A arqueologia possui múltiplas
origens e muitas áreas de especialização. Normalmente, distingue-se a “arqueologia
dos Estados Unidos” da “arqueologia europeia”. Nos Estados Unidos do século
XIX, os historiadores tratavam da civilização ocidental e euro-americana,
enquanto cabia aos antropólogos o estudo das outras culturas, no presente ou no
passado, em especial as ameríndias.
Seguindo essa tradição, a
antropologia consolidou-se como área composta de lingüística, voltada para o
estudo das línguas, da etnologia, dedicada a observar os ameríndios vivos, e da
arqueologia, encarregada do estudo dos vestígios dos índios mortos. Com o
decorrer do século XX, ampliaram-se os interesses da antropologia
norte-americana e, por extensão, da arqueologia, que passou a tratar até mesmo
da própria sociedade euro-americana, com o desenvolvimento da chamada
arqueologia histórica, definida como o estudo arqueológico do “mundo moderno”
(a partir do século XV).
Na Europa, a arqueologia surgiu
derivada da filologia e da história, preocupada em estudar os vestígios
materiais da civilização ocidental. A primeira a surgir e, em certo sentido, a
mais prestigiosa, foi a arqueologia clássica, já no início do século XIX,
voltada para o estudo das civilizações grega e romana da Antiguidade. O próprio
nome remete às suas origens, pois surgiu como derivação dos cursos de estudos
clássicos, centrados nas línguas e literaturas clássicas, grega e latina, mas
englobando disciplinas como história antiga, história da arte antiga, numismática
(estudo das moedas), epigrafia (estudo das inscrições) entre outras.
Uma escavação, Thomas Jones
Em seguida, surgiram as
arqueologias egípcia, bíblica, mesopotâmica, voltadas para as civilizações
precursoras àquelas chamadas clássicas. Essas diferentes formas de arqueologia
chegaram aos Estados Unidos, mantendo-se separadas da arqueologia praticada nos
cursos e trabalhos de antropologia. O século XIX foi marcado pela afirmação dos
estados nacionais e pela ideologia nacionalista que buscava resgatar/criar
valores para explicar e justificar as nações que surgiam ou se consolidavam. Esse
nacionalismo incentivou o desenvolvimento das arqueologias que se voltavam para
o estudo dos primórdios das nacionalidades, como no caso da arqueologia
medieval europeia.
Ao lado dessas arqueologias
históricas, o século XIX viu surgir o interesse pelo passado mais recuado, na
própria Europa. Até a publicação de A
Origem das espécies, de Charles Darwin, em 1859, livro que marcou época por
explicar a origem do homem sem recorrer à religião, o passado da humanidade
ainda estava ligado às interpretações bíblicas que atribuíam ao homem apenas
alguns milhares de anos. As teorias evolucionistas deram novo alento ao estudo
do passado mais remoto, baseadas na noção de evolução das espécies e, portanto,
do homem, com a busca sistemática dos vestígios dos antigos seres humanos e de
seus antepassados, os hominídeos.
A partir de meados do século XIX,
começam a ser estudados os períodos mais recuados, em particular com o estudo
dos períodos geológicos associados a artefatos feitos de pedra (ou líticos, no jargão arqueológico),
criando-se os termos Paleolítico ou Idade da Pedra Antiga (antes de 8.000 a .C.) no Oriente Médio)
e Neolítico ou Idade da Pedra Recente (após 8.000 a .C. no Oriente Médio),
em 1865. O termo pré-história passou a ser usado, referindo-se ao período da
história anterior à escrita, em um quadro de busca das origens das populações europeias
e, um pouco mais adiante, da humanidade em geral. Surgiu a arqueologia pré-histórica.
As duas tradições arqueológicas,
europeia e norte-americana, contudo, nunca deixaram de diferenciar-se. Na América
Latina, ambas têm seus adeptos, gerando uma multiplicidade de influências, às
vezes contraditórias. O influxo da arqueologia antropológica norte-americana na
América Latina sempre foi muito claro, tanto pela importância política, econômica
e cultural dos Estados Unidos na região como pela atração que o modelo
norte-americano produziu nas elites intelectuais latinas.
Assim é compreensível a separação
que frequentemente se faz em nosso continente entre a história, voltada para o
período de colonização europeia, estudada com base nos documentos escritos, e a
antropologia, encarregada do estudo dos indígenas, povos sem escrita e que também
foram encarados como “outros”. Também a arqueologia histórica, tal como
entendida nos Estados Unidos, surgida no final da década de 1970, expandiu-se
muito na América Latina a partir da década de 1990.
Todavia, a influência europeia não
deixou de fazer-se sentir por aqui, pois a construção das identidades nacionais
latino-americanas não deixou de incluir, em diversos países, os ameríndios e,
por isso, a busca das origens históricas, à maneira europeia, foi bem recebida
entre nossos pensadores. Também o estudo das pinturas rupestres e dos mais
antigos vestígios humanos, tão desenvolvido aqui por influência francesa,
explica-se, em grande parte, pela adoção da noção de ligação estreita entre o
homem moderno e seus antepassados mais recuados no tempo.
FUNARI, Pedro Paulo. Arqueologia. São Paulo: Contexto, 2010. p.
23-25.
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