Batalha de Hastings. Tapeçaria de Bayeux (detalhe)
A Europa cristã que o papa Urbano conclamou às armas em novembro de 1095 era muito distinta do império governado por Constantino setecentos anos antes. Uma diferença notável era a ausência de grandes cidades. Não era apenas o fato de não haver nenhuma grande cidade como Roma para fornecer um objetivo e um modelo. Existiam poucas cidades em qualquer parte que fossem dignas do nome. [...] Apenas um povoamento cristão - Constantinopla, com uma população de cerca de 100 mil pessoas - conservava alguma semelhança com a glória do império romano. Duas outras, Toledo, na Espanha, e Palermo, na Sicília - ambas antigas cidades muçulmanas -, tinham cerca de 20 mil habitantes, e Veneza talvez 10 mil. [...] Tanto a cristandade quanto a Europa setentrional "pagã" eram compostas de aldeias e pequenas vilas. E, a despeito do fluxo contínuo de novos povos do leste, a devastação causada pela fome, pela guerra e por doenças foi tamanha que a população da Europa era menor do que fora mil anos antes.
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Um país europeu - a Inglaterra - acabara de vivenciar uma invasão que traria profundas consequências. Em 1066, uma disputa pela sucessão do trono inglês atraíra um exército sob o comando de William, duque da Normandia, vindo da França. Após a vitória na batalha de Hastings [...] ele subiu no trono como rei William I. O país foi dividido entre seus companheiros de armas, cujos descendentes deram à Inglaterra uma aristocracia francófona pelos trezentos anos seguintes. Por volta de 1095 [...] a Inglaterra [...] fora transformada de fundo de quintal da Europa em potência de primeiro escalão.
A "cristandade" era uma unidade religiosa, não política. [...] A cristandade ocidental ou católica, que recorria à orientação do papa em Roma, se estendia da Irlanda e do norte da Espanha às fronteiras a leste de Polônia e Hungria, e do norte da Noruega à ilha mediterrânea da Sardenha. A cristandade oriental ou ortodoxa, que prestava obediência ao patriarca em Constantinopla, compreendia a retaguarda do antigo império bizantino (Grécia e Constantinopla, e parte da Anatólia), além dos recém-convertidos principados da Rússia ocidental.
O "império islâmico" era, em muitos aspectos, a imagem espelhada da cristandade. Também era uma comunidade ligada pela fé, não uma entidade política. Suas fronteiras se estendiam do sul da Espanha até a distante Ásia Central. Como a , incluía um grande número de Estados soberanos de dimensões variadas [...]. O território do islã continha muitas cidades importantes, como Córdoba, Alexandria e Bagdá, com cuja opulência a cristandade só podia sonhar e onde a ciência era conduzida em um nível sem paralelo no mundo todo.
No outro extremo da Eurásia, a China gozava um período de paz e prosperidade, mais uma vez sob uma forte dinastia, a Sung. [...]
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Um elemento importante na criação dessa prosperidade foi a invenção do papel-moeda [...]. O papel-moeda permitiu que os impostos fossem coletados em espécie em vez de bens e serviços. [...] A criação de uma economia baseada no papel-moeda - a primeira do mundo - não só forneceu um meio facilitador às transações comerciais mas também agiu como incentivo ao uso produtivo das horas ociosas.
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Do outro lado do mar, no Japão, nenhuma transformação econômica desse calibre ocorrera. As autoridades de lá haviam, por questões políticas, restringido o contato com a China dois séculos antes, e a vida prosseguira em larga medida nos moldes tradicionais. [...] Mas embora esses séculos não houvessem trazido nenhuma mudança drástica na frente econômica, em termos culturais se revelaram os mais frutíferos na história do país. Um século e meio de paz e a reduzida exposição às influências chinesas haviam criado as condições para um florescimento cultural de extraordinárias proporções. O elemento mais importante disso foi o desenvolvimento de uma escrita puramente japonesa. [...] Entre as impressionantes obras produzidas nessa época estavam as escritas por filhas dos Fujiwara, uma família quase da realeza que tradicionalmente cedia aias para a casa imperial. Dois de seus livros - A história de Genji, da dama Murasaki Shikibu, e O livro do travesseiro, da dama Sei Shonagon - continuam sendo considerados obras-primas, não só do japonês mas também da literatura mundial, novecentos anos após terem sido escritos.
