Os araucanos estavam longe do elevado nível da civilização incaica, mas, talvez por isso mesmo [...] negaram-se tenazmente à dominação. Incorporaram o cavalo e o utilizaram melhor que seus inimigos. Na montaria, fizeram uma sela mais leve que a espanhola; protegeram os flancos do animal com couro e eliminaram os estribos de ferro. Quando atacavam, usavam instrumentos de sopro - como trombetas - feitos com as tíbias dos espanhóis ou de índios que colaboravam com estes, produzindo um sinistro e triste som que apavorava os europeus. Criaram uma infantaria montada, na época uma verdadeira inovação na arte bélica. Cada cavaleiro conduzia na anca do seu animal um arqueiro ou lanceiro que, no momento oportuno, desmontava e lutava a pé, voltando a montar quando preciso. Sua habilidade e destreza foram unanimemente reconhecidas e admiradas, principalmente pela capacidade criativa de inventar artifícios. Construíram fossos - verdadeiras armadilhas - dissimulados com arbustos espinhosos. Fizeram fortes, escavaram trincheiras com pedras pontiagudas, protegeram-se com verdadeiras armaduras de couro, pintavam seus rostos com cores que impressionavam os conquistadores. No cerco ao forte Arauco, em 1563, juntaram grande quantidade de palha e ramos, colocaram-nos em volta do forte e atearam fogo, tentando sufocar os que se encontravam no seu interior com o calor e a fumaça. Simultaneamente, cortaram os canais que levavam água ao forte e, conseguiram secar um poço no seu interior, cavando outro do lado de fora, mais profundo, fazendo com que a água corresse para este. Para privar os espanhóis da água, jogaram cadáveres e ervas venenosas nos poços e vertentes.
Relata um cronista que a quantidade de flechas atiradas no interior do forte foi tão grande que durante 15 dias foram utilizadas como lenha, para cozinhar a comida da tropa. Mas, como sobraram muitas, os soldados se entretinham contando-as e chegaram à extraordinária cifra de 160.000.
Exagero? É o mais provável. Mas indica o respeito e a admiração que os espanhóis votaram a esses engenhosos, bravios e indomáveis guerreiros. O cronista - Mariño de Lovera - acrescenta ainda que, graças aos fossos escavados em torno do forte, as balas dos alcabuzes e da própria artilharia foram ineficazes.
Em 1580, os araucanos surpreenderam o acampamento de Lorenzo Bernal de Mercado, e cercaram os locais onde havia fogo para impedir que os brancos acendessem as mechas dos seus arcabuzes. Em 1600, em novo assalto as forte Arauco, usaram grande quantidade de escadas para escalar os muros e os telhados da fortaleza. Mais de 400 deles conseguiram penetrar no forte, guiados por um mestiço de Quito, autor da ideia e que encabeçou o assalto. No ataque ao forte Boroa (1606), reuniram três mil infantes de elite e 600 cavaleiros, todos esplendidamente vestidos com penachos e roupas roubadas nas cidades de Imperial, Valdívia e Villarica. Muitos luziram, junto às armas de aço, roupas sacerdotais, hábitos de clérigos.
Ainda que desconhecessem os venenos usados, por exemplo, pelos caribes, que embebiam suas flechas tornando-as uma arma temível, os araucanos usavam a seiva do coligue (planta típica do Chile) que provocava inflamações nas feridas e, às vezes, a morte.
Como os espanhóis devastavam habitualmente as plantações e colheitas dos nativos, esses acabaram plantando em lugares recônditos, inacessíveis. Em grutas, organizaram depósitos de alimentos para não serem derrotados pela fome. E, obviamente, pagaram com a mesma moeda, devastando plantações às vésperas da colheita.
Quando compreenderam que os arcabuzes não eram o raio do céu - e isto foi compreendido logo - aprenderam a manejá-los, talvez ensinados por índios e mestiços desertores das tropas europeias. O citado cronista Mariño de Lovera diz que em 1599 a infantaria araucana usa a arma de fogo, pólvora e munições obtidas de seus inimigos derrotados. Um mestiço chamado Prieto elabora um plano que os conquistadores acham "diabólico": fabrica pólvora. Conseguira que os índios extraíssem enxofre dos vulcões Llaima e Villarica; em fornos especialmente preparados fabricaram carvão e acumularam salitre. Os espanhóis conseguiram convencer Prieto a não levar adiante seus planos - com a promessa de salvar a vida - e assim evitaram dores de cabeça mais graves do que as que já tinham.
Os índios araucanos dominaram a técnica do arcabuz a tal ponto, que em uma emboscada preparada em 1606 a um destacamento do forte Imperial mataram tranquilamente todos seus inimigos, pois sabiam que as armas destes estavam sem mecha. Foram mestres nas táticas de hostilizar o inimigo. Marchando paralelamente às tropas inimigas - que usualmente se deslocavam pelos vales - atiravam do alto das montanhas, rochas e troncos de árvores, dificultando a marcha e, por vezes, detendo-a. Sabiam que contavam com total impunidade, pois tinham aprendido a conhecer perfeitamente a distância máxima alcançada por uma bala do arcabuz. Chegaram ao ponto de enfrentar os espanhóis avançando em saltos, desconcertando a pontaria dos atiradores e colocando-se de tal maneira que a luz do sol dificultasse a visão dos soldados para atirar. Escolhiam, admiravelmente, o terreno para as batalhas, fazendo com que seus corpos não ficassem expostos à mira do inimigo.
