Mercenários núbios. Pintura na tumba de Zenue
Atualmente o conceito histórico
de “Antiguidade” é bastante amplo. Estamos acostumados a associar esse termo
somente às antigas civilizações do Oriente Médio – Mesopotâmia e Egito – e ao
mundo greco-romano, nas redondezas do mar Mediterrâneo. Só que tal associação
hoje é tida como limitada. Nos últimos anos, a definição de “Antiguidade” foi
ampliada para incluir o resto do mundo: a América, a África e o restante da
Ásia. Mas como isso se deu e quais as conseqüências?
Tudo começou no século XVIII, com
o Iluminismo e a busca por raízes racionais para o mundo em que vivia. No caso,
claro, as raízes da Europa moderna. Primeiro os seguidores do pensamento
vigente procuraram suas origens nas antigas civilizações grega e romana,
fundadoras das principais instituições que inspirariam os modernos: a
filosofia, a democracia, as leis, a noção de império, a república... É bom
ressaltar que os modelos militares nunca haviam deixado de ser os clássicos
latinos, como Júlio César e sua Guerra das Gálias.
Em seguida, com o domínio
crescente dos europeus no Oriente Próximo, o Egito, a Palestina e a Mesopotâmia
passaram a fazer parte dessas origens. Decifraram-se os hieróglifos egípcios e
a escrita cuneiforme mesopotâmica. Descobriu-se então que muito da religião
cristã provinha dessas antigas civilizações. Desde então, Antiguidade passou a
designar um período que se iniciava no final do quarto milênio a.C., no Oriente
Médio, e continuaria até a queda do Império Romano, no início do quinto século
d.C.
Nas últimas décadas, contudo,
essa visão tem sido contestada. Isso porque existiram civilizações com escrita
elaborada em outras partes da terra: China, Índia e América, com maias, astecas
e incas. Já em outras regiões, mesmo sem o uso da escrita, surgiram sociedades
elaboradas, caso da África e do Brasil pré-descobrimento. Todas essas culturas
antigas passaram a ser consideradas parte de uma Antiguidade expandida, não
mais limitada no tempo e no espaço. Por quê?
Em primeiro lugar, os povos
antigos de todas as partes passaram, em nossa época global, a constituir nossos
antepassados. No Brasil, com boa parte da população com ascendência indígena e
outros tantos com antepassados africanos, não há dúvida que a Antiguidade não
pode restringir-se ao Oriente Médio e ao Mediterrâneo. Em segundo lugar, todos
os povos antigos possuem características comuns – ou, ao menos, comparáveis.
Isso fica claro no caso das guerras.
Todas as sociedades se firmaram a
partir de conflitos. O recurso à violência é uma constante na História humana.
Essa experiência de combate, que caracterizou o ser humano por milhares de
anos, acabou por condicionar, em grande parte, a maneira como ainda pensamos,
já em uma época tecnológica como a nossa. Esse fascínio pela luta corporal
mantém-se em diversos esportes, como o boxe, o judô ou o sumô. A guerra
conserva, em sua essência, essa experiência milenar. Nisso se fundam todos os
tipos posteriores de luta.
Com o tempo surgiram exércitos
que permitiram o desenvolvimento de impérios como o egípcio e o de Sargão, na
Mesopotâmia, de Alexandre, o Grande, e o imenso Império Romano. Algo se manteve
desde os primórdios: o embate direto, corporal. Mesmo entre os romanos, com um
exército que chegou a mais de 300 mil homens, com uma hierarquia militar
marcada, todos participavam da luta corpo a corpo, inclusive os generais, que,
não raras vezes, morriam em combate. Essa experiência direta de luta, de vida
em jogo, que estava na origem dos embates entre os seres humanos, manteve-se
por toda a Antiguidade.
Pedro Paulo A. Funari é livre-docente em História Antiga, doutor em Arqueologia, mestre em Antropologia, bacharel em História, professor da Unicamp e pesquisador associado das universidades de Illinois e de Barcelona.
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