"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Brasil e África... Uma ligação histórica?


"Venho de Angola, camará"

"Dengo, farofa, moleque, quitanda, samba... Quer palavras mais brasileiras que estas?

De fato, são brasileiras - mas nasceram na África. Foram trazidas da vasta região costeira central do continente, onde hoje estão Angola e Congo. Com origem no tronco linguístico banto, o umbundo e o quicongo, essas palavras substituíram vocábulos portugueses que eram utilizados para os mesmos fins. Ou seja, em alguns casos, os falares africanos conseguiram sobrepor-se aos outros. Como a língua é algo vivo, algumas palavras mudaram um pouco, outras adquiriram significados diferentes, mas não muito distantes do original.

A linguagem é um dos aspectos mais evidentes da contribuição cultural dos africanos trazidos para o Novo Mundo. Mas nem de longe é o único. Houve diversos aportes civilizatórios da África para o Brasil, e algumas regiões foram especialmente relevantes nesse processo, como é o caso de Angola. Práticas religiosas, conhecimentos técnicos agrícolas e de mineração, valores sociais, costumes da vida cotidiana e hábitos de alimentação, entre outros elementos, fizeram parte da bagagem cultural que os escravizados trouxeram para a formação de nosso país.

Manifestações religiosas como os calundos, de forte presença entre os escravos trazidos da região Congo-Angola, estão na origem de religiões afrobrasileiras, como o candomblé na Bahia. Há indícios de que a arte da capoeira tenha origem na 'dança da zebra', o n'golo do sul de Angola. O jongo, tão presente em comunidades negras do Sudeste brasileiro, e a congada, assinalam sua herança centro-africana em versos, personagens, palavras. Os movimentos de corpo característicos de algumas danças brasileiras - sobretudo o rebolado - também têm sua origem em Angola. De lá, portanto, veio boa parte da nossa ginga. Aliás, esta é uma palavra derivada da língua quimbundo, e nomeava uma rainha africana. De nome de rainha a elemento da congada, a ginga adquiriu muitos outros significados, hoje atribuídos principalmente aos brasileiros.

Os laços que ligam o Brasil a Angola existem há muito tempo. Remontam à formação do Império português, do qual fizeram parte, e se estendem por séculos, chegando aos nossos dias. [...]

Nas palavras do padre Antonio Vieira, em 1648, 'sem negros não há Pernambuco, e sem Angola não há negros'. [...]

O que não se pode nem se deve deixar de lembrar são nossos fortes vínculos com esses povos e essa terra. As heranças congo-angolanas, que em grande parte nos tornaram o que somos, nos lembram o quanto é importante perceber, reconhecer e se orgulhar do nosso pertencimento à África.

As rápidas transformações geopolíticas em todo o planeta trazem novos desafios para o Brasil. Para saber qual o seu papel nesse jogo, o país necessita primeiro conhecer sua verdadeira identidade. E isso inclui recordar os compromissos que tem com a própria História."

LIMA E SOUZA, Mônica. Venho de Angola, camará. In: FIGUEIREDO, Luciano [org.]. Raízes africanas. Coleção Revista de História no Bolso, vol. 6. Rio de Janeiro: Sabin, 2009. p. 11-15.

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