"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Guerra do Vietnã (1961-1975)

Laos, Camboja e Vietnã, países que resultaram da decomposição do domínio francês na Indochina, foram violentamente atingidos pelos conflitos decorrentes da divisão do mundo em dois blocos. O mais sangrento e dramático foi a Guerra do Vietnã (1961-1975), que, a rigor, foi continuação das lutas de independência.


"Diante das dificuldades para se lutar num território desconhecido e com florestas muito densas, os norte-americanos desenvolveram armas químicas, como o napalm, objetivando a queima de árvores, e o "agente laranja", um poderoso desfolhante, que poderiam facilitar a localização de redutos de soldados vietnamitas. O napalm era uma espécie uma espécie de gasolina gelatinosa que queimava ao contato. Calcula-se que os Estados Unidos lançaram sobre o Vietnã cerca de 340 mil toneladas de napalm. Na foto, crianças fogem de um ataque no qual foi utilizado esta substância. À direita, fotógrafos registram a cena. A divulgação de imagens como esta comprometeu a posição dos EUA tanto no plano externo como junto à opinião pública interna." (BERUTTI, Flávio. Caminhos do homem 3. Curitiba: Base Editorial, 2010. p. 134.)

A tensão política no Vietnã, dividido em norte e sul, persistiu depois da independência (1954), apesar dos acordos feitos em Genebra. No sul, o primeiro-ministro Ngo Dinh Dien, católico e anticomunista, com ajuda norte-americana, adiou as eleições previstas para 1956, afastou Bao-Daí do governo e proclamou a República do Vietnã do Sul, declarando-se presidente. Em contrapartida, os comunistas organizaram a resistência, criando, em 1960, a Frente de Libertação Nacional (FLN) e, em 1961, o Exército de Libertação Nacional, chamado pelos norte-americanos de Vietcong.

Em 1963, a tensão política agravou-se com o assassinato de Ngo Dinh Dien. O governo norte-americano, sob a presidência de Lyndon Johnson, resolveu intervir militarmente e, em agosto de 1964, ordenou ataques aéreos ao Vietnã do Norte. A partir daí a guerra se generalizou no país. O Vietnã do Sul e as forças norte-americanas passaram a lutar contra as tropas do Vietnã do Norte e o Vietcong, que usava táticas de guerrilha. Os efetivos norte-americanos na área chegaram a contar com 541 mil homens.


Big Guns, David Fairrington

Em 1968, com o avanço do Vietcong, foram suspensos os bombardeios norte-americanos e iniciaram-se, em Paris, as negociações entre Washington e Hanói (capital do Vietnã do Norte).

Os encontros, porém, arrastavam-se, sem solução. Nos Estados Unidos cresciam as manifestações contrárias à guerra¹, conforme eram divulgados pela imprensa (principalmente a TV) a violência e os ataques norte-americanos à população civil das cidades e aldeias camponesas indefesas², além da devastação das plantações e dos recursos naturais provocada pelo uso de agentes químicos proibidos por convenções internacionais.³

Em 1970, contrariando a opinião pública do país e a internacional, o presidente dos Estados Unidos Richard Nixon ampliou o conflito, bombardeando o Camboja sob o pretexto de eliminar “redutos” comunistas. Em 1972, tropas norte-americanas atacaram, com intensidade sem precedentes, a capital norte-vietnamita. As forças do Vietnã do Norte, a FLN e o Vietcong resistiram. Em 1973 foi assinado, em Paris, um acordo, segundo o qual as forças norte-americanas deveriam se retirar do Vietnã, seria formado um conselho para organizar eleições no Vietnã do Sul e os prisioneiros seriam libertados.

Contudo, a saída dos Estados Unidos não significou o fim das lutas. De 1973 a 1975 a guerra foi “vietnamizada”, ou seja, as forças comunistas do norte avançaram sobre as províncias do sul e acabaram dominando todo o país. Em 1975, os comunistas ocuparam Saigon, encerrando-se a guerra com a reunificação do país, que passou a constituir a República Socialista do Vietnã. 

Mas o fim da Guerra do Vietnã não trouxe a paz para a região. Além dos graves problemas internos – determinados pelas divergências político-ideológicas, não eliminadas pelo conflito, e pelos efeitos devastadores das lutas prolongadas -, o Vietnã enfrentou os países fronteiriços: Camboja, em 1977; China, que em 1979 chegou a invadi-lo por 15 dias; e Tailândia, em 1980.

Wietnamska Pieta, Edward Knapczyk.

