Au Parc Royal: importados, para pessoas importantes. Rio de Janeiro, início do século XX.
London and Brazilian Bank, National City Bank of New York, Banco Alemão, London and River Plate Bank, British Bank of South America... O número de bancos crescia rapidamente no país! Era o progresso chegando mais uma vez! ("Progresso" interminável esse, quando chegaria para todos?).
Muito progresso sim, mas muitos empréstimos também. Durante toda a República Velha - de 1889 a 1930 - o Governo Brasileiro iria pedir vinte e sete empréstimos aos banqueiros da Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, Holanda e França. O Brasil, assim, continuava cheio de dívidas no exterior, e por isso dependente das grandes potências capitalistas.
Au Printemps, Au Louvre, Au Parc-Royal, Notre-Dame de Paris, A La Pendule Suisse. O comércio fino e importado - para as pessoas "importantes"! - era a maior atração da "Terra do Café". As ruas centrais do Rio de Janeiro, iluminadas pela Brazilian Traction Light and Power Co. Ltd., tinham vitrines de luxo. Uma Europa no Brasil!
Frigoríficos? Já tínhamos o Armour, o Swift, o Wilson... Indústrias alimentícias? Tínhamos a Anderson Claybon e a Sanbra. Também já eram montados no Brasil os primeiros automóveis: a proeza ficava por conta da General Eletric e da General Motors.
As indústrias estrangeiras iam penetrando no Brasil e em outros países da América Latina, como Argentina, México e Peru. Esses países, apesar dos benefícios trazidos pelos novos investimentos, pagavam caro por isso. Um exemplo: os trabalhadores latino-americanos recebiam salários bem menores que os trabalhadores dos países desenvolvidos. Outro exemplo: grande parte dos lucros dessas indústrias filiais era enviada para as suas matrizes, isto é, as sedes dessas firmas, localizadas no país de origem. Como as matrizes mandavam para as suas filiais as máquinas velhas e ultrapassadas, ficavam sempre em vantagem. O Brasil desenvolvia-se, mas não deixava de ser dependente.
Bancos, lojas, indústrias: o capitalismo avançava no Brasil. Mas o Brasil continuava fazendo parte de uma divisão internacional da produção, que funcionava mais ou menos como nos tempos coloniais: as ex-colônias (como o Brasil), além das colônias que ainda existiam no mundo, deviam servir à mesa dos europeus e norte-americanos! Da Argentina saía o bife; da América Central as frutas e os doces; do Brasil - advinhem? - o cafezinho, claro. E para completar a satisfação dos donos do mundo, charutos especiais de Havana, feitos com fumos finíssimos produzidos pelos trabalhadores cubanos!
Por essa razão é que as firmas de exportação de café, cacau e açúcar davam muitos lucros aqui no Brasil. Os capitalistas ingleses não perderam também essa oportunidade: eram donos de quase todas essas firmas.
Qual era o papel dos países desenvolvidos na divisão internacional da produção? Produzir e exportar para os não desenvolvidos os produtos de suas grandes e poderosas indústrias.
(A quem essa situação interessava? A quem não interessava?)
Assim como no Rio de Janeiro, a cidade de São Paulo também mudava muito no início do século. O centro da cidade era um retrato da nova época: luxuosos hotéis, como o Hotel da França, o Grand Hotel Paulista e o Club Internacional; grandes jornais, como o Correio Paulistano, o Diário Popular, o Estado de São Paulo, além de firmas comerciais e bancárias. A capital paulista ia-se tornando um verdadeiro centro do capitalismo no Brasil. E o Brasil vivia a sua belle époque, como muitos começaram a dizer: época de progresso, riqueza e otimismo para a burguesia brasileira que nascia.
As famílias mais ricas da burguesia do café, dos grandes comerciantes e dos donos das indústrias foram morar em novos bairros: Santa Ifigênia, Campos Elísios, Consolação e Higienópolis, onde se chegava através da recém-construída e elegantíssima Avenida Paulista.
Nesses bairros foram construídos clubes com piscinas, quadras de esportes e salões de jogos, além de bons colégios e luxuosos cinemas.
As crianças quase não iam à rua. Quando iam era para brincar com meninos e meninas de sua própria classe social. Ou então para tomar a carruagem que as levaria aos seus colégios, onde ainda recebiam as palmatoadas e os beliscões do tempo antigo...
Os colégios católicos continuavam sendo os mais conservadores. Um dos mais tradicionais ficava em Minas Gerais. Era o Colégio do Caraça, fundado em 1774.
- Mando-te para o Caraça! era uma frase que nenhum menino levado gostava de ouvir.
"Matricule sua graciosa filhinha no Notre Dame de Sion. Ensinamos boas maneiras, com curvatura à francesa", dizia um anúncio da época.
Essas escolas - consideradas as melhores - formavam os jovens da burguesia rural e industrial. Lá eles se preparavam para suas futuras e importantes profissões e sonhavam em se tornar adultos modernos, práticos e esportistas. "Sportman", como recomendava o "modelo" de homem que também importávamos dos EUA:
"Adão fuma; Adão joga; Adão bebe, vai ao 'club'; esgrima; é 'captain' de um 'team' de 'football'; campeão de 'tennis'; e do 'cricket'; juiz de um 'club' de regatas; diretor da Sociedade Protetora dos Animais que andam sem coleira; membro honorário do Instituto Histórico e da Sociedade Hanhemaniana contra a hidrofobia e benemérito de quatro associações operárias de resistência ao trabalho", dizia a Revista Feminina, no ano de 1918.
