente importante – de não ir.
Após o fim da Guerra da Coréia,
em 1953, não houve outro conflito geral que envolvesse a maior parte das
grandes potências. Embora disputas entre nações fossem travadas em quase todos
os lugares depois de 1950 – havia mais nações do que nunca -, nenhum desses
conflitos se assemelhou a uma guerra mundial. A primeira metade do século
testemunhou duas grandes e destrutivas guerras. A segunda metade evitou-as,
milagrosamente.
Especula-se que a invenção das
mortíferas armas de 1945 e o temor de uma terrível vingança, caso fossem usadas,
tenham sido os principais motivos da longa paz entre as grandes potências
nucleares, mas não se pode ter certeza. A grande questão do século XXI é
justamente saber se a paz atômica irá persistir e, comparados a tal questão,
todos os outros problemas perdem a importância.
Em 3 de agosto de 1914, na
eclosão da Primeira Guerra Mundial, o ministro das Relações Exteriores da
Grã-Bretanha, sir Edward Grey, observou solenemente: “As luzes se apagam por
toda a Europa, não devemos tornar a vê-las acesas enquanto vivermos.” Mas, com
o passar do tempo, as luzes voltaram a brilhar na Europa e em todo o mundo,
mais poderosas do que nunca – ao mesmo tempo um prodígio e um perigo.
BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do século XX. São
Paulo: Fundamento Educacional, 2011. p. 304-307.
NOTA: O texto "Século XX: retrospecto" não representa, necessariamente, o pensamento deste
blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do
conhecimento histórico.