O sistema grego do patriarcado teve seu maior desafio quando um conjunto mais amplo de mudanças ocorreu sob o grande império estabelecido pelo conquistador macedônio, Alexandre, o Grande, a partir do século IV. Nessa época, as cidades-estado gregas estavam em declínio. Os macedônios conquistaram a Grécia e depois usaram soldados gregos, burocratas e intelectuais para construir um império abarcando Oriente Médio e Egito. Ainda que o império tenha se diluído rapidamente em reinos regionais, a mistura de elementos gregos com outros permaneceu por muitos séculos. Alexandre casou-se com uma princesa persa, para simbolizar seu desejo de forjar uma nova fusão cultural no Mediterrâneo oriental. O resultado, a sociedade helenística, foi sem dúvida diferente da Grécia clássica, embora intimamente relacionada com ela, em particular na questão cultural.
Pintura mural helenística. Século III a.e.c.
O confronto cultural mais dramático que Alexandre desencadeou foi entre os gregos e os indianos, no nordeste do subcontinente, num reino então chamado de Bactria. Por dois séculos, os gregos governaram esse reino indiano, criando muitas oportunidades de mútua imitação. Dos gregos, os indianos emprestaram estilos artísticos, pinturas do Buda com togas mediterrâneas e corte de cabelo, num padrão que resistiu na região por cem anos. Matemáticos indianos promoveram trocas com cientistas gregos para benefício mútuo - embora mostrando a grande distância entre as culturas e a fragilidade das trocas, uma vez que o sistema numeral indiano, apesar de muito superior ao dos gregos, não foi encampado. Certo número de líderes gregos em Bactria converteu-se ao budismo. Alguns missionários budistas aparentemente foram enviados para o Oriente Médio e, segundo alguns historiadores, teriam trazido novas ênfases em ética e espiritualidade que mais tarde haveriam de influenciar aspectos religiosos e filosóficos. As especificidades, no entanto, são difíceis de fixar. E nas relações entre homens e mulheres, não fica claro se o encontro entre gregos e indianos teve algum impacto sério. Possivelmente os detalhes eram diferentes demais para emergirem; possivelmente, como com Heródoto, os gregos estavam tão confiantes em seus próprios caminhos que o exemplo de outro conjunto de relações de gênero, mais sensual e espiritual, parecia irrelevante ou repelente. O contato, de qualquer forma, teve vida curta. Provavelmente há necessidade de ímpeto e troca maior para afetar valores tão pessoais como as relações entre homens e mulheres. Certamente a ausência de um resultado evidente contrasta com o tipo de troca desenvolvida poucos séculos mais tarde entre a Índia e a China.
No âmbito mais emblemático da penetração grega - Oriente Médio e Egito - a situação era diferente. As condições do helenismo para as mulheres eram, em muitos aspectos, importantes, melhores do que as que prevaleciam na Grécia, e o intercâmbio cultural tinha a ver com o contraste. As mulheres desempenhavam um papel político maior, manobrando com príncipes e algumas vezes assumindo o governo. As leis afrouxaram, permitindo que mais mulheres adquirissem propriedades e dirigissem negócios. As mulheres participaram mais ativamente na vida cultural, e surgiram muitas escritoras notáveis. Da mesma forma, textos sobre mulheres mostraram-se mais favoráveis a elas, embora não chegassem a sugerir igualdade. Por fim, representações artísticas mudaram dramaticamente, com um crescente interesse na representação do nu feminino, em contraste com o estilo pesado e coberto de roupas, característico da Grécia.
Muitos acontecimentos contribuíram para esses novos padrões. A mudança para monarquias autocráticas eliminou a pressão por famílias dirigidas pelo homem - isso não mais era visto como base para a expansão da participação política -, mas os intercâmbios culturais também fizeram sua parte. Da Macedônia veio a tradição de mulheres da realeza politicamente ativas, contrastando com o papel declaradamente passivo das mulheres da maior parte dos líderes políticos gregos. O Egito contribuiu com leis que permitiam às mulheres atuar por conta própria sem requerer guardiões. Talvez mais importante ainda tenha sido uma nova onda de religiões, chamadas religiões misteriosas, da África do Norte e do Oriente Médio, nas quais a devoção altamente emocional diferia do ritualismo das cerimônias mais características da religião grega. Nas religiões misteriosas, as deusas gregas, como a Isis egípcia, podiam desempenhar um papel central. A ênfase na criatividade realçava o princípio feminino; Isis se tornou a deidade mais importante em seu culto, com uma série de funções, incluindo presidir os ciclos do nascimento e renascimento da natureza.
Não se devem exagerar os resultados desses contatos culturais. As condições na Grécia mudaram menos do que em outros lugares. Por exemplo, uma mulher grega morando no Egito podia dispensar um protetor, mas sua contrapartida na terra natal mantinha o velho sistema. Além disso, a mudança afetava particularmente as classes altas; não há evidências de que as relações de gênero nas classes baixas tenham mudado muito. De fato, a incidência crescente de infanticídio feminino, como forma de controle populacional, sugere que essa autoestima recém-adquirida pelas mulheres pode ter sido bem superficial. Não havia, com certeza, uma reavaliação sistemática dos atributos e papéis das mulheres, do tipo implementado pelo budismo (embora com resultados comprovadamente limitados) na China mais tarde.
