"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Moralidade, direitos humanos, genocídio e justiça

As duas guerras mundiais deram atenção aos extremos do comportamento humano e seus valores e às diferentes interpretações dos "direitos humanos" que as culturas e os governos construíram para promover interesses domésticos ou internacionais. Após a Segunda Guerra Mundial, as organizações dedicadas à paz e à ordem internacional começaram a discutir direitos humanos universais - as necessidades humanas básicas, a dignidade, os direitos de participação e as liberdades. Poderiam as pessoas de perspectivas culturais e políticas vastamente diferentes concordar em uma convenção básica de direitos humanos?

No campo, Felix Nussbaum 

Na onda de extermínio nazista dos judeus, homossexuais, dos ciganos e de outros, uma campanha foi lançada em prol da aceitação universal das leis internacionais que definiam e proibiam o genocídio. Isso foi alcançado em 1948, com a promulgação da Convenção sobre a prevenção e punição do crime de genocídio. Infelizmente, isso não evitou genocídios posteriores, definidos como uma variedade de crimes contra a humanidade, cometidos contra certo grupo alvo nacional, étnico, racial ou religioso. O antigo Estado da Iugoslávia, a Bósnia (local de limpeza étnica, estupros e massacres durante os tempos de guerra); o Camboja (onde o Khmer Vermelho assassinou mais de 1 milhão de compatriotas entre 1975 e 1979); Ruanda (onde pelo menos 1 milhão de tursis foram massacrados, de abril a julho de 1994), e Dafur (um conflito que se iniciou em 2003 e que matou ou ameaçou a sobrevivência de mais de 5 milhões de africanos), são vários dos locais mais recentes de genocídios modernos, desde 1948. Os historiadores também descobriram exemplos históricos dos campos de concentração e de massacres, como os ocorridos na colônia britânica do Quênia, no Congo Belga.


Trailer de corpos em Buchenwald

Guerras globais no século XX resultaram na morte de mais de 100 milhões de pessoas. Enquanto muitas dessas eram baixas de guerra, tanto militares como civis, algumas foram resultado das políticas deliberadas do genocídio. Do massacre de 2 milhões de armênios pelos turcos, em 1915, e dos 15 milhões de judeus, ciganos, eslavos e homossexuais assassinados pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, o genocídio foi praticado por governos e por pessoas que carregavam a responsabilidade de executar esses atos de assassinato institucionalizado. Embora o genocídio não tenha sido particular do século XX, a tecnologia o tornou mais eficiente, como podem testemunhar as câmaras de gás nos campos de concentração alemães. Em Auschwitz, até 12 mil vítimas eram mortas diariamente com os gases.

Os julgamentos dos crimes de guerra de Nuremberg e de Tóquio, no final da Segunda Guerra Mundial, tentaram culpar e punir aqueles que transgrediram os limites do comportamento humano civilizado na condução da guerra, como definido pela comunidade internacional em foros como o da Liga das Nações. A convenção de Genebra, por exemplo, estabeleceu regras para o tratamento humano de prisioneiros de guerra, embora ela tenha, mesmo assim, sido violada pelos beligerantes da Segunda Guerra Mundial.

O uso de duas bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, para causar ostensivamente uma rápida rendição do Japão, levantou questões morais pontuais. Ainda que os números de mortos no holocausto atômico ou no holocausto nazista tenham-se transformado rapidamente em estatísticas estéreis, da mesma forma que os registros fotográficos, por causa de sua própria clareza e objetividade, eles nos tornam familiarizados e confortáveis com as duras realidades da guerra e da crueldade humana. A americana, nascida na Alemanha, filósofa política, Hannah Arendt (1906-1975), escreveu sobre a "banalidade do mal", a ideia de que o mal é um lugar-comum e que tentar defini-lo como algo atípico do comportamento humano não é útil. Mesmo assim, no pós-Segunda Guerra Mundial, embora nem o genocídio nem a guerra tenham acabado em 1945, as pessoas continuaram a questionar a moralidade da guerra, a se opor a ela e a lutar para preveni-la.

[...]

No final do século XIX, o filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900) foi um dos muitos europeus que fizeram previsões sobre a era que se aproximava. Escrevendo em 1888, ele alertou que as vidas no novo século seriam caracterizadas pelo conjunto de guerras catastróficas além da imaginação; pela morte de Deus; e por sentimentos de autorrepugnância, ceticismo, cobiça, ganância e cinismo. Certamente alguns sobreviventes do século XX, veriam a realização das profecias de Nietzsche nas guerras mundiais; o período negro do fascismo; e nas contradições, desigualdades e injustiças exibidas no mundo do século XX. [...]

GOUCHER, Candice; WALTON, Linda. História mundial: jornadas do passado ao presente. Porto Alegre: Penso, 2011. p. 365-366.

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