"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Erotismo no mundo antigo

Texto 1: Mesopotâmia. O rico corpus de poesia erótica da Suméria remonta ao fim do terceiro milênio a.C. O amor entre o pastor Dumuzi e a deusa Inanna é um dos temas predominantes nesses textos nos quais o tom parece o da poesia cortesã, embora alguns deles pudessem ter uso litúrgico, durante cerimônias da união simbólica do rei, reencarnando Dumuzi com a deusa.

Nesses textos, a mulher expressa seu desejo e excitação, frequentemente com metáforas bastante claras. A sexualidade falocêntrica dos deuses masculinos, tal como representada no mito de Enki e Ninhursafa, ou em Enlil e Ninlil, respondia a uma série de textos nos quais transparecia o ponto de vista feminino.

Placa de argila da antiga Babilônia. Artista desconhecido. Ca. 1800 a.C. A placa mostra uma mulher bebendo em um canudo numa jarra enquanto está sendo penetrada por trás por um homem nu.

Outra categoria de textos, muito mais concretos, era usada nos rituais médico-exorcistas para problemas de impotência. Eram os textos mágicos, conhecidos como Shaziga (“interior ereto”). Um dos rituais para recuperar a potência consistia em fazer três nós em uma corda de harpa e recitar sete vezes: “Que o vento sopre, que o jardim sacuda” que as nuvens se reúnam, que a chuva despenque! Que minha ereção seja um rio transbordante, que meu pênis, estendido como uma harpa, dela não saia!”

Os acádios também tinham uma poesia erótica. Era mais adoçada, embora às vezes extremamente direta. Assim como a poesia cortesã suméria, da qual derivava, podia ser associada ao rei.

Em matéria de sexo, os mesopotâmicos parecem ter praticado de tudo. Mulheres como as naditu (“abandonadas”), devotadas a um deus, não tinham o direito de procriar, mas sua vida sexual – que, segundo diziam, era bem ativa – não seguia regras.

A sexualidade era onipresente, e sua relação com a moral e a religião não causava problemas. Assim, os cultos a Inanna/Ishtar continham diversas práticas sexuais, até com inversão dos sexos.

Provavelmente os babilônios se divertiriam bastante ao nos ver hoje, debruçados doutamente sobre sua sexualidade. Assim como o historiador grego Heródoto, que acreditou que todas as mulheres babilônicas deviam se prostituir pelo menos uma vez na vida.(Antoine Cavigneaux, professor de língua e civilização mesopotâmica na Universidade de Genebra) 


Texto 2: Egito. A representação freqüente da nudez, o uso de sinais diretos na escrita hieroglífica, de amuletos expressivos nos rituais ou a descrição das relações amorosas nos mitos mostram que a civilização egípcia teve, em relação ao sexo, uma atitude dissimuladora ou reprovadora. Excessos de vitalidade e desvios de todos os tipos eram condenados, com os limites impostos pelos códigos da mora e as proibições religiosas. Os cantos de amor do Novo Império, por mais íntimos que fossem, descreviam primeiro a troca de olhares, a ardente espera de um encontro e a perda da razão à medida que o desejo aumentava, sem deixar espaço para a realização do ato, a não ser por alusão.

Amuleto de masturbação de deus hermafrodita. Artista desconhecido. Bronze. Período ptolomaico (332-30 a.C.).

As ostraca [cerâmicas] e os papiros, de uso privado, representavam a obscenidade com poses e refinamentos dos mais diversos, na intimidade do lar ou em prostíbulos. Documentos da época nos permitem definir alguns elementos de linguagem e condutas eróticas, a designação do amante intangível, a excitação causada pelos cabelos femininos soltos.

Como o apetite sexual era considerado um elemento-chave da sobrevivência da espécie, os egípcios não deixariam de admitir, em suas concepções religiosos e funerárias, um erotismo não dissimulado e uma sexualidade às vezes desenfreada. O homem podia satisfazer seu desejo quanto quisesse, pela multiplicação de parcerias. Nos mitos cosmogônicos, deuses demiurgos como Atum, Rê, Amon ou Min, apesar de condenados à autossexualidade em sua solidão primordial, eram deuses itifálicos por excelência, com vigor permanente. Se eles fraquejassem, as deusas ou sacerdotisas, com a qualidade de “mão de deus”, tinham o dever de remediá-los estimulando a virilidade divina.

Objetos cultuais fálicos, concubinas funerárias e amuletos diversos visavam decorar, no contexto das práticas religiosas, as incertezas da reprodução humana, para favorecer a fertilidade. (Michel Baud, pesquisador associado ao Collège de France)

Texto 3: Grécia. O corpo humano era um dos temas de predileção da arte grega. O corpo masculino era geralmente representado nu. Já o corpo feminino, que conheceu algumas figurações nuas de influência oriental (como os marfins do século VIII a.C.), só foi retratado nu no século IV a.C. e na época helenística. Antes disso, já tinha sido representado com sugestivas vestes molhadas (como Calímaco, monumento das Nereidas) ou semiencoberta.

O nu, geralmente um corpo jovem, apareceu na época arcaica e no começo da época clássica. Durante a época clássica, nota-se uma tendência ao rejuvenescimento de alguns deuses (Apolo, Dioniso, Hermes) e a tendência a uma sutileza nas formas, certa androginia nas estátuas de hermafroditas. Inversamente, os nus femininos representados nos vasos tinham, no século V a.C., uma morfologia principalmente masculina, talvez pelo desconhecimento do corpo feminino, que não se mostrava em público, ao contrário do masculino.


Cena erótica entre um homem jovem e uma hetaira. Artista desconhecido. Cerâmica. Ca. 430 a.C.

A pintura de vasos também era uma fonte importante para a representação do corpo. Alguns dos vasos usados nos banquetes eram decorados com cenas de relações sexuais diversas, que podiam ser divididas em dois grupos: cenas elegantes, com trocas de olhares, e cenas cruas, nas quais se expressava uma relação de dominação entre um homem pertencente ao mundo dos senhores e um ser de estatuto servil, apresentado como simples objeto funcional. (Anne Jacquemin, professora da Universidade Marc Bloch, Estrasburgo)

In: BETING, Graziella. Coleção história de A a Z: [volume] 1: antiguidade. Rio de Janeiro: Duetto, 2009. p. 17-19.

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