Família Pobre em Casa, Jean Baptiste Debret. A viúva desvalida, sua filha e a
única escrava velha que restou da ruína da família, encontram-se num interior
modesto. Esteiras e redes são os únicos móveis de descanso a vista. No segundo plano a cozinha, com as
"três pedras que servem de fogão".
Se você está pensando que iremos estudar os bandidos, ladrões e criminosos em geral, no Império, enganou-se completamente!
O título acima refere-se aos indivíduos ou grupos sociais que viveram à margem do poder, afastados do direito de tomar decisões políticas.
Como hoje, os marginalizados eram os indivíduos pobres, fossem brancos, mestiços, índios ou negros, constituindo a maioria da sociedade brasileira. Contudo, não precisava ser pobre para não ter direito ao poder político (não esqueça que o voto era censitário): a discriminação não afetava apenas as classes dominadas, mas levava em conta, por exemplo, também a raça ou sexo. Isso mesmo! Havia o racismo contra os não-brancos e a segregação da mulher.
Mendiga, Almeida Junior
Saiba que a palavra segregação significa separação, discriminação.
Como a mulher, rica ou pobre, era segregada na sociedade brasileira do século XIX?
"A reclusão das mulheres, tradicional na família portuguesa, tornou-se muito mais rigorosa no Brasil pela escassez de mulheres brancas, dissolução dos costumes e dispersão geográfica da população [...]; sua função era dirigir a casa, principalmente a cozinha, e gerar filho [...] As mulheres brancas não saíam de dia, a não ser para ir à igreja; tinham de andar em fila, de olhos baixos."
Então? Você acha que a mulher, mesmo sendo branca, tinha alguma expressão política? Claro que não! A situação das mulheres nos dias de hoje de certa forma melhorou devido à luta que vem sendo travada a favor de uma sociedade igual para todos.
Se a mulher branca era tão marginalizada, pior ainda era a situação das mestiças, negras e índias. Os filhos dos senhores de terras, por exemplo, iniciavam seu aprendizado sexual com as escravas. As mulheres pobres muitas vezes eram levadas ao caminho da prostituição.
Mulher negra, Almeida Junior
Veja outro depoimento a respeito da vida das mulheres naquela época:
"As meninas não tinham adolescência; casavam-se muito cedo, a partir de 11 ou 12 anos, com homens muito mais idosos, e quase sempre rudes. Morriam, muitas, de parto. A incapacidade das meninas de amamentarem tornava obrigatória a ama-de-leite preta. Não eram raras as mulheres com 12 ou 15 filhos, sem contar os mortos."
Isso levava ao envelhecimento precoce, não só devido à quantidade de filhos, como também pela falta de qualquer exercício físico.
Observou como a mulher era dominada pelo homem, a quem servia de objeto reprodutor e de prazer sexual? Essa dominação social do homem sobre a mulher era a complementação de um poder político econômico restrito ao sexo masculino e negado às mulheres.
Caso você tenha esquecido, as mulheres não eram os únicos seres marginalizados na sociedade: lembre-se que índios e negros não tinham a mínima possibilidade de ascensão social, igualmente difícil aos mestiços.
Juridicamente, os escravos negros eram considerados como simples mercadorias e, como tal, poderiam ser propriedade de alguém. Até mesmo os sacerdotes, que, segundo a Teologia, defendiam que os negros escravos eram seres humanos, na prática, os tratavam como artigos que poderiam ser comprados ou vendidos.
"É sintomático nesse sentido fazer-se uma consulta aos livros de receitas e despesas dos conventos de então. Os escravos negros comprados ou vendidos figuram ao lado das compras e vendas de carne, peixe, sabão, farinha, cavalo e bois..."
Depois disso, resta alguma dúvida de que os escravos eram marginalizados?
E quanto aos índios?
Você deve saber dos conflitos entre índios e "civilizados". Os índios, hoje, lutam pela demarcação de suas terras, mas os interesses "superiores" da Civilização continuam a prevalecer: o resultado é a crescente redução das reservas dos índios. Esse problema é antigo, assim como a dizimação criminosa da população indígena.
A legislação indigenista no Segundo Reinado deu origem à atual visão do governo em relação ao índio: de um lado, "civilizados", de outro, "selvagens". A mentalidade paternalista das autoridades brasileiras considera que o problema do índio deve ser resolvido sem a participação dos principais interessados: os índios.
No Segundo Reinado, como nos dias atuais, sempre se achou uma brecha na legislação destinada a proteger o índio. Havia um "dispositivo da conveniência de remoção das aldeias de índios por razões econômicas." E quem decidia a conveniência ou não da remoção? O branco!
Outro dispositivo desagregador das comunidades indígenas era o que "permitia o recrutamento dos índios para as obras públicas." Essas, na maioria, eram realizadas por particulares, que escravizavam os índios durante o tempo que julgassem necessário.
Será que o índio participava das decisões políticas da sociedade? De jeito algum!
Hoje, a luta das populações indígenas continua, sobretudo, pelo direito fundamental de sobrevivência contra a agressão criminosa dos fazendeiros e das empresas nacionais e estrangeiras, agindo, em geral, com a vergonhosa complacência da maioria das autoridades.
Finalmente, englobando boa parte da população, encontrava-se a outra categoria dos marginalizados: os grupos socioeconômicos das camadas populares e a maior parcela dos setores intermediários.
Mendigo da Tabatingüera, Almeida Junior
Toda essa gente não tinha participação na direção política do Estado brasileiro, embora alguns grupos até desfrutassem de uma certa posição social e econômica confortável.
A regra geral era a alienação da sociedade: a minoria dirigente conscientemente afastava a maioria do poder de decisão. Essa alienação tornava-se mais fácil de ser aplicada por causa do elevado número de analfabetos.
Esse problema continua a existir nos dias atuais.
Por quê?
Porque há íntima relação entre educação e consciência política. Na medida em que você, como milhares de jovens brasileiros, começar a se educar, crescerá sua consciência da realidade brasileira.
Acontece que tal coisa assusta a muitos políticos!
Você acredita que estamos exagerando?
Saiba, então, que no Segundo Reinado "dentre 1.902.454 crianças livres, entre 6 e 15 anos, apenas 172.802 frequentavam as 5.267 escolas públicas subvencionadas e particulares" existentes no Império. Se você já tiver aprendido cálculos de proporção, verá que tais números correspondem a menos de um décimo do total!
"No Município Neutro (o atual Município do Rio de Janeiro), a frequência escolar era de 14.257 crianças em sua população."
Todos esses números referem-se aos anos de 1877 e 1888, quando diversos decretos-leis já haviam determinado reformas no ensino primário, secundário e superior.
As escolas existentes, no entanto, continuavam a preparar não para a vida, mas para as profissões liberais.
AQUINO, Rubim Santos Leão de; LISBOA, Ronaldo César. Fazendo a História: a Europa e as Américas do século XVIII ao início do século XX. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996. p. 174-177.
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