"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A arqueologia e suas áreas de pesquisa

A arqueologia possui múltiplas origens e muitas áreas de especialização. Normalmente, distingue-se a “arqueologia dos Estados Unidos” da “arqueologia europeia”. Nos Estados Unidos do século XIX, os historiadores tratavam da civilização ocidental e euro-americana, enquanto cabia aos antropólogos o estudo das outras culturas, no presente ou no passado, em especial as ameríndias.

Seguindo essa tradição, a antropologia consolidou-se como área composta de lingüística, voltada para o estudo das línguas, da etnologia, dedicada a observar os ameríndios vivos, e da arqueologia, encarregada do estudo dos vestígios dos índios mortos. Com o decorrer do século XX, ampliaram-se os interesses da antropologia norte-americana e, por extensão, da arqueologia, que passou a tratar até mesmo da própria sociedade euro-americana, com o desenvolvimento da chamada arqueologia histórica, definida como o estudo arqueológico do “mundo moderno” (a partir do século XV).

Na Europa, a arqueologia surgiu derivada da filologia e da história, preocupada em estudar os vestígios materiais da civilização ocidental. A primeira a surgir e, em certo sentido, a mais prestigiosa, foi a arqueologia clássica, já no início do século XIX, voltada para o estudo das civilizações grega e romana da Antiguidade. O próprio nome remete às suas origens, pois surgiu como derivação dos cursos de estudos clássicos, centrados nas línguas e literaturas clássicas, grega e latina, mas englobando disciplinas como história antiga, história da arte antiga, numismática (estudo das moedas), epigrafia (estudo das inscrições) entre outras.

Uma escavação, Thomas Jones

Em seguida, surgiram as arqueologias egípcia, bíblica, mesopotâmica, voltadas para as civilizações precursoras àquelas chamadas clássicas. Essas diferentes formas de arqueologia chegaram aos Estados Unidos, mantendo-se separadas da arqueologia praticada nos cursos e trabalhos de antropologia. O século XIX foi marcado pela afirmação dos estados nacionais e pela ideologia nacionalista que buscava resgatar/criar valores para explicar e justificar as nações que surgiam ou se consolidavam. Esse nacionalismo incentivou o desenvolvimento das arqueologias que se voltavam para o estudo dos primórdios das nacionalidades, como no caso da arqueologia medieval europeia.

Ao lado dessas arqueologias históricas, o século XIX viu surgir o interesse pelo passado mais recuado, na própria Europa. Até a publicação de A Origem das espécies, de Charles Darwin, em 1859, livro que marcou época por explicar a origem do homem sem recorrer à religião, o passado da humanidade ainda estava ligado às interpretações bíblicas que atribuíam ao homem apenas alguns milhares de anos. As teorias evolucionistas deram novo alento ao estudo do passado mais remoto, baseadas na noção de evolução das espécies e, portanto, do homem, com a busca sistemática dos vestígios dos antigos seres humanos e de seus antepassados, os hominídeos.

A partir de meados do século XIX, começam a ser estudados os períodos mais recuados, em particular com o estudo dos períodos geológicos associados a artefatos feitos de pedra (ou líticos, no jargão arqueológico), criando-se os termos Paleolítico ou Idade da Pedra Antiga (antes de 8.000 a.C.) no Oriente Médio) e Neolítico ou Idade da Pedra Recente (após 8.000 a.C. no Oriente Médio), em 1865. O termo pré-história passou a ser usado, referindo-se ao período da história anterior à escrita, em um quadro de busca das origens das populações europeias e, um pouco mais adiante, da humanidade em geral. Surgiu a arqueologia pré-histórica.

As duas tradições arqueológicas, europeia e norte-americana, contudo, nunca deixaram de diferenciar-se. Na América Latina, ambas têm seus adeptos, gerando uma multiplicidade de influências, às vezes contraditórias. O influxo da arqueologia antropológica norte-americana na América Latina sempre foi muito claro, tanto pela importância política, econômica e cultural dos Estados Unidos na região como pela atração que o modelo norte-americano produziu nas elites intelectuais latinas.

Assim é compreensível a separação que frequentemente se faz em nosso continente entre a história, voltada para o período de colonização europeia, estudada com base nos documentos escritos, e a antropologia, encarregada do estudo dos indígenas, povos sem escrita e que também foram encarados como “outros”. Também a arqueologia histórica, tal como entendida nos Estados Unidos, surgida no final da década de 1970, expandiu-se muito na América Latina a partir da década de 1990.

Todavia, a influência europeia não deixou de fazer-se sentir por aqui, pois a construção das identidades nacionais latino-americanas não deixou de incluir, em diversos países, os ameríndios e, por isso, a busca das origens históricas, à maneira europeia, foi bem recebida entre nossos pensadores. Também o estudo das pinturas rupestres e dos mais antigos vestígios humanos, tão desenvolvido aqui por influência francesa, explica-se, em grande parte, pela adoção da noção de ligação estreita entre o homem moderno e seus antepassados mais recuados no tempo.


FUNARI, Pedro Paulo. Arqueologia. São Paulo: Contexto, 2010. p. 23-25.

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