Toda homofobia tem em algum
aspecto da heterossexualidade sua base fundamental. Contudo, a heteronormatividade não passa de uma crença. Uma crença convencionalizada e mal
fundamentada construída no costume e em suas repetições acríticas. Nunca no
conhecimento e na verdade. A simples existência dos homossexuais no mundo, por
si só, comprova a contradição e o tendencionismo dessa crença. Inclusive, o
preconceito faz parte do domínio da crença por ter base irracional. Preconceitos não dizem respeito ao
conhecimento – não usam de raciocínios, argumentos e evidências lógicas para se
fundamentarem. Preconceitos não são justificáveis. Principalmente quando
acompanhados de altas dosagens de violência, intolerância e discriminação.
Discriminar alguém com base em sua orientação sexual é promover tratamento
desigual – geralmente inferiorizando-o. E promover tratamento desigual é crime
no Brasil.
Dois homens nus, François-Xavier Fabre
São indícios preocupantes em todo
o mundo. Nosso país tem apontado graus de intolerância contra os homossexuais
que estão além da imagem acolhedora que propagamos pelo globo. Em 2009, foram
vítimas de homofobia no país em torno de 198 pessoas. Em 2010, nossa sociedade
chocou o mundo com imagens de jovens homossexuais sendo agredidos gratuitamente
e à luz do dia em plena Avenida Paulista – coração da maior e mais cosmopolita
metrópole do país. Mas a homofobia não é peculiaridade brasileira. No país mais
poderoso do planeta, os EUA, 17,6% dos crimes de ódio, em 2008, foram motivados
por orientação sexual. Outras culturas também indicam intolerância e ignorância
ao tratar do tema. Na China pós-Revolução Cultural, por exemplo, os
homossexuais se tornaram alvo regular de perseguições policiais – acusados de
vandalismo e perturbação da ordem pública. Na Coréia do Norte a
homossexualidade é condenada enquanto vício promovido pela decadente cultura
ocidental capitalista – supostamente deturpadora de caráter. Todavia,
curiosamente, todos os dias noticiários estão abarrotados de casos de violência
abusivos por parte de heterossexuais e nem por isso atribuímos tal violência e
agressividade a essa orientação sexual. A verdade é que o suposto medo
homofóbico desencadeia níveis de violência injustificáveis. Superiores a
qualquer ameaça que os homossexuais possam vir a representar aos tradicionais
costumes sociais.
Bacanal, Wilhelm von Gloeden
Em suma, a prática homofóbica se
manifesta num conjunto de atitudes segregadoras, agressivas e discriminatórias
de inferiorização dos homossexuais por parte dos heterossexuais. Trata-se de um
preconceito fundamentado numa crença equivocada e irracional de que somente são
possíveis no mundo aqueles que se atraem sexualmente pelo sexo oposto
(heterossexualidade). Essa falsa crença deve ser sobreposta à conscientização
de que homossexuais são seres vivos, seres humanos. Eles existem e estão
ativamente dentro da sociedade. Pagam impostos como todo mundo, compram
propriedades e se relacionam como todo mundo. Estudam, trabalham, amam, se
frustram, possuem amigos e inimigos, são gordos e magros, bonitos e feios,
gentis e sacanas, são tímidos e atrevidos como todo mundo. Se eles estão vivos
é porque têm lugar para eles no mundo, caso contrário estariam mortos ou não
existiriam. Mas existem. Eles existem. Existem. Nascem, têm vida própria, mães,
pais e amigos. E, por existirem, seus direitos devem ser preservados e
garantidos como os de qualquer outro ser humano, membro da sociedade civilizada
e organizada legalmente.
Nossa constituição zela pelo
bem-estar da população e prevê que o respeito pelo outro independe das suas
escolhas afetivas pessoais. A Constituição Federal Brasileira define como
objeto fundamental da República: “promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação”. A expressão
quaisquer outras formas refere-se a
todas as formas de discriminação não mencionadas explicitamente no artigo, tais
como a orientação sexual, entre outras. Além de a Constituição proibir qualquer
forma de discriminação de maneira genérica, várias outras leis estão sendo
discutidas no Congresso a fim de se proibir especificamente a discriminação aos
homossexuais. Vale lembrar também que países como o Canadá, a Holanda,
Portugal, Argentina e Uruguai já legalizaram o casamento homossexual com o objetivo
de reconhecer os direitos civis básicos dessa população.
Amantes do sol, Henry Scott Tuke
No sentido de regulamentar os
direitos civis dos homossexuais no Brasil, a partir de 2011 passamos a permitir
a legalidade da união estável entre indivíduos do mesmo sexo. O que a
legitimação desse tipo de união vem estimular é a defesa de que a união deve
ser legal em função do afeto nela presente. Casamentos não são mais (desde o
século XVIII) obrigações sociais, nem alianças sociais e políticas entre
famílias, não são meios de salvação da alma nem garantias de renda e muito
menos mecanismo para manutenção da espécie. Casamentos são celebrações do
direito de união afetiva com parceiros de nossa livre escolha. Legitimar a
união e, daqui para frente, o casamento entre os homossexuais é afirmar que
seus direitos fundamentais estão preservados, bem como o de qualquer outro
brasileiro. É uma questão de justiça. O texto das uniões estáveis padronizado
nos cartórios brasileiros é enfático: uniões estáveis asseguram direitos civis
e a constituição familiar (não a tradicional, mas todos os tipos de família).
Afinal, quem é a favor da família – enquanto núcleos funcionais de afeto e
compreensão – tem de ser a favor de todos os tipos de famílias possíveis no
mundo.
Duas mulheres valsadoras, Henri de Toulose-Lautrec
Por fim, extinguir a homofobia e
legalizar os homossexuais na sociedade são atos imperativos para a garantia da
qualidade de vida de toda uma geração que está por vir. Seja por adoção, seja
por inseminação artificial e uso de barrigas de aluguel ou ainda pela
reprodução genética entre duas mulheres, o que importa é que novas famílias
estão se constituindo a partir das relações afetivas homossexuais. Assim como
no século XX, novas famílias também se constituíram a partir de relações
afetivas oriundas de divórcios. E a nova geração de brasileiros que se forma
agora não pode vir a sofrer com a homofobia lançada sobre seus pais e mães.
Assim como filhos de mulheres e homens divorciados não mereciam sofrer
preconceito nas décadas passadas, quando o divórcio ainda era tabu social.
Temos de minar a homofobia agora, não só pelo movimento LGBT em si, mas para
que as novas gerações não precisem viver marginalizadas e clandestinas dentro
da sociedade. Os recentes debates – mesmo que 20 anos atrasados – sobre o
assunto são frutíferos e necessários para o amadurecimento de toda a sociedade
brasileira. Espera-se que seus resultados sejam racionais, tolerantes,
imparciais e objetivos – como toda verdadeira Ética deve ser.
Ana Augusta Carneiro. Crimes de
ódio. In: Filosofia. Ano VII, nº 83,
junho de 2013. p. 49-50.
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