De um tipo de guerra primitiva nos momentos iniciais do ataque europeu, os araucanos evoluíram para táticas altamente sofisticadas, com chefes e oficiais no comando, seguindo o próprio exemplo europeu. Isso lhes permitiu, em 1598, desencadear uma grande contra-ofensiva que os levou a recuperar grande parte do território perdido, onde já havia sete cidades espanholas, e as mais ricas minas de ouro do Chile.
Se tamanha criatividade, inteligência e astúcia foram aplicadas na guerra, é óbvio que se o fossem na construção pacífica, teriam dado grandes frutos. Mas, não era da índole dos conquistadores permitir tal coisa; para eles, os índios eram força de trabalho, animais de carga, energia a serviço do seu enriquecimento.
LEÓN, Pomer. História da América Hispano-indígena. São Paulo: Global, 1983. p. 127-128.
Exagero? É o mais provável. Mas indica o respeito e a admiração que os espanhóis votaram a esses engenhosos, bravios e indomáveis guerreiros. O cronista - Mariño de Lovera - acrescenta ainda que, graças aos fossos escavados em torno do forte, as balas dos alcabuzes e da própria artilharia foram ineficazes.
Em 1580, os araucanos surpreenderam o acampamento de Lorenzo Bernal de Mercado, e cercaram os locais onde havia fogo para impedir que os brancos acendessem as mechas dos seus arcabuzes. Em 1600, em novo assalto as forte Arauco, usaram grande quantidade de escadas para escalar os muros e os telhados da fortaleza. Mais de 400 deles conseguiram penetrar no forte, guiados por um mestiço de Quito, autor da ideia e que encabeçou o assalto. No ataque ao forte Boroa (1606), reuniram três mil infantes de elite e 600 cavaleiros, todos esplendidamente vestidos com penachos e roupas roubadas nas cidades de Imperial, Valdívia e Villarica. Muitos luziram, junto às armas de aço, roupas sacerdotais, hábitos de clérigos.
Ainda que desconhecessem os venenos usados, por exemplo, pelos caribes, que embebiam suas flechas tornando-as uma arma temível, os araucanos usavam a seiva do coligue (planta típica do Chile) que provocava inflamações nas feridas e, às vezes, a morte.
Como os espanhóis devastavam habitualmente as plantações e colheitas dos nativos, esses acabaram plantando em lugares recônditos, inacessíveis. Em grutas, organizaram depósitos de alimentos para não serem derrotados pela fome. E, obviamente, pagaram com a mesma moeda, devastando plantações às vésperas da colheita.
Quando compreenderam que os arcabuzes não eram o raio do céu - e isto foi compreendido logo - aprenderam a manejá-los, talvez ensinados por índios e mestiços desertores das tropas europeias. O citado cronista Mariño de Lovera diz que em 1599 a infantaria araucana usa a arma de fogo, pólvora e munições obtidas de seus inimigos derrotados. Um mestiço chamado Prieto elabora um plano que os conquistadores acham "diabólico": fabrica pólvora. Conseguira que os índios extraíssem enxofre dos vulcões Llaima e Villarica; em fornos especialmente preparados fabricaram carvão e acumularam salitre. Os espanhóis conseguiram convencer Prieto a não levar adiante seus planos - com a promessa de salvar a vida - e assim evitaram dores de cabeça mais graves do que as que já tinham.
Os índios araucanos dominaram a técnica do arcabuz a tal ponto, que em uma emboscada preparada em 1606 a um destacamento do forte Imperial mataram tranquilamente todos seus inimigos, pois sabiam que as armas destes estavam sem mecha. Foram mestres nas táticas de hostilizar o inimigo. Marchando paralelamente às tropas inimigas - que usualmente se deslocavam pelos vales - atiravam do alto das montanhas, rochas e troncos de árvores, dificultando a marcha e, por vezes, detendo-a. Sabiam que contavam com total impunidade, pois tinham aprendido a conhecer perfeitamente a distância máxima alcançada por uma bala do arcabuz. Chegaram ao ponto de enfrentar os espanhóis avançando em saltos, desconcertando a pontaria dos atiradores e colocando-se de tal maneira que a luz do sol dificultasse a visão dos soldados para atirar. Escolhiam, admiravelmente, o terreno para as batalhas, fazendo com que seus corpos não ficassem expostos à mira do inimigo.
De um tipo de guerra primitiva nos momentos iniciais do ataque europeu, os araucanos evoluíram para táticas altamente sofisticadas, com chefes e oficiais no comando, seguindo o próprio exemplo europeu. Isso lhes permitiu, em 1598, desencadear uma grande contra-ofensiva que os levou a recuperar grande parte do território perdido, onde já havia sete cidades espanholas, e as mais ricas minas de ouro do Chile.
Se tamanha criatividade, inteligência e astúcia foram aplicadas na guerra, é óbvio que se o fossem na construção pacífica, teriam dado grandes frutos. Mas, não era da índole dos conquistadores permitir tal coisa; para eles, os índios eram força de trabalho, animais de carga, energia a serviço do seu enriquecimento.
LEÓN, Pomer. História da América Hispano-indígena. São Paulo: Global, 1983. p. 127-128.
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