Desempregado, (1934) - George Grosz
Os pressupostos do Iluminismo, já erodindo nas décadas anteriores à I Guerra Mundial, pareciam à beira do colapso após 1918 - outra baixa provocada pela guerra de trincheiras. A difícil situação econômica, sobretudo durante a depressão, também causou profunda desorientação na mente europeia. Os ocidentais não possuíam uma estrutura de referência, uma perspectiva comum para compreender a si mesmos, sua época ou o passado. Os valores essenciais da civilização ocidental - a auto-suficiência da razão, a inviolabilidade do indivíduo e a existência de padrões objetivos - não pareciam mais servir de inspiração nem de elo de ligação.
A crise de consciência evocou diversas nações. Alguns intelectuais, perdendo a fé no significado essencial da civilização ocidental, voltaram-lhe as costas ou procuraram refúgio em sua arte. Outros buscaram uma nova esperança na experiência soviética ou no fascismo. Outros ainda reafirmaram a tradição humanista racional do Iluminismo. Rechaçados pelo secularismo, pelo materialismo e pelo desenraizamento da era moderna, os pensadores cristãos convocavam os ocidentais a encontrar novo significado e propósito em sua religião ancestral. O movimento filosófico denominado existencialismo, que ganhou destaque após a II Guerra Mundial, aspirava a uma vida autêntica num mundo destituído de valores universais.
Após a I Guerra Mundial, os europeus passaram a olhar de maneira diferente para si mesmos e sua civilização. Parecia que na ciência e na tecnologia haviam desencadeado forças que não podiam controlar, e a crença na estabilidade e segurança da civilização europeia revelou-se como uma ilusão. Também ilusória era a expectativa de que a razão baniria os indícios remanescentes de escuridão, ignorância e injustiça, e anunciaria uma era de progresso incessante. Os intelectuais europeus sentiam que estavam vivendo num "mundo falido". Numa era de extrema brutalidade e irracionalidade ativa, os valores da velha Europa pareciam irrecuperáveis. "Todas as grandes palavras", escreveu D. H. Lawrence, "foram invalidadas para esta geração." As fissuras que se discerniam na civilização europeia antes de 1914 haviam se tornado maiores e mais profundas. É evidente que havia também os otimistas - aqueles que encontraram motivo para esperança na Sociedade das Nações, no abrandamento das tensões internacionais e na melhoria das condições econômicas em meados da década de 1920. Entretanto, a Grande Depressão e o triunfo do totalitarismo intensificaram os sentimentos de dúvida e desilusão.
Depois da I Guerra Mundial, as manifestações de pessimismo tornaram-se abundantes. Em 1919, Paul Valéry declarou: "Nós, as civilizações modernas, aprendemos a reconhecer que somos tão mortais quanto as outras. Percebemos que uma civilização é tão frágil quanto a vida." "Vivemos hoje sob o estigma do colapso da civilização", afirmou o humanitarista Albert Schweitzer em 1923. O filósofo alemão Karl Jaspers observou em 1932 que "há uma consciência cada vez maior da ruína iminente, semelhante a um medo do fim próximo de tudo aquilo que faz a vida valer a pena".
Terra devastada (1922) de T. S. Eliot também transmite um sentimento agourento. Em sua imagem de uma civilização europeia agonizante, Eliot cria um cenário macabro. Hordas encapuzadas de bárbaros modernos enxameiam as planícies e devastam as cidades. Jerusalém, Atenas, Alexandria, Viena e Londres - cada um dos grandes centros espirituais ou culturais de outrora - são agora "torres desabando". Em meio a essa destruição, ouve-se "alto no ar/O murmúrio do lamento materno".
O psicólogo suíço Carl Gustav Jung declarou em O homem moderno em busca de uma alma (1933):
Acredito não estar exagerando quando digo que o homem moderno sofreu, psicologicamente falando, um choque quase fatal, em razão do qual caiu em profunda incerteza [...] A revolução em nossa perspectiva consciente, produzida pelos resultados catastróficos da Guerra Mundial, evidencia-se em nossa vida interior pela destruição de nossa fé em nós mesmos e em nosso próprio valor [...] Percebo perfeitamente bem que estou perdendo a fé na possibilidade de uma organização racional do mundo; o velho sonho do milênio, no qual reinariam a paz e a harmonia, ofuscou-se.
Em 1936, o historiador holandês Johan Huizinga escreveu num capítulo intitulado "Apprehension of Doom" (Medo do Juízo):
Vivemos num mundo demente. E sabemos disso [...] Em todo lugar há dúvidas quanto à solidez de nossa estrutura social, temores vagos quanto ao futuro iminente, um sentimento de que nossa civilização está a caminho da ruína [...] quase todas as coisas que outrora pareciam sagradas e imutáveis tornaram-se agora incertas, verdade e humanidade, justiça e razão [...] A sensação de viver em meio a uma violenta crise da civilização, ameaçando ao colapso completo, difundiu-se por toda parte.