Desconhecidos desses povos da Ásia, e separados de sua riqueza e doenças, os povos nativos da Austrália continuavam com seu estilo de vida tradicional. Dependentes da caça e da coleta [...] sua população permanecia reduzida. [...] Embora fossem nômades, ligavam-se intimamente a lugares com significado religioso e social, para onde regressavam com fins de celebração. [...]
Mais a leste, as ilhas norte e sul da Nova Zelândia enfim abrigavam uma população humana. [...] Os colonizadores falavam um idioma polinésio - maori - e provavelmente atingiram a ilha ao norte por volta do ano 800. [...] Tinham atrás de si uma tradição com 2 mil anos de idade de agricultura intensiva e trouxeram consigo os inhames e porcos que precisariam para recriar as chácaras que os havia sustentado em sua terra de origem. [...]
No outro lado do Pacífico, a população continuava a crescer. As regiões habitadas das Américas Central e do Sul abrigavam agora cerca de 20 milhões de pessoas [...]. Na região andina central em torno do lago Titicaca, a civilização tihuanaco ainda sobrevivia. Mas, no México central, os dias de glória da grande cidade de Teotihuacán eram apenas vaga lembrança. No século X um povo chamado tolteca saqueara e queimara Teotihuacán, fundando um império baseado em sua própria capital Tollan [...]. Sua influência se estendeu às planícies da Guatemala, onde a antiga civilização maia ruíra por motivos desconhecidos. Apenas nas terras altas da península de Yucatán cidades maias como Chichén Itzá e Mayapán continuaram a prosperar.
Ao norte do México central, a maioria das pessoas ainda vivia como caçadores-coletores. Mas eles contavam como uma nova arma - o arco e a flecha -que seus ancestrais desconheciam. Introduzido na América do Norte pelos inuit, o arco e a flecha surgiu na região central norte-americana no século VIII. Ele transformara a vida de milhões de americanos nativos dependentes da capacidade de abater presas velozes, e a população deles cresceu proporcionalmente.
Em nenhum lugar do continente norte-americano a moradia em cidades se desenvolvera em escala comparável à que ocorrera mais ao sul. Mas aqui e ali povoamentos agrícolas haviam dado lugar a aldeias permanentes [...]. No coração do continente, onde as fronteiras dos atuais Utah, Colorado, Arizona e Novo México se encontram, a cultura conhecida como anasazi vivia em habitações comunitárias com mais de mil cômodos. Os primeiros colonizadores do lugar haviam habitado cavernas ou cabanas de adobe e suplementado um estilo de vida caçador com o cultivo do milho e moranga. [...] Eles haviam adicionado feijão ao seu repertório alimentar e domesticado o peru. Posteriormente, aprenderam a cultivar algodão, e por volta de 1095 produziam cerâmicas e artigos têxteis de admirável qualidade.
Nas terras florestais onde os rios Ohio e Mississipi se encontram, outro complexo de culturas [...] se disseminara pelos leitos dos vales. Baseada no cultivo de uma variedade superior de milho, essa cultura dera origem a uma série de vilas - as primeiras da América do Norte - em torno de um monte central com quase trinta metros de altura, algumas das quais abrigando templos outras, os palácios dos soberanos locais. Esses soberanos foram sepultados em túmulos que lembravam as tumbas chinesas da Idade do Bronze ou o Reino Médio egípcio. [...] No fim do século XI, a maior cidade mississipiana, Cahokia, a leste da atual St. Louis, abrigou cerca de 20 mil pessoas.
Na África subsaariana, a população viera crescendo ao longo de grande parte de um período de mil anos. [...]
Grande parte do aumento populacional africano derivou da adoção da agricultura fixa, mas outra parte era resultante da ocupação de novas terras por pastores nômades. [...]
A humanidade vencera uma etapa perigosa. Por quase mil anos, doenças, guerras e fome haviam assolado os quatro cantos da Eurásia. [...]
AYDON, Cyril. A história do homem: uma introdução a 150 mil anos de história humana. Rio de Janeiro: Record, 2011. p. 147-154.
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