Homem primitivo (sentado na sombra), Odilon Redon
Com a descoberta e a exploração das Américas pelos europeus, filósofos, autoridades políticas, teólogos e cientistas conheceram uma realidade de contrastes espantosos da condição humana no planeta. Com as grandes navegações do século XVI, pela primeira vez na história da humanidade, determinada cultura - a civilização ocidental - teve contato com culturas humanas espalhadas por todo o globo, fato até então inédito.
No período conhecido como Iluminismo (século XVIII), surgiram as primeiras tentativas sistemáticas para explicar as diferenças culturais. A ideia central era a noção de progresso. Acreditava-se que a humanidade havia passado por um estágio não civilizado: sem leis, governos, agricultura ou qualquer conhecimento técnico. Gradualmente, no entanto, guiada pela razão, evoluiu do estado natural para o estado civilizado iluminista. As diferenças culturais eram atribuídas aos diversos estágios de progresso moral e intelectual dos povos.
No século XIX, a ideia de progresso cultural ganhou impulso com as profundas transformações da sociedade industrial. Augusto Comte postulou um progresso em que o pensamento teológico cedia lugar ao pensamento científico. Hegel via o movimento de um passado onde só havia um homem livre (despotismo oriental), passando por um estágio intermediário onde poucos homens podiam exercer a liberdade (cidades-Estados da Grécia), até o estágio final onde todos os homens eram livres (monarquias constitucionais e democracias modernas). Um dos modelos mais influentes foi o de Morgan, que dividiu a evolução cultural em estágios - selvagem, barbárie e civilização -, detalhando minuciosamente a passagem de um para outro em estudos etnográficos.
Após a publicação de A Origem das Espécies, de Charles Darwin, surgiu o social-darwinismo, movimento que acreditava ser o progresso biológico e cultural dependente da competição das espécies pela sobrevivência. Assim: espécie contra espécie, indivíduo contra indivíduo, nação contra nação e raça contra raça lutam pela existência segundo a lei da sobrevivência dos mais fortes, que mantém o êxito reprodutivo.
Adepto ardoroso desta visão, Herbert Spencer usou a teoria evolucionista darwinista para justificar o sistema de livre iniciativa capitalista e a superioridade racial do homem branco.
Também o pensamento marxista, embora diametralmente oposto ao socialdarwinismo, foi fortemente influenciado pela noção de progresso do século XIX. Marx e Engels avaliavam as culturas por meio de estágios progressivos: comunismo primitivo, escravismo, feudalismo, capitalismo e comunismo. Morgan, cuja teoria serviu de base para o livro de F. Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, tornou-se um dos pilares da antropologia marxista. Ele sustentava que no primeiro estágio da evolução cultural não havia propriedade privada e que nos estágios seguintes, o progresso surgira com as transformações nos modos de produção, transformações determinadas pela luta de classes visando ao controle dos meios de produção.
No século XX, os antropólogos se dividiram em diversas correntes de pensamento, criticando tanto os esquemas social-darwinistas como o pensamento marxista. Sem encampar nenhuma das correntes, há conceitos de uma e de outra que devem ser considerados para uma compreensão ampla do processo de evolução cultural.
* Particularismo histórico. Para Franz Boas, antropólogo americano do início do século, todas as tentativas de esquematizar estágios ou determinar leis para a evolução cultural são infrutíferas. Segundo ele, cada cultura possui sua própria história e é única. Sustenta o relativismo cultural, em que não há formas culturais superiores ou inferiores e os conceitos de selvageria, barbárie e civilização são etnocêntricos, refletindo a preocupação de cada povo em afirmar que seu próprio meio de vida é melhor que os demais. Uma das mais importantes contribuições de Boas é a demonstração de que raça, linguagem e cultura são inerentes à condição humana e, desde que entre povos de mesma raça se encontram culturas e línguas distintas, não há base de sustentação para os argumentos socialdarwinistas.
* Difusionismo. Surgiu como reação ao evolucionismo do século XIX e sustenta que a maior fonte de semelhanças e diferenças culturais observadas não são fruto apenas da criatividade humana, mas do fato de que humanos imitam outros humanos. O difusionismo teve e tem importante papel na transformação das culturas humanas, mas não se pode generalizar sua importância ao ponto de sustentar, por exemplo, como muitos difusionistas, que os egípcios influenciaram a arquitetura e práticas religiosas das civilizações astecas e incas da América.
* Novo evolucionismo. Após a Segunda Guerra Mundial, muitos antropólogos estavam céticos quanto ao antievolucionismo e às generalizações das diversas correntes de pensamento. Retomaram os trabalhos de Morgan, corrigiram e ampliaram suas observações etnográficas e postularam que a evolução cultural dependia largamente da quantidade de energia que se poderia obter do meio ambiente. Por volta de 1950, Julian Stewart lançou as bases da teoria conhecida como ecologia cultural, que explica tanto as particularidades como as semelhanças interculturais pela interação das condições de vegetação, solo, pluviométricas etc. com os fatores econômicos e tecnológicos.
* Materialismo cultural. Revendo a teoria de Marx e do materialismo dialético e com base nos trabalhos de ecologia cultural, o materialismo cultural sustenta que a antropologia deve explicar as semelhanças e diferenças culturais a partir das contradições materiais a que está sujeita a existência humana. Essas contradições surgem da necessidade de produzir alimento, vestuário, ferramentas, máquinas para a reprodução humana nos limites impostos pela biologia, pelo ambiente, e sobretudo pelas relações de dominação vigentes.
* Estruturalismo. Surgido na França durante os anos 60 sob a liderança do antropólogo Claude Lévi-Strauss, o estruturalismo se ocupa das semelhanças psicológicas por trás das aparentes divergências de pensamento e comportamento. Para ele, essas semelhanças surgem da estrutura do cérebro humano e do processo inconsciente de elaboração do pensamento. Defende que uma das estruturas básicas da mente humana é a tendência à dicotomização, ou seja, pensar em termos oposições binárias.
GUGLIELMO, Antonio Roberto. A Pré-História: uma abordagem ecológica. São Paulo: Brasiliense, 2008. p. 53-57.
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