O banho de Diana, François Clouet
Entre 1500 e 1800 estava aberto o caminho para mudanças radicais, violentas e aceleradas, e portanto para o mundo moderno, em parte devido às ideias do início da Europa moderna. Trata-se de ideias de homens (e de algumas poucas mulheres) atípicos: destacados escritores, estudiosos e cientistas da época. Contudo, no seu tempo, é provável que muito poucas pessoas tenham sido influenciadas por eles (ou que os conhecessem) e não deixa de ser uma deturpação admitir que tenham efetivamente dominado a história do pensamento de uma determinada época. Hoje vive-se numa época em que a ciência tem grande prestígio e obviamente faz coisas à nossa volta que demonstram o seu poder de lidar com o mundo natural. No entanto, muitos ainda acreditam (ou agem como se acreditassem) que cruzar os dedos ou não passar por baixo de escadas afastará a má sorte, que astrólogos que escrevem nos jornais podem “predizer” o futuro curso dos acontecimentos a partir das estrelas, ou que se deveria escolher um dia “auspicioso” para casar ou viajar. Quando se tenta determinar as maneiras pelas quais as ideias, primeiro dos europeus e depois de outros povos, mudaram tão drasticamente, repelindo um conjunto de pressuposições e adotando outras, é preciso ter o cuidado de não esquecer as limitações.
Certamente algo mudou por volta
de 1800: a maneira de os europeus instruídos verem o passado. Um dos efeitos da
Renascença fora o interesse pelas comparações. No século XVII começou-se a
discutir se a humanidade agira melhor nos tempos antigos, e depois, se outras
civilizações haviam alcançado maiores alturas (os chineses eram fortes
candidatos ao título). No início do século XIX também já se começava a perceber
que a Idade Média significara mais do que os críticos admitiam, e que este período
deveria ser de certo modo admirado.
Do ponto de vista do historiador,
isso é muito bom. Mais pessoas dedicaram-se a olhar o passado com mais cuidado,
apesar do pequeno alcance da sua visão quanto à verdadeira natureza deste
passado. Porém, algo mais aconteça no mesmo tempo, e foi uma das mais
importantes mudanças que ocorreram na perspectiva dos europeus. Em essência,
muitos europeus se convenceram de que a humanidade seguia adiante e que a História
demonstrava um padrão de progresso contínuo. Começaram a se achar mais
adiantados em civilização, gosto, conhecimento, ciência e arte do que em
qualquer época anterior, e alguns chegaram a acreditar que os seus sucessores
seriam ainda mais avançados. Em resumo, o mundo melhorava o tempo todo. Foi uma
ampla ruptura com a visão medieval que muitas vezes acentuava ora que as coisas
estavam piorando, ora que não podiam ser mudadas.
Algumas raízes desta nova
perspectiva baseiam-se num reviver da sabedoria clássica, já em curso antes de
1400, e que alcançou o seu ápice no século XVI, quando os admiradores da
literatura e da arte clássicas fizeram as suas maiores exigências quanto ao que
podiam aprender com a Grécia e com Roma. Aos poucos, alguns “humanistas”, como
eram chamados, começaram a enfatizar aspectos da Antiguidade clássica,
sobretudo os não relacionados ao cristianismo e talvez até mesmo opostos. Tomando-se
um exemplo simples, o cristianismo enfatizara a virtude de se dar a outra face,
demonstrar mansidão e humildade, mas tal comportamento não fora muito admirado
pelos gregos nem pelos romanos. Um dos efeitos do reviver da sabedoria clássica
foi o de sugerir a algumas pessoas que padrões e valores não-cristãos podiam
ser aceitáveis e assim, contribuir para uma sensação de rompimento com o
passado e para o enfraquecimento de ideias que por muitos séculos mantiveram
unida a cultura europeia. Assim como a Reforma Protestante, esse processo abriu
caminho para uma civilização mais diversificada e menos religiosa, embora não
se deva enfatizá-lo demais.
Os humanistas que admiravam as
virtudes pagãs e as colocavam acima das do cristianismo eram minoria, minúscula
minoria num mundo de homens cultos que por sua vez eram minúscula minoria na
Europa como um todo. Muitos humanistas descobriram um amor pela sabedoria clássica
bastante compatível com as suas crenças cristãs. O mais famoso de todos talvez
seja o holandês Erasmo de Roterdã e o seu principal propósito ao aperfeiçoar a
sabedoria era usá-la para fornecer textos precisos do Novo Testamento e das
obras dos Patriarcas da Igreja.
ROBERTS, J. M. O livro de ouro da história do mundo.
Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 483, 485-486.
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