Ilustração medieval que retrata clérigos sodomitas.
Para os antigos, o homoerotismo não constitui um problema. Eles pensam segundo conceitos que não são os sexuais, a saber, a liberdade, a atividade, a condição social: a homofilia ativa aparece tanto nos textos gregos como nos romanos. Durante a Alta Idade Média, o homoerotismo não foi condenado nem reprimido com dureza, ao contrário do que afirmaram outrora os historiadores. Com o renascimento carolíngio, o ímpeto de crescimento das cidades e o desenvolvimento da cultura eclesiástica, ele teria conhecido, entre os séculos XI e XII, uma expansão apenas comparável à de nossa época.
É bastante evidente que os meios monástico e cavalheiresco - os guerreiros vivem com muita frequência longe dos quartos das damas, e mesmo quando procuram compensações fora do lar - constituem terrenos propícios para a homossexualidade. Mesmo tomando conhecimento, com espanto, de que alguns monges praticam a sodomia, Carlos Magno não publica nenhum texto reprimindo o homoerotismo. Entretanto, um édito aconselha padres e bispos a suprimir esse comportamento sexual, sem indicar nenhuma sanção. Na mesma época, o homoerotismo se desenvolve nas cidades da Espanha onde são recenseadas todas as categorias de relações sexuais, da prostituição ao amor espiritual. A poesia hispano-árabe tem numerosos poemas eróticos celebrando relações homossexuais.
Alguns muçulmanos têm, inclusive, cristãos como amantes, como é o caso do soberano do reino de Sarogoça, no século XI, que se apaixona por seu pajem cristão. O homoerotismo se propaga com o renascimento das cidades, como atesta um grande número de escritos de clérigos fazendo alusão a sentimentos que às vezes permanecem no plano espiritual, mas também podem se concretizar de modo carnal.
Por volta de 1051, são Pedro Damião compõe O livro de Gomorra em que descreve detalhadamente vários tipos de relações homossexuais. Ele acusa alguns padres de serem homossexuais e se confessarem uns com os outros para evitar que fossem descobertos e para ter penitências mais leves. O papa Leão IX recusa-se, porém, a acatar seu pedido, qual seja, o de excluí-los da Igreja. O homoerotismo, aliás, não impede as promoções. Yves de Chartres assinala ao enviado do papa e, depois, ao próprio papa, que o arcebispo de Tours, Raul, persuadiu Felipe I a nomear um certo João como bispo de Orléans. Ora, trata-se de um amante do arcebispo.
Por ocasião da reforma gregoriana, que impõe o celibato aos padres, os contemporâneos observam que os padres homossexuais são mais ardorosos que os heterossexuais no seu cumprimento.
O homoerotismo não é exclusividade dos clérigos. Georges Duby, em sua obra sobre Guilherme, o Marechal - que estudou a partir de um texto em versos escrito por volta de 1230 narrando a história de um valoroso cavaleiro morto em 1219 - mostra bem o lugar do amor no universo cavalheiresco:
"Assim, tudo neste caso gira em torno do amor, mas não nos equivoquemos em torno do amor de homens entre si. Este já não nos espanta. Começamos a descobrir que o amor, aquele que cantavam, depois dos trovadores, os trouvères, o amor que o cavaleiro devota à dama, mascara talvez o essencial, ou melhor, projetava a imagem invertida do essencial dos intercâmbios amorosos entre guerreiros".
É preciso se perguntar, porém, se esse amor implica relações carnais. Para Yannick Carré, tudo indica que o amor masculino medieval constitui uma forma original de amor verdadeiro que o mundo atual não conhece mais. Os ritos de amizade, como beijar e compartilhar o leito, permitem a esse amor exprimir-se livremente quando ele é carnal. O homoerotismo está disseminado nos diversos países do Ocidente cristão como também nos países escandinavos, e inclusive na Terra Santa.
Uma literatura gay ressurge entre 1050 e 1150. A maioria de seus autores são eclesiásticos de posição elevada como Baudri, abade de Saint-Pierre de Bourgueil, depois arcebispo de Dol-de-Bretagne, ou Marbode, bispo de Rennes.
No começo do século XIV, o rei da Inglaterra, Eduardo II (1284-1327), marido de Isabel da França, que lhe deu muitos filhos, é reconhecido como um notório homossexual. Seu primeiro amante, um certo Piers Gaveston, que fora exilado pelo rei Eduardo I, é chamado de volta tão logo ele sobe ao trono; mas é novamente exilado pelo Parlamento antes de ser assassinado. Depois disso, Eduardo mantêm relações com Hugues, o despenseiro. Mas os dois amantes perecem de maneira trágica. Froissart relata que os órgãos genitais de Hugues são cortados e queimados publicamente antes de sua decapitação. Quanto a Eduardo, ele sofre um suplício bárbaro: introduzem-lhe no ânus um ferro em brasa.
Sodomitas queimados na fogueira. Ilustração medieval. Artista desconhecido.
Uma nova época se inicia. À tolerância, sucede a repressão. Todavia, essa regressão não põe fim ao homoerotismo. Além disso, para frear este último, a prostituição é encorajada em alguns casos. Assim foi na cidade de Florença, no início do século XV. Embora se encontrem homossexuais tanto em Nápoles quanto em Veneza ou Gênova, os sermões de pregadores toscanos como Bernardino de Siena, por volta de 1320, certas passagens de Dante em O inferno, as medidas repressivas tomadas pelas autoridades nos séculos XIV e XV mostram que as cidades toscanas, e Florença particularmente, são seus principais centros.
Desfaz-se, assim, a visão de uma Idade Média preocupada, sobretudo, em obedecer prescrições da Igreja.
Jean Verdon. Os bordéis, casas das mais toleradas. In: Revista História Viva. São Paulo: Duetto. ano 1, n. 5, mar/2004, p. 44-45.
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