"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 2 de novembro de 2013

As religiões da Antiguidade Clássica

O poema de Hesíodo, Teogonia, nos proporciona a visão mais coerente da religião dos gregos. Nele, são identificadas duas idades distintas da história dos deuses: uma primeira, de desordem, em que reinava o Caos, pai da Obscuridade e a Noite, que, por sua vez, gerou filhos como o Destino, a Morte, o Sonho, ou como as Parcas, que tecem a sorte do ser humano. De Gaya, a Terra, nasceriam Urano (o céu), as montanhas e Pontos (o mar), e de suas relações entre si, surgiram os Titãs, os Ciclopes e os monstros de cem mãos. Com o Urano queria evitar que os filhos saíssem do ventre de Gaya, um dos titãs, Cronos (o tempo, conhecido pelos romanos como Saturno), cortou os testículos de seu pai com a foice que lhe deu a própria Gaya. Cronos, por sua vez, sabendo que um dos seus próprios filhos o derrotaria, como ele havia feito com seu pai, os devorava ao nascer, porém, a mãe, Rea, salvou um deles, Zeus, escondendo-o em Creta, onde cresceu e se tornou forte e, armado com o raio, derrotou a Cronos e aos titãs depois de uma longa luta, obrigando seu pai a vomitar, depois, todos os seus irmãos que havia devorado. Teria início, então, uma nova etapa da história dos deuses, com Zeus no Olimpo, regendo sem disputa a sorte do Universo e, consequentemente, a dos homens.

Ares e Afrodite. Afresco romano. Casa di Meleagro, Pompéia.

A primeira etapa da religião grega relaciona-se intimamente com os mitos do Oriente Próximo, com as cosmogonias dos babilônios e dos hititas. Os deuses destronados por Zeus não recebiam culto normalmente, exceto em períodos muito especiais (Cronos, por exemplo, o recebia no período “carnavalesco” entre o final de um ano e o começo de outro). Eram deuses do passado, excluídos da nova ordem religiosa que reinava no tempo de Hesíodo. Posteriormente, os filósofos gregos foram reinterpretando o cosmos, relacionando os mitos com as forças naturais e a princípio abstratos, enquanto que os historiadores veriam os mitos heróicos como um reflexo de fatos reais do passado, iniciando, com eles, seus relatos da história do mundo.

Os romanos souberam transformar sua religião num sincretismo em que os deuses dos diversos povos eram admitidos como variantes da religião romana, identificando-os com eles, ou os integravam ao Panteão, sem nenhum tipo de discriminação (parece que Alexandre Severo quis construir um templo a Jesus Cristo para incluí-lo na religião oficial). Este mosaico de religiões vinculadas à ordem estabelecida tinha um ritual que dava ao imperador uma dimensão religiosa, como herdeiro das funções sacerdotais dos senadores e como sacrificador. Muitos dos templos egípcios, que associamos à época faraônica, foram embelezados e reconstruídos pelos romanos (Trajano aparece representado como um faraó no templo de Khnum e, no de Luxor, há um altar com uma inscrição de Constantino). Os romanos não tinham Igreja organizada com uma casta sacerdotal: a religião era, para eles, parte de seu sistema político.


FONTANA, Josep. Introdução ao estudo da história geral. Bauru: Edusc, 2000. p. 298-299.

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