Historicamente, o termo “corpo”
(do latim, corpus) era utilizado
pelas ciências biomédicas e exatas para explicar organismos vivos e esquemas
matemáticos. Epistemologicamente, esteve ligado às áreas da biologia e da
medicina, sempre analisado do ponto de vista fisiológico e funcional. A
historiografia francesa foi pioneira, na década de 1970, ao investigar o corpo
como sujeito, com complexos significados. O estudo da história do corpo
necessita muitas vezes do diálogo com outras disciplinas, e ela pode ser
estudada em associação à religião, à sexualidade, ao Estado, à disciplina, à saúde,
mas também aos gestos, ao prazer, à alimentação, às vestimentas, e assim por
diante. Daí a dificuldade em criar uma definição absoluta para o termo.
Descansando, Adolf Hölzel
Já na Grécia e Roma antigas
existia o culto ao corpo. Esculturas de mármore, à semelhança dos deuses,
torneavam o “corpo ideal”, no qual se inspiravam homens e mulheres. Já na Idade
Média, o corpo se tornou sagrado, associado à castidade e à religião. Suspenso
e exposto, o corpo seminu de Cristo representou o foco de inflexão da sociedade
cristã, que contrapôs ao corpo sagrado o profano, vendo-o como infiel
(descrente). Isso não quer dizer que a sexualidade, por exemplo, desapareceu
naquela época. A diferença é que o prazer não estava mais no corpo, mas sim na
exaltação da fé religiosa e, por conseqüência, na defesa da castidade.
Em um retorno conceitual ao
classicismo, os renascentistas colocaram o corpo humano no centro do universo
(antropocentrismo) e tentaram entendê-lo como uma máquina. A partir da criação
dos Estados nacionais, com o Iluminismo dos séculos XVII e XVIII, surgiu o
corpo laico, objetivo, material. De caráter coletivo, o progresso de uma nação
só poderia ser atingido com um corpo social forte, baseado em preceitos científicos
e inspirados pelo cartesianismo da época. É possível dizer que a ideia do
bipoder (poder sobre o corpo) nasceu nesse momento, com o crescimento das
populações nos centros urbanos.
Na Era Contemporânea, com a
ascensão do capitalismo e o nascimento do proletariado, a ameaça de revolta da
população insatisfeita vivendo em lugares insalubres conduziu as discussões
sobre o corpo para o âmbito da disciplinarização e da medicalização social. Em
ambos os casos, as normas e as políticas públicas, voltaram-se para sanar as
doenças sociais: loucura, alcoolismo, prostituição e as epidemias, tendo em
vista controlar o corpo coletivo para a eficiência no trabalho e o
fortalecimento do Estado. O corpo tornou-se então objeto de estudo da medicina,
de onde não sairia mais.
Foi somente após o final da
Segunda Guerra Mundial que houve uma reorientação dos paradigmas ligados ao
corpo. Resultado da somatória de todas as temporalidades, a formulação de um
conceito sobre corpo atualmente continua desarticulada. A todos esses
entendimentos são somados os desafios impostos no tempo presente: o direito à identidade,
o individualismo, a obsessão pelo corpo perfeito, as descobertas genéticas e o
corpo cibernético.
O corpo, portanto, é o objeto de
estudo da história cultural, e, apesar de ser entendido equivocadamente como
uma faceta da vida privada, sobre ele sempre agiram – e agem – micropoderes que
pontuaram relações, negociações e resistências. Dessa forma, o corpo não pode
ser entendido como um objeto historicamente passivo, mas sim político. (Pietra
Diwan é historiadora, mestre pela PUC-SP)
In: BETING, Graziella. Coleção história de A a Z: [volume] 4: Idade
Contemporânea. Rio de Janeiro: Duetto, 2009. p. 10.
Nenhum comentário:
Postar um comentário