"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

As grandes religiões do Oriente

O hinduísmo é uma das grandes religiões antigas que chegaram até o presente, sendo, também, uma das que apresentam maior diversidade interior. Seus textos sagrados mais antigos, os Veda (“saber”), contêm hinos que datam de, ao menos, mil e quinhentos anos antes de nossa era e se referem aos deuses dos indo-europeus, como o deus do céu, Dyaus Pitar, que é o Zeus dos gregos e o Júpiter dos romanos (o nome provém de uma voz que significa “luz celestial” e deu lugar, também, a nossa palavra “dia”). Porém, o hinduísmo sofreu uma grande transformação com a introdução das ideias da reencarnação, liberação e yoga entre os anos 800 e 400 a.C., numa época caracterizada por um novo conjunto de textos sagrados, os Upanixades ou “ensinamentos secretos”, complementando o corpo inicial dos Veda, escritos numa língua que havia se tornado incompreensível para os fiéis, com textos de uma grande diversidade que vão desde códigos, como as Leis de Manu, até as duas grandes epopéias do Mahabbarata e o Ramayana, ou a vasta literatura dos Puruna, dedicados geralmente a deuses concretos e a seus mitos particulares.

No hinduísmo, havia uma grande multiplicidade de deuses – diz-se que até 330 milhões -, entre os quais se distinguiam três figuras principais – Brahma (o Criador) e suas duas manifestações complementares Vishnu (o Preservador) e Shiva (o Destruidor) – com suas respectivas deusas consortes, concebidas como manifestações pessoais de força criativa (o pensamento indiano considerava a fêmea como ativa e o macho como mais passivo). Os deuses podiam receber diversos nomes (assim Vishnu seria, em diversos “avatares” ou encarnações, Rama ou Krishna) e aparecer em numerosas variações locais, de maneira que o hinduísmo poder ser interpretado como um politeísmo extremo ou como uma espécie de panteísmo que venera, mais que deuses distintos, formas diversas da divindade.


O Budismo se baseia na vida e nos ensinamentos de Siddartha Gautama (século VI a.C.), chamado Buda o Iluminado, que ensinou a forma de superar a miséria da existência e de chegar a um estado de iluminação por meio de um processo de purificação moral e intelectual. O ensinamento de Buda, transmitido de forma oral e recolhido, mais tarde, nos textos da “cesta tripla” ou “tripitaka”, não é, estritamente, uma religião – não contém a ideia de um deus ou ser supremo que controle o universo -, mas sim uma regra de vida que ensina a forma de libertar-se das baixezas e sofrimento da existência indo até à extinção ou nirvana.

O fato em si de que o Budismo não tenha um dogma nem uma autoridade religiosa – Buda não deixou nenhum sucessor pessoal -, ocasionou que sua expansão tenha se produzido de acordo com modalidades diferentes. No Sri Lanka, manteve-se em sua maior pureza o Budismo Theravada, que estabeleceu o que se chamou de um “misticismo sem deus”, no qual se utilizam técnicas de lavagem cerebral semelhantes às dos contemplativos islâmicos ou cristãos para chegar a um estado de libertação pessoal. Na Índia, ao contrário, desenvolveu-se, a partir do século VII de nossa era, o chamado Budismo Vajrayana ou Mantrayana, que poria a ênfase em ritos mágicos e sacramentais e na recitação de “mantras” ou fórmulas sagradas. Esta modalidade, que na Índia foi assimilada gradualmente pelo hinduísmo (o que explica que o Budismo acabou ali), foi a que se difundiu no Nepal e no Tibete, onde após o enfrentamento armado entre duas facções religiosas, acabou constituindo uma teocracia que destituiu a monarquia, dando o poder político e religioso aos 14 Dalai Lamas que foram se sucedendo, desde Gedun Truppa (1391-1475) até Tenzin Gyatso (nascido em 1935). A expansão pela China, Vietnã, Coréia e Japão fez com que o Budismo se associasse, nesses países, a outras tradições religiosas, dando origem a correntes originais, como o zen japonês.

A China é descrita, geralmente, como “a terra das três religiões”, referindo-se ao confucionismo, ao Taoísmo e ao Budismo. Entretanto, o confucionismo não é propriamente uma religião, mas uma norma social e de conduta, ainda que inclua manifestações de culto, especialmente aos antepassados. Não tem dogmas, nem clero, nem templos, nem monastérios, o que explica que seja confundido com a cultura tradicional chinesa. O Taoísmo religioso, que não deve ser confundido com o filosófico, é uma religião popular com uma hierarquia clerical, liturgia, textos sagrados e um panteão de deuses santos. Não tem uma organização nem um credo unificados, mas apresenta uma espécie de federação de comunidades, em sua maior parte laicas, que tem especial importância em Taiwan e em Hong Kong. O Budismo, que se difundiu na China a partir do século II de nossa era, o fez através de variantes ecléticas, próximas da prática do Taoísmo. A religião popular, o que melhor se pode qualificar como “religião chinesa”, formou-se com um conjunto de ideias e de práticas provenientes tanto do Taoísmo, como do Budismo e da “religião do Estado”, convencionalmente denominada de confucionismo (uma combinação normal seria, por exemplo, a de tomar as normas do confucionismo como guia da vida cotidiana, recorrer ao Taoísmo para os ritos de purificação e dos exorcismos, e ao Budismo, para a celebração dos funerais).

Resta, ainda, o xintoísmo japonês, que não é outra coisa do que um amálgama de religiões tradicionais anteriores à chegada do Budismo, tendo vivido longamente associado a este, já que a doutrina e o culto xintoísta eram compatíveis. A restauração Meiji de 1868 quis convertê-lo em uma religião nacional, unida ao culto do imperador, porém teve que acabar aceitando a coexistência das “três religiões” (xintoísmo, Budismo e cristianismo) e perseguindo as seitas extremistas e as novas religiões. Apesar do imperador ter sido “desdivinizado” em 1945, como conseqüência de sua derrota na Segunda Guerra Mundial, os japoneses continuam participando das festas e dos ritos xintoístas, como se fossem atos de uma cultura que lhes é própria.


FONTANA, Josep. Introdução ao estudo da história geral. Bauru: Edusc, 2000. p. 295-298.

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