A mais influente expressão desse pessimismo foi A decadência do Ocidente, de Oswald Spengler. O primeiro volume foi publicado em julho de 1918, quando a Grande Guerra aproximava-se do fim, e o segundo em 1922. A obra conquistou notoriedade imediata, particularmente na Alemanha, terra natal de Spengler, arruinada pela derrota. Spengler via a história como um conjunto de muitas culturas diferentes que, como organismos vivos, experimentavam nascimento, juventude, maturidade e morte. O que mais preocupava os contemporâneos era a insistência de Spengler em que a civilização ocidental ingressava em seu estágio final e sua morte não poderia ser evitada.
Para o já conturbado mundo ocidental, Spengler não oferecia nenhum conforto. O Ocidente, como outras culturas e qualquer ser vivo, está destinado a morrer; seu declínio é irreversível, sua morte inevitável, e os sintomas de degeneração já são evidentes. O sombrio prognóstico de Spengler deu força aos fascistas, que afirmavam estar criando uma nova civilização sobre as ruínas da agonizante civilização europeia.
O pessimismo do pós-guerra não impediu escritores e artistas de dar continuidade às inovações culturais iniciadas antes da guerra. Nas obras de D. H. Lawrence, Marcel Proust, André Gide, James Joyce, Franz Kafka, T. S. Eliot e Thomas Mann, o movimento modernista alcançou magnífico florescimento. De maneira geral, esses escritores deram expressão às aflições e incertezas do período pós-guerra.
Franz Kafka [...] compreendeu o dilema da era moderna melhor talvez que qualquer outro romancista de sua geração. No mundo kafkaniano, os seres humanos estão presos numa teia burocrática que não podem controlar. Vivem numa sociedade de pesadelo, dominada por oficiais opressivos, cruéis e corruptos e algozes amorais [...] Em O processo (1925) [...] o herói é preso sem saber por quê e acaba sendo executado [...] Kafka revelou-se um profeta do emergente Estado totalitário. [...]
Kafka expressou os sentimentos de alienação e isolamento que caracterizam o indivíduo moderno; explorou os temores e absurdos da vida, sem oferecer nenhuma solução nem consolo. Nas palavras de Kafka, as pessoas são derrotadas e não conseguem compreender as forças irracionais que contribuem para sua destruição. [...]
[...]
Em 1931, dois anos antes de Hitler tomar o poder, Mann, num artigo intitulado "Um apelo à razão", descreveu o nazismo e seu nacionalismo radical como uma rejeição da tradição racional do Ocidente e uma regressão a modos de comportamento primitivos e bárbaros. O nazismo, escreveu ele, "distingue-se por [...] sua absoluta falta de restrição, por seu caráter orgiástico, radicalmente anti-humano e freneticamente dinâmico [...] Tudo é possível, tudo é permitido enquanto arma contra a decência humana [...] O fanatismo converte-se num meio de salvação [...] a política torna-se um ópio para as massas [...] e a nação encobre seu rosto".
Abalados com a I Guerra Mundial, descontentes com a força cada vez maior do fascismo, e comovidos com o sofrimento ocasionado pela depressão, muitos escritores aderiram a causas sociais e políticas. O livro Nada de novo no front ocidental (1929), de Erich Maria Remarque, foi um dos muitos romances antiguerras. The Road to Wigan Pier (1937), de George Orwell, relatou a vida melancólica dos mineiros de carvão ingleses. Em As vinhas da ira (1939), John Steinbeck captou a angústia dos fazendeiros norte-americanos expulsos de sua terra por causa do dust bowl e da execução de hipotecas durante a depressão. Poucas questões agitaram a consciência dos intelectuais quanto à Guerra Civil espanhola, e muitos deles apresentaram-se como voluntários para lutar ao lado dos republicanos espanhóis contra os fascistas. A obra Por quem os sinos dobram (1940), de Ernest Hemingway, expressou os sentimentos desses pensadores.
As novas tendências seguidas pela arte antes da I Guerra Mundial - a abstracionismo e o expressionismo - prosseguiram nas décadas pós-guerra. Picasso, Mondrian, Kandinsky, Matisse, Rouault, Braque, Modigliani e outros mestres continuaram a aperfeiçoar seus estilos. Além disso surgiram novas correntes artísticas, espelhando o trauma de uma geração que tinha passado pela experiência da guerra e perdido a fé nos valores morais e intelectuais da Europa.
Em 1915, na cidade de Zurique, artistas e escritores fundaram o movimento dadaísta, para manifestar seu repúdio à guerra e à civilização que a produzira. Partindo da neutra Suíça, o movimento difundiu-se para a Alemanha e Paris. O dadaísmo compartilhava o estado de ânimo de desorientação e desespero predominante no pós-guerra. Os dadaístas consideravam a vida essencialmente absurda (Dada é um termo absurdo) e cultivavam a indiferença. "Os anos da vida não têm começo nem fim. Tudo acontece de maneira completamente estúpida", afirmou o poeta Tristan Tzara, um dos fundadores do movimento e seu principal porta-voz. Os dadaístas demonstravam desprezo pelos padrões artísticos e literários e rejeitavam tanto a Deus quanto à razão. "Através da razão, o homem torna-se uma figura trágica e hedionda", disse um dadaísta; "a beleza está morta", disse outro. [...]