Padrões de diversidade cultural persistiram na era romana, a última fase da civilização clássica no mundo mediterrâneo. Inicialmente, no tempo em que Roma era cidade-estado, os impulsos voltados às mulheres parecem ter sido, a princípio, bem severos; [...] sob a lei romana, por exemplo, um marido podia matar a mulher por adultério. No entanto, o aprimoramento gradual da lei, combinado com a exposição a influências helenísticas moderadas, produziram um sistema mais brando por volta do século II a.e.c., à medida que a república amadureceu e se expandiu. Os intelectuais romanos copiaram os escritores gregos em discussões sobre a inferioridade das mulheres e seus apetites sexuais aviltantes, mas também copiaram o impulso helenístico para honrar as mulheres boas, incluindo aquelas que, como esposas e mães leais, contribuíam para o Estado. A religião romana, embora muito semelhante à grega, devotou mais atenção às deusas, aclamando Vênus, por exemplo, como o "poder orientador do universo". A influência helenística, vinda do comércio e das conquistas romanas no Mediterrâneo oriental, também ajudou a criar direitos legais para as mulheres possuírem propriedades e algumas proteções contra acusações improcedentes feitas pelos maridos. Também ajudou a gerar literatura com abertura para o sensual, como os poemas de amor de Ovídio.
As influências da Grécia e do Mediterrâneo oriental também forneceram às mulheres romanas da classe alta novos modelos de ornamentos e luxo. No início da República Romana, uma vida simples era altamente valorizada, tanto para homens quanto para mulheres. Após uma conquista bem-sucedida e os contatos resultantes, no entanto, joias, sedas importadas e outros adornos viraram moda. Isso emprestou uma nova dimensão à vida das mulheres, embora pudesse tê-las afastado de outras metas e assim ajudado a confirmar a desigualdade do patriarcado. Alguns homens romanos desaprovavam a frivolidade, enquanto outros apoiavam as mulheres com a justificativa de que elas tinham poucas coisas além disso na vida. Em determinado momento, a discussão sobre padrões de beleza importados se estendeu à política. A lei opiana foi aprovada após uma série de guerras sem trégua, limitando a quantidade de ouro e roupas coloridas que uma mulher podia usar. Em 195 a.e.c., o Senado romano discutiu a revogação da lei. As mulheres se juntaram nas ruas, pedindo a restauração do luxo, agora que a República florescia novamente. Os políticos reclamaram, alegando que as mulheres não deveriam ter voz política, e sim permanecer em casa, mantendo-se modestas. Outros, no entanto, defendiam as mulheres: "O fato é que nós temos ouvidos orgulhosos, pois, enquanto patrões não zombam dos apelos dos escravos, nós ficamos zangados quando mulheres honradas nos pedem alguma coisa." Segundo eles, os homens gostavam de roupas elegantes, portanto as mulheres deveriam poder compartilhar esse direito. "As mulheres não podem partilhar a magistratura, sacerdócio, triunfos, insígnias oficiais, presentes, ou despojos de guerra: elegância, fineza de lindas roupas são as insígnias das mulheres, e nisso elas encontram alegria e ficam orgulhosas, e é isso que nossos antepassados chamavam do mundo da mulher." A lei foi anulada, embora o texto a favor da revogação tenha exposto os limites da opinião dos homens sobre as mulheres.
Roma se manteve firmemente patriarcal e, no geral, sua abordagem das mulheres foi mais dura do que a dos estados helenísticos. Uma forte ênfase na família, retornando nos primeiros dias do Império, trouxe a reafirmação da autoridade masculina sobre, por exemplo, a questão do adultério. A literatura romana posterior começou a condenar as mulheres assertivas, imitando temática grega. O fato é que, como na Grécia, as considerações políticas dominaram o tratamento dado às mulheres, pelo menos nas classes altas, e isso era expresso na lei. Contatos com diversas culturas apenas limitaram, em geral de forma transitória, o impacto nessa situação. Além do mais, não havia um sistema claro alternativo que acenasse a homens e mulheres com um conjunto diferente de padrões. Mesmo nos séculos helenísticos, embora fossem permitidos contatos maiores entre gêneros do que na Grécia clássica, não foi desenvolvido um modelo suficientemente distinto e poderoso para reconfigurar o patriarcado romano.
O período clássico no Mediterrâneo e no Oriente Médio gerou incontáveis contatos culturais para os povos na Ásia Ocidental, sul da Europa e norte da África. Os resultados, no que se refere ao relacionamento entre homens e mulheres, não estão sempre bem documentados. Parece que alguns contatos tiveram de fato poucos resultados: as partes envolvidas em ambos os lados , ou porque se sentiam suficientemente confiantes de seus próprios valores, ou absolutamente convictas de que as alternativas eram estranhas e bizarras demais, acabaram deixando virtualmente intocadas leis e imagens. Outros contatos influenciaram padrões em certa medida, em particular nos séculos III e IV a.e.c., quando os reinos helenísticos prevaleceram. Roma participou nessa interação de alguma forma, mas por fim preferiu afastar-se em favor de uma renovada ênfase na submissão feminina. Os exemplos desse período na história do Mediterrâneo, são complexos, mas sugerem fortemente uma considerável imunidade a contaminações na questão de papéis de gênero, mesmo em meio a substancial diversidade cultural.
STEARNS, Peter N. História das relações de gênero. São Paulo: Contexto, 2012. p. 54-59.
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