E "Eva"?
Para a maioria das pessoas da época, "Eva" deveria mesmo era continuar no "paraíso". É o que afirmava a Revista Iris em 1905:
"Aos doze anos, a mulher é a crisálida que espera a luz do amor para tornar-se domada borboleta; aos treze, é um poema lírico a que falta a última estrofe; aos catorze, é um hino de harpa; aos quinze, é um astro em torno do qual rodopiam a graça, a harmonia e o amor; aos dezesseis é uma estátua da Madona que procura um coração de homem para dele fazer o seu altar..."
O novo século, porém, já conhecia as "Evas" secretárias, enfermeiras, datilógrafas, advogadas, balconistas, professoras e operárias. "Evas" que iam ficando menos dependentes dos seus "Adões".
Bertha Lutz, bióloga, advogada e líder de um movimento de libertação de mulheres, era uma dessas Evas menos domésticas. Em 1918 ela dizia coisas bem diferentes das publicadas pelas revistas femininas da época:
- Uma das maiores forças de emancipação e do progresso está na educação da mulher e do homem. Dela, para que seja intelectualmente igual e para que sua vontade se discipline. Dele, para que se acostume a pensar que a mulher não é um brinquedo para o distrair; para que, olhando sua esposa, suas irmãs, e lembrando-se de sua mãe, compreenda e se compenetre da dignidade da mulher. Para conseguirmos esse resultado, para mostrarmos a nossa equivalência, um esforço individual e coletivo é necessário. (Bertha Lutz. Cartas de mulher. Revista da Semana. Rio de Janeiro. 28/12/1918)
ALENCAR, Chico et alli. Brasil Vivo 2: a República. Petrópolis: Vozes, 1991. p. 63-67.
As famílias mais ricas da burguesia do café, dos grandes comerciantes e dos donos das indústrias foram morar em novos bairros: Santa Ifigênia, Campos Elísios, Consolação e Higienópolis, onde se chegava através da recém-construída e elegantíssima Avenida Paulista.
Nesses bairros foram construídos clubes com piscinas, quadras de esportes e salões de jogos, além de bons colégios e luxuosos cinemas.
As crianças quase não iam à rua. Quando iam era para brincar com meninos e meninas de sua própria classe social. Ou então para tomar a carruagem que as levaria aos seus colégios, onde ainda recebiam as palmatoadas e os beliscões do tempo antigo...
Os colégios católicos continuavam sendo os mais conservadores. Um dos mais tradicionais ficava em Minas Gerais. Era o Colégio do Caraça, fundado em 1774.
- Mando-te para o Caraça! era uma frase que nenhum menino levado gostava de ouvir.
"Matricule sua graciosa filhinha no Notre Dame de Sion. Ensinamos boas maneiras, com curvatura à francesa", dizia um anúncio da época.
Essas escolas - consideradas as melhores - formavam os jovens da burguesia rural e industrial. Lá eles se preparavam para suas futuras e importantes profissões e sonhavam em se tornar adultos modernos, práticos e esportistas. "Sportman", como recomendava o "modelo" de homem que também importávamos dos EUA:
"Adão fuma; Adão joga; Adão bebe, vai ao 'club'; esgrima; é 'captain' de um 'team' de 'football'; campeão de 'tennis'; e do 'cricket'; juiz de um 'club' de regatas; diretor da Sociedade Protetora dos Animais que andam sem coleira; membro honorário do Instituto Histórico e da Sociedade Hanhemaniana contra a hidrofobia e benemérito de quatro associações operárias de resistência ao trabalho", dizia a Revista Feminina, no ano de 1918.
E "Eva"?
Para a maioria das pessoas da época, "Eva" deveria mesmo era continuar no "paraíso". É o que afirmava a Revista Iris em 1905:
"Aos doze anos, a mulher é a crisálida que espera a luz do amor para tornar-se domada borboleta; aos treze, é um poema lírico a que falta a última estrofe; aos catorze, é um hino de harpa; aos quinze, é um astro em torno do qual rodopiam a graça, a harmonia e o amor; aos dezesseis é uma estátua da Madona que procura um coração de homem para dele fazer o seu altar..."
O novo século, porém, já conhecia as "Evas" secretárias, enfermeiras, datilógrafas, advogadas, balconistas, professoras e operárias. "Evas" que iam ficando menos dependentes dos seus "Adões".
Bertha Lutz, bióloga, advogada e líder de um movimento de libertação de mulheres, era uma dessas Evas menos domésticas. Em 1918 ela dizia coisas bem diferentes das publicadas pelas revistas femininas da época:
- Uma das maiores forças de emancipação e do progresso está na educação da mulher e do homem. Dela, para que seja intelectualmente igual e para que sua vontade se discipline. Dele, para que se acostume a pensar que a mulher não é um brinquedo para o distrair; para que, olhando sua esposa, suas irmãs, e lembrando-se de sua mãe, compreenda e se compenetre da dignidade da mulher. Para conseguirmos esse resultado, para mostrarmos a nossa equivalência, um esforço individual e coletivo é necessário. (Bertha Lutz. Cartas de mulher. Revista da Semana. Rio de Janeiro. 28/12/1918)
ALENCAR, Chico et alli. Brasil Vivo 2: a República. Petrópolis: Vozes, 1991. p. 63-67.
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