[...]
O dadaísmo terminou como movimento em 1924, sendo substituído pelo surrealismo. Os surrealistas herdaram dos dadaístas o desprezo pela razão; ressaltavam a fantasia e em sua arte recorreram aos insights e símbolos freudianos para reproduzir o estado bruto do inconsciente e chegar a verdades que a razão não pode apreender. Em sua tentativa de romper com os impedimentos da racionalidade a fim de alcançar uma realidade superior - ou seja, uma "surrealidade" -, os principais surrealistas, tais como Max Ernst (1891-1976), Salvador Dali (1904-1989) e Joan Miró (1893-1983), produziram obras de inegável mérito artístico.
Como os escritores, os artistas demonstravam uma consciência social. George Grosz combinou o sentimento dadaísta da ausência de significado da vida com um novo realismo, para retratar a degeneração moral da sociedade classe média da Alemanha. Em After the Questioning (1935), Grosz, vivendo então nos Estados Unidos, dramatizou a brutalidade nazista; em O fim do mundo (1936), expressou seu medo de outra guerra mundial iminente. Käthe Kollwitz, também um artista alemão, revelou profunda compaixão pelos sofredores: os desempregados, famintos, doentes e politicamente oprimidos. [...]
Em suas gravuras de soldados mutilados, agonizantes e mortos, o artista alemão Otto Dix fez uma poderosa denúncia visual da crueldade e do sofrimento da Grande Guerra. [...] Em Guernica (1937), Picasso imortalizou o vilarejo espanhol dizimado por bombardeios durante a guerra civil. Em White Crucifixion (1938), Marc Chagall, pintor russo [...] que se estabelecera em Paris, retratou o terror e a fuga dos judeus da Alemanha nazista.
PERRY, Marvin. Civilização Ocidental: uma História concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 587-593.
As novas tendências seguidas pela arte antes da I Guerra Mundial - a abstracionismo e o expressionismo - prosseguiram nas décadas pós-guerra. Picasso, Mondrian, Kandinsky, Matisse, Rouault, Braque, Modigliani e outros mestres continuaram a aperfeiçoar seus estilos. Além disso surgiram novas correntes artísticas, espelhando o trauma de uma geração que tinha passado pela experiência da guerra e perdido a fé nos valores morais e intelectuais da Europa.
Em 1915, na cidade de Zurique, artistas e escritores fundaram o movimento dadaísta, para manifestar seu repúdio à guerra e à civilização que a produzira. Partindo da neutra Suíça, o movimento difundiu-se para a Alemanha e Paris. O dadaísmo compartilhava o estado de ânimo de desorientação e desespero predominante no pós-guerra. Os dadaístas consideravam a vida essencialmente absurda (Dada é um termo absurdo) e cultivavam a indiferença. "Os anos da vida não têm começo nem fim. Tudo acontece de maneira completamente estúpida", afirmou o poeta Tristan Tzara, um dos fundadores do movimento e seu principal porta-voz. Os dadaístas demonstravam desprezo pelos padrões artísticos e literários e rejeitavam tanto a Deus quanto à razão. "Através da razão, o homem torna-se uma figura trágica e hedionda", disse um dadaísta; "a beleza está morta", disse outro. [...]
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O dadaísmo terminou como movimento em 1924, sendo substituído pelo surrealismo. Os surrealistas herdaram dos dadaístas o desprezo pela razão; ressaltavam a fantasia e em sua arte recorreram aos insights e símbolos freudianos para reproduzir o estado bruto do inconsciente e chegar a verdades que a razão não pode apreender. Em sua tentativa de romper com os impedimentos da racionalidade a fim de alcançar uma realidade superior - ou seja, uma "surrealidade" -, os principais surrealistas, tais como Max Ernst (1891-1976), Salvador Dali (1904-1989) e Joan Miró (1893-1983), produziram obras de inegável mérito artístico.
Como os escritores, os artistas demonstravam uma consciência social. George Grosz combinou o sentimento dadaísta da ausência de significado da vida com um novo realismo, para retratar a degeneração moral da sociedade classe média da Alemanha. Em After the Questioning (1935), Grosz, vivendo então nos Estados Unidos, dramatizou a brutalidade nazista; em O fim do mundo (1936), expressou seu medo de outra guerra mundial iminente. Käthe Kollwitz, também um artista alemão, revelou profunda compaixão pelos sofredores: os desempregados, famintos, doentes e politicamente oprimidos. [...]
Em suas gravuras de soldados mutilados, agonizantes e mortos, o artista alemão Otto Dix fez uma poderosa denúncia visual da crueldade e do sofrimento da Grande Guerra. [...] Em Guernica (1937), Picasso imortalizou o vilarejo espanhol dizimado por bombardeios durante a guerra civil. Em White Crucifixion (1938), Marc Chagall, pintor russo [...] que se estabelecera em Paris, retratou o terror e a fuga dos judeus da Alemanha nazista.
PERRY, Marvin. Civilização Ocidental: uma História concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 587-593.
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