"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

O impacto do tráfico para a África

O envio de escravos africanos para a América foi, sem dúvida, um dos maiores movimentos populacionais da história e a maior migração por mar antes da grande imigração europeia, também para as Américas, que se desenvolveu justamente na medida em que o tráfico de escravos no Atlântico conheceu o seu fim. Mas, é importante ressaltar, essa não foi a única exportação de escravos oriundos da África Tropical. Durante séculos, foram levados escravos negros em direção ao norte, através do Deserto do Saara, pelo Rio Nilo, pelo Mar Vermelho e pelo Oceano Índico. Evidentemente, os números aqui envolvidos não podem ser comparados ao do comércio atlântico.

Existem poucas fontes confiáveis que indiquem os números do tráfico de escravos no Saara e no norte da África. A partir do século IX, entretanto, existem vestígios de um tráfico de escravos transaariano organizado. Os poucos dados existentes apontam para uma média anual de 6 mil ou 7 mil escravos transportados até a década de 1880, apresentando pontos altos nos séculos X e XI, nos quais cerca de 8.700 escravos teriam sido importados por ano, e nos primeiros anos do