"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

domingo, 19 de janeiro de 2014

O terremoto de Lisboa

No dia 1º de novembro de 1755, um grande terremoto abalou a capital portuguesa. Era Dia de Todos os Santos, feriado religioso, e muitas pessoas encontravam-se nas igrejas no momento do tremor. As informações sobre o número de vítimas variam muito. Dados do governo português falam entre 10 mil e 30 mil mortos, mas, segundo relatos de estrangeiros que estavam em Lisboa no dia da tragédia, o número de mortos se aproximou dos 100 mil, numa população que, na época, estava próxima de 250 mil.

O terremoto de Lisboa, gravura de Georg Caspar Pfauntz

Estudos recentes afirmam que a intensidade do abalo se aproximou de 9 graus na escala Richter, sendo um dos terremotos mais destruidores da história da humanidade. O primeiro tremor ocorreu por volta das 9h45 e durou entre seis e sete minutos. Seguiram-se dois novos tremores e, cerca de uma hora após o primeiro tremor, um tsunami de cerca de 20 metros arrasou a parte da cidade mais próxima à foz do Rio Tejo. Para agravar a situação, inúmeros incêndios aconteceram na cidade, provocados principalmente pela grande quantidade de velas acesas por causa do feriado religioso.

Muitos religiosos, sobretudo padres jesuítas, consideraram o terremoto um castigo divino pela falta de fé do povo português. Pombal, como era próprio do pensamento iluminista, combateu essa ideia, tratando o caso de maneira racional, elaborando relatórios científicos para analisar o cismo. Os estudos gerados na época acabaram dando origem à sismologia, ciência moderna que estuda os terremotos.

O terremoto lisboeta causou impacto, também, no pensamento de muitos filósofos da época. Inúmeros livros e artigos foram escritos na Alemanha, Holanda, Inglaterra, Itália, Espanha e França e geraram dúvidas sobre a existência de um Deus bondoso e fiel.

Voltaire, um dos principais pensadores iluministas, escreveu, em seu livro Cândido ou O otimismo, uma  grande crítica ao pensamento otimista predominante em alguns textos filosóficos da época. O personagem principal da história, o jovem Cândido, desembarca em Lisboa acompanhado de seu amigo e mentor, o filósofo Pangloss, que tudo via com otimismo, exatamente no dia da tragédia. A linguagem bastante irônica utilizada por Voltaire leva os argumentos de Pangloss a parecerem absurdos aos olhos do leitor.

[...] a seguir, uma passagem da obra, no momento em que os personagens caminham pela cidade no dia posterior ao terremoto.

“No dia seguinte, tendo encontrado provisões de boca enquanto se esqueiravam através dos escombros, refizeram-se um tanto. Trabalharam, depois, como os outros, atendendo a pessoas escapadas à morte. Alguns cidadãos, socorridos por eles, serviram-lhes um jantar tão bom quanto possível em meio a tal desastre; é verdade que foi triste a refeição, regado em lágrimas o pão dos comensais, mas Pangloss consolou-os, assegurando-lhes que as coisas não poderiam ser de outra maneira:

- Pois tudo isto [...] é o que há de melhor; porque, havendo um vulcão em Lisboa, era impossível que estivesse noutra parte; pois não teria cabimento que as coisas não se encontrassem exatamente onde se encontram; pois tudo assim está bem.” (VOLTAIRE. Cândido ou O otimismo. São Paulo: Publifolhoa; Rio de Janeiro: Ediouro, 1998. p. 22.)


BRAICK, Patrícia Ramos. Estudar história: das origens do homem à era digital. São Paulo: Moderna, 2011. p. 72-73.

NOTA: O texto "O terremoto de Lisboa" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.

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