"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

domingo, 15 de setembro de 2013

Império Português

As conquistas de Portugal pelo globo, em especial entre os séculos XV e XVI, ficaram conhecidas como Império Português. Entretanto, somente no fim desse período o termo foi utilizado pelos próprios conquistadores. Até pelo menos o século XVIII, não havia oficialmente (ou judicialmente) um império, já que o império cristão nomeado como tal (e autorizado) seria o Sacro Império Romano Germânico. Isso, contudo, não impediu que ideais de império fossem formulados, evocando, na maior parte das vezes, sentidos universalizantes e católicos aos quais estariam submetidos os interesses econômicos e políticos. Ligada a esses ideais, a palavra “império”, de origem latina (imperium), indicava o poder soberano – o império do monarca -, pelo qual o rei tinha a autoridade de mando sobre vassalos e súditos, a qual, se estendia ao senhorio sobre as terras das conquistas.

Durante a maior parte do período indicado, o que se entendia por império, portanto, era a mistura de uma visão católica de conversão do globo com uma noção de poder centrada na figura do soberano, que governava sobre vastos e diferentes territórios. Essa concepção geral teve obviamente inflexões, variando conforme os interesses, disputas e concorrentes que se apresentavam, sem, contudo, se transformar em uma instituição  jurídico-política denominada Império Português. Na historiografia, o termo Império Português tenta, assim, dar conta das conquistas lusas ao longo dos quatro séculos da Época Moderna, que se estenderam pelo Oriente e pelo Ocidente e implicaram formas diferentes de contato e administração, adaptadas ou condicionadas aos múltiplos povos, culturas e localidades com quais os portugueses depararam.

Mapa do século XVI mostrando as reivindicações portuguesas para a Guiné e São Jorge da Mina. Autor desconhecido.

Definido como um “império marítimo” pelo historiador inglês Charles Boxer (1904-2000), foi inicialmente fruto da expansão em direção à Ásia margeando as costas da África, buscando uma rota para as especiarias; um caminho para cercar (e derrotar) o Império Turco pelo flanco oriental; a fonte do ouro ou dos produtos vendidos pelas caravanas no Mediterrâneo; ou, ainda, o reino mítico de Preste João, monarca cristão poderosíssimo que no imaginário lusitano viveria no interior da África e ajudaria os reis portugueses a derrotar todos os inimigos da cristandade e recuperar Jerusalém. Se do século XV ao XVI, foi um império começado na África apontando para Ásia, pensando, entretanto, nas disputas (sobretudo religiosas, contra o inimigo turco) no Mediterrâneo, e sustentado pelo comércio costeiro de ouro e escravos, no século XVI e até início do XVII, cada vez mais voltou-se para o Extremo Oriente, onde os avanços lusitanos eram mediados (e limitados) pelas relações com os reinos e impérios existentes na Índia, na China e no Japão. As alianças possíveis com as populações e reinos nativos e a adaptação aos contextos existentes, já na costa africana, mas em especial nos oceanos Índico e Pacífico, conformaram a atuação do império luso. Segundo o historiador português Luís Filipe Thomaz, essa atuação se traduziu, inicialmente, em uma estrutura em rede: os diversos pontos das feitorias, fortes e portos (espalhados de modo descontínuo pelo Oriente), menos que criar um domínio concentrado, estabeleciam e mantinham as conquistas por meio das relações comerciais e políticas inseridas nas disputas já existentes na região.

No final do século XVI e na primeira metade do XVII, a inclusão do Império Português no espectro mais amplo dos domínios da dinastia dos Áustrias espanhóis, com a União das Coroas portuguesa e castelhana (1580-1640), somada ao surgimento de outros impérios coloniais, aumentou os flancos de disputa pela manutenção das conquistas. As batalhas dos reis espanhóis contra os holandeses (que buscavam se libertar do jugo castelhano) e ingleses (que desde a derrota da Invencível Armada, em 1588, ganhavam relevo entre as Coroas do Velho Mundo) implicaram a ampliação desses conflitos europeus nos mares e, em especial no caso dos holandeses, se traduziram na perda de praças e, ao fim, de grande parte dos domínios orientais. Com isso, desmantelaram-se redes comerciais e políticas da Ásia.

Ao mesmo tempo, essas guerras revestiam-se de argumentações teológicas que fundamentavam o domínio sobre os mares e também espelhavam a importância da conversão dos povos do Novo Mundo como fundamento do poder e senhorio dos reis católicos sobre as partes do império. A missão (jesuítica, sobretudo) era um dos pilares e fins da conquista. Como diria o padre Antônio Vieira (1608-1697), as armas – dos conquistadores – precediam as almas – convertidas pelos jesuítas. Nesse sentido, as Américas entravam em cena tanto pela multidão de gentios que os católicos identificavam como necessário converter, sem, supostamente, os entraves das religiões mais estabelecidas do Oriente, como também pelo número de braços (dos africanos) que poderiam sustentar o combate contra os hereges protestantes e suprir as perdas geradas pela cisão da cristandade na Europa.

Foi a partir desse momento que o comércio no Atlântico, existente desde o século XV, e o papel do Brasil – galgado a Estado em 1549, sobretudo com a produção de açúcar somada ao tráfico de escravos -, ganhou dimensões centrais na sustentação do império. A partir do século XVII, principalmente após a Restauração (1640), o Estado do Brasil (com exceção do estado do Grão-Pará e Maranhão) e as possessões na África definiram-se como eixo para a sustentação do reino e da nova dinastia, a de Bragança; e as expectativas imperiais foram se transferindo de leste para oeste.

O advento do ouro nas Minas Gerais intensificou a atenção para as Américas e o Atlântico Sul, ao longo do século XVIII. A importância crescente do Brasil como eixo principal do império se traduziu nas proposições de um império Luso-Brasileiro, e, sobretudo, entrando o século XIX, com a vinda da família real para o Brasil em 1808 e a elevação a Reino Unido em 1815 – fatos que, paradoxalmente, segundo alguns autores, denunciaram a crise da estrutura imperial. A perda do Brasil, em 1822, obrigou à redefinição do império e sua refundação, com a África como centro, além dos poucos enclaves restantes na Ásia, porém em chaves bastante diferentes daquelas que ordenaram o império colonial moderno.


Luís Filipe Silvério Lima. Império Português. In: BETING, Graziella. Coleção história de A a Z: [volume] 3: Idade Moderna. Rio de Janeiro: Duetto, 2009. p. 49-50.

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