Monumento a Tupac Amaru, sua esposa Micaela Bastidas e seus filhos segurando a bandeira de Cuzco, Peru.
Texto 1. O mundo amanheceu ao contrário naquele dia em Tinta, um pequeno povoado no sul do vice-reino do Peru. Acostumada a ser explorada e maltratada pelas tropas do manda-chuva local, o espanhol Antonio Arriaga, a população mal conseguia acreditar que era ele quem dava seus últimos suspiros, pendurado pelo pescoço na ponta de uma corda, em plena praça central do vilarejo. Ao seu lado, comandando a execução, estava José Gabriel Túpac Amaru. Vestido para a guerra, com o tradicional ornamento inca em forma de um sol dourado no peito, convocava, aos berros, índios, mestiços e negros para lutar contra a dominação espanhola.
Naquele 4 de novembro de 1780, com o corpo de Arriaga balançando atrás de si, Túpac Amaru, descendente da linhagem imperial dos incas, declarou que não existiam mais impostos e que os escravos estavam livres. "Foi o início de uma rebelião que se espalharia pelos Andes e chegaria aos altiplanos bolivianos", diz Julio Vera del Carpio, historiador da Casa da Cultura Peruana, em São Paulo. Quase 300 anos depois de os espanhóis desembarcarem na América, o filho do sol estava de volta.
Os espanhóis desembarcaram na América em 1492 ávidos por encontrar riquezas que financiassem seus navios, suas armas e sua nobreza. Quando chegaram ao Peru, em 1527, e descobriram as minas de prata da região, não perderam tempo. Com a vantagem das armas de fogo e do duro aço espanhol, submeteram os guerreiros indígenas e suas lanças de cobre. Pizarro conquistou Cusco, a capital inca, e capturou e executou Atahualpa, seu imperador.
O último foco de resistência foi derrotado em 1572, com o enforcamento do derradeiro imperador inca, o primeiro Túpac Amaru. Foi o ponto final na civilização inca na América do Sul, 'que ocupou um território maior que o do Império Romano', diz Antonio Núnez Jiménez, no livro Nuestra América.
Tinta foi apenas o primeiro alvo da revolta. Após matar Arriaga, Túpac e seus homens percorreram povoados e vilas da região, prendendo e enforcando as autoridades espanholas que encontravam. Ficavam com seu dinheiro e armas e distribuíam seus bens entre a população. Túpac nomeou chefes locais e conseguiu que milhares de pessoas aderissem à sua tropa.
Em 5 de abril de 1781, com o reforço de 17 mil soldados, os espanhóis infligiram uma gigantesca derrota às tropas tupamaristas. Os rebeldes se dissiparam, mas Túpac e seus colaboradores mais próximos foram presos em uma emboscada preparada por seus próprios partidários. Apenas uma parte do exército rebelde conseguiu se refugiar nas montanhas. Na mesma semana, para comemorar sua vitória, os espanhóis enforcaram 70 líderes indígenas na mesma praça onde Arriaga havia sido executado.
Túpac e sua família foram levados a Cusco, onde foram torturados para que dessem informações sobre os demais líderes rebeldes. Após 35 dias de torturas, em 18 de maio de 1781 Túpac foi levado para receber sua sentença em praça pública, no centro de Cusco: esquartejamento.
Nos anos que se seguiram, os colonizadores exerceram uma forte repressão à cultura incaica e qualquer ornamento da nobreza inca foi proibido. 'Falar o nome de Túpac Amaru em público virou um insulto aos espanhóis, um ato de rebeldia. A perseguição, no entanto, só aumentou o mito que se criou em torno dele e fez com que seus lendários feitos influenciassem gerações de revolucionários americanos, de Bolívar a Che Guevara', diz o antropólogo Rodrigo Montoya, da Universidade San Marcos, em Lima. O poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973), em um verso de 1970, recordou Túpac:
'Como um sol vencido
Uma luz desaparecida [...]
Túpac germina na terra americana'.
MEIGUINS, Alessandro. O filho do sol. In: Revista Aventuras na História. São Paulo: Abril, n. 15, nov. 2004, p. 40-45.
Texto 2. O movimento rebelde, liderado por Túpac Amaru, mestiço descendente direto da nobreza incaica, teve, como principal reivindicação, o fim do trabalho forçado dos indígenas nas minas de obrajes (manufaturas têxteis). Em nome dos índios de sua região, o cacique atuou inicialmente junto às instituições espanholas, visando ao cumprimento das leis ditadas pela Coroa, que limitavam os abusos das autoridades coloniais. Depois de frustradas tentativas em Tinta (sua província natal), em Cuzco e na Real Audiência de Lima, o líder abandonou sua crença nos mecanismos legais de atuação e partiu à luta armada.
Ao incorporar os anseios de libertação de massas indígenas, a rebelião ganhou milhares de adeptos em toda a América Meridional, extrapolando seu núcleo irradiante - a serra sul-peruana - e atingindo uma vasta extensão da região andina.
Mesmo derrotada, pelas suas proporções e repercussões a insurreição desafiou o regime de exploração e dominação sobre o qual se sustentava a estrutura econômica da colônia. Ao levantar os problemas relativos à situação de opressão e miséria das populações indígenas que, ainda hoje - quase dois séculos após as independências -, não foram resolvidos, a rebelião, liderada por Túpac Amaru, apesar da repressão violenta a que foi submetida, permanece viva, como símbolo de resistência na memória rebelde de povos latino-americanos.
GERAB, Kátia; RESENDE, Maria Angélica. A rebelião de Túpac Amaru. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 8-9.
Texto 2. O movimento rebelde, liderado por Túpac Amaru, mestiço descendente direto da nobreza incaica, teve, como principal reivindicação, o fim do trabalho forçado dos indígenas nas minas de obrajes (manufaturas têxteis). Em nome dos índios de sua região, o cacique atuou inicialmente junto às instituições espanholas, visando ao cumprimento das leis ditadas pela Coroa, que limitavam os abusos das autoridades coloniais. Depois de frustradas tentativas em Tinta (sua província natal), em Cuzco e na Real Audiência de Lima, o líder abandonou sua crença nos mecanismos legais de atuação e partiu à luta armada.
Ao incorporar os anseios de libertação de massas indígenas, a rebelião ganhou milhares de adeptos em toda a América Meridional, extrapolando seu núcleo irradiante - a serra sul-peruana - e atingindo uma vasta extensão da região andina.
Mesmo derrotada, pelas suas proporções e repercussões a insurreição desafiou o regime de exploração e dominação sobre o qual se sustentava a estrutura econômica da colônia. Ao levantar os problemas relativos à situação de opressão e miséria das populações indígenas que, ainda hoje - quase dois séculos após as independências -, não foram resolvidos, a rebelião, liderada por Túpac Amaru, apesar da repressão violenta a que foi submetida, permanece viva, como símbolo de resistência na memória rebelde de povos latino-americanos.
GERAB, Kátia; RESENDE, Maria Angélica. A rebelião de Túpac Amaru. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 8-9.
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