Catarina de Siena, em seu impulso
de caridade, doa até mesmo uma peça – as calças de baixo – que somente o seu
ideal de recato tornava indispensável para um pobre; as pessoas de condição
humilde, homens e mulheres, dispensavam-nas tranquilamente, como mostra, por
exemplo, a iluminura que ilustra o mês de fevereiro no Livro de horas do duque de Berry, de 1413: os camponeses, para
melhor se aquecerem ao fogo, levantam as roupas, deixando à mostra os genitais.
Os panos de perna, como eram chamadas as calças de baixo na Idade Média, eram
uma indumentária que os romanos já conheciam, mas que sempre desprezavam e
hostilizavam, considerando-a própria de bárbaros. Um dos primeiros testemunhos
no tempo dos lombardos vem de Paulo Diácono, que conta como Alahis, duque de
Trento, recebe com grande má vontade um diácono que trazia uma mensagem da
parte do bispo de Pavia, Damião, e manda dizer ao prelado que só seria admitido
“si munda femoralia habet” (“se
tivesse as calças de baixo limpas”); ao que o postulante responde que as tem
muito limpas, tiradas naquele mesmo dia da roupa limpa. O duque replica, então,
que estava pouco ligando para as tais calças, se limpas ou não; queria saber se
limpo era quem estava dentro delas. Prontamente, o diácono respondeu que sobre
isso, só Deus podia ser juiz.
Fevereiro: Livro de horas do duque de Berry
As calças de baixo (chamadas
exatamente assim [mutande] em um
inventário veneziano de 1335) mudaram de nome e de forma ao longo dos séculos. No
tempo de Sacchetti, as que estavam na moda eram tão pequenas que – diz cruamente
o escritor – os homens “enfiavam a bunda num calcetto, ou seja, em uma meia curta que, na Idade Média, se usava
por baixo das meias e que protegia apenas os pés. Calças de baixo em uma versão
bastante moderna é o que um grupo de pessoas ansiosas por experimentar os
efeitos da “Fonte da Juventude” nos mostra em um alegre afresco da metade do século
XV, na sala do castelo de Manta (na província de Cuneo). Há um velho que se
despe, macilento e exibindo suas cãs, há alguns que já mergulharam na fonte e
outros que estão vestindo as roupas depois de reconquistar os verdes anos. Um
dos favorecidos, que recuperou um aspecto agradável, é ajudado por uma amiga a
enfiar uma elegante jaqueta munida de uma longa fila de botões com as
respectivas casas.
As alças das calças de baixo
desse jovem serviam para completar seu vestuário, ou seja, para segurar na
cintura as meias justas que a moda impunha. Pode-se perceber nitidamente as
casas para botões também nas meias que um velho despe, acocorado ao lado da
fonte; mais adiante, um elegante cavaleiro que está para montar no cavalo também
as deixa bem à mostra, ao lado de um companheiro cuja mão enluvada segura um
chicote; também as luvas, diga-se de passagem, são uma dádiva da Idade Média.
Para inclinar-se, dado que o
tecido não tinha nenhuma elasticidade, era preciso desatar as meias, pelo menos
em parte. É o que nos mostra, com muita desenvoltura, um dos lapidadores de
santo Estevão, em trajes trecentistas tardios, enquanto recolhe no chão uma
pedra enorme para dar cabo do mártir. Essas meias, com solas, faziam às vezes
de calçados.
A nova moda fez desaparecer o
tipo anterior de bragas largas, às vezes longas até os joelhos, às vezes até o
tornozelo – exatamente como as nossas calças compridas – que os germanos usavam
habitualmente à vista sob a túnica curta, como mostram, por exemplo, alguns dos
personagens envolvidos nas histórias de são Paulo, em um díptico de marfim do século
VI ou o pobre que providencialmente recebe de são Martinho a metade de seu
manto, em uma iluminura do final do século X.
Aos “bárbaros” deve-se igualmente
a difusão das fivelas com cravetes para fechar os cintos: podemos admirar um
belo exemplar lombardo do século VII, em prata, conservado em Cividade del
Friuli.
FRUGONI, Chiara. Invenções da Idade Média: óculos, livros,
bancos, botões e outras inovações geniais. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p.
101-105.
Nenhum comentário:
Postar um comentário