¹ "Assim, a guerra foi se tornando extremamente impopular junto à opinião pública nacional e internacional, deixando o governo dos EUA praticamente isolado no plano político internacional. No final da década de 60 e início da década de 70, manifestações contrárias à guerra aconteceram em quase todas as grandes cidades da Europa Ocidental e da América Latina. A queima de bandeiras norte-americanas em frente às sedes diplomáticas dos EUA no exterior tornou-se uma cena comum relatada pelo noticiário internacional.

Na Europa, foi criado até mesmo um tribunal internacional, formado por figuras eminentes do mundo cultural, que julgou e condenou o governo dos EUA de ter praticado crimes de guerra no Vietnã. [...]


O termo Vietnã entrou para o vocabulário político com o significado de 'o atoleiro em que se mete um país quando intervém em outro'. [...] Aparentemente, a chamada maioria silenciosa apoiava os atos do governo, mas o "barulho" feito pelos ativistas - estudantes, intelectuais, liberais, pacifistas etc. - teve um efeito muito grande sobre a opinião pública. Os jovens, especialmente, questionavam não apenas a guerra em si, mas o próprio estilo de vida americano - american way of life -, cujos dogmas tinham permanecido praticamente intocáveis durante décadas (os movimentos hippies, undergrounds e de contracultura surgiram mais ou menos nessa época).


Contudo foram as cenas mostradas pela TV que abalaram sensivelmente a sociedade norte-americana - pois a imagem da guerra transmitida pelo governo era muito diferente da realidade. [...] As feridas deixadas pela Guerra do Vietnã ainda não cicatrizaram de todo. Os mais de 50 mil mortos, os mais de 300 mil feridos e o drama vivido por inúmeros veteranos do Vietnã, que não conseguiram superar psicologicamente os traumas causados pela guerra, ainda estão vivos nas lembranças do povo norte-americano." (OLIC, Nelson Bacic. A Guerra do Vietnã. São Paulo: Moderna, 1988. p. 45-46.)

² "A Guerra do Vietnã foi marcada, entre outros aspectos, pelo grande sofrimento da população civil. Durante os 15 anos de conflito, essa população sofreu agressões sem precedentes do maior aparelho militar do mundo, que inclusive utilizou armas químicas e bacteriológicas contra militares e mesmo contra a população civil. Muitas aldeias foram atacadas por soldados norte-americanos, como foi o caso de My Lai, em abril de 1968. Os 120 soldados da "Companhia Charlie" foram encarregados de "limpar" a aldeia, que, segundo os norte-americanos, estaria servindo de abrigo a soldados inimigos. Ao final da invasão, 508 aldeões foram mortos em suas choupanas, em sua maioria mulheres, crianças e idosos." (BERUTTI, Flávio. Caminhos do homem 3. Curitiba: Base Editorial, 2010. p. 134.)

³ "Entre 1961 e 1971, o exército norte-americano realizou pulverizações maciças de desfolhantes sobre o Vietnã. Pretendia arrasar a cobertura vegetal, para impedir que o adversário se camuflasse, e destruir as colheitas para matar de fome as populações e os combatentes. O segundo objetivo era explícito: como as operações de guerrilha dependiam estreitamente das colheitas locais para seu abastecimento, os agentes antiplantas possuíam um elevado potencial ofensivo para destruir ou limitar a produção de alimento.

Os desfolhantes compreendiam essencialmente o agente laranja - que contêm a dioxina, um produto químico particularmente tóxico. [...] Foi uma catástrofe sanitária e ambiental para o Vietnã. E ainda é, porque a dioxina, produto químico muito estável, degrada-se lentamente e se integra na cadeia alimentar. Seus efeitos persistem no ambiente e afetam os habitantes das zonas atingidas. [...] Trinta anos após o fim das pulverizações, o agente laranja continua a provocar mortes, patologias de extrema gravidade e malformações no nascimento. [...]

Em relação ao meio ambiente, ainda que as taxas de dioxina no solo sejam felizmente baixas, regiões inteiras tornaram-se impraticáveis para os agricultores. [...] Perante a amplitude do desastre, a questão fundamental permanece: responsabilidade." (GRENDEU, Francis. Quem faz as guerras químicas. Le monde diplomatique, 1º jan. 2006.)

BERUTTI, Flávio. Caminhos do homem 3. Curitiba: Base Editorial, 2010. p. 134.
NEVES, Joana. História Geral – A construção de um mundo globalizado. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 499-500.
OLIC, Nelson Bacic. A Guerra do Vietnã. São Paulo: Moderna, 1988. p. 45-46.

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