"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

"Anno Domini"

O Batismo de Cristo, de Andrea del Verrochio e Leonardo da Vinci

[...] eis que surge uma questão: quando se começou a contar os anos a partir do nascimento de Cristo? Muito tarde. Foi, de fato, o monge Dionísio o Pequeno, que viveu no século VI, quem se preocupou em estabelecer a data de nascimento do Redentor, fixada então em 25 de dezembro de 753 da fundação de Roma.

A fonte cronológica relativa ao nascimento de Cristo é uma passagem do Evangelho de Lucas (2, 1-2):

Naqueles dias, apareceu um edito de César Augusto, ordenando o recenseamento de todo o mundo habitado. Esse recenseamento foi o primeiro enquanto Quirino era governador da Síria. E todos iam se alistar, cada um em sua própria cidade. Também José sai da Galiléia, da cidade de Nazaré, para a Judéia, para a cidade de Davi, chamada Belém, por ser da casa e da família de Davi, para se inscrever com Maria, sua esposa, que estava grávida.

Mateus (2, 1-2) acrescentou a estrela dos Magos à narrativa e, sobretudo, colocou o nascimento de Jesus no tempo do reino de Herodes, que Lucas (1, 5) também mencionava indiretamente.

Depois de muitos cálculos, Dionísio pensou que poderia estabelecer o ano preciso da morte de Herodes, mas enganou-se, pois o soberano morreu certamente no ano 4 a.C. É ainda mais difícil estabelecer o tempo exato do recenseamento de Quirino, que aconteceu, de qualquer forma, entre os anos 7 e 6 a.C.

O sistema de Dionísio foi adotado muito lentamente. Podemos dizer que só se difundiu realmente no século IX d.C. (no tempo de Carlos Magno). Hoje, os historiadores concordam em considerar que Cristo nasceu cinco ou seis anos antes do que dizem os cálculos do monge; portanto, o nosso milênio terminou antes que nos déssemos conta.

O 25 de dezembro transformou-se, então, no dia em que começava o ano. A Igreja acolheu esta data com alegria, pois o dia de Natal sobrepunha-se, assim, às celebrações do solstício de inverno e à festa de Mitra, deus da luz, que os antigos festejavam justamente no dia 25 de dezembro.

A datação do nascimento de Cristo impôs-se em todo o mundo, independentemente da religião praticada. Para os muçulmanos, o ano de 622, teoricamente o primeiro dia de sua era, foi substituído pela contagem à maneira ocidental.

Todos os nossos "quando?" são ligados, portanto, ao cálculo - errado - de um monge medieval.

FRUGONI, Chiara. Invenções da Idade Média: óculos, livros, bancos, botões e outras inovações geniais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. p. 50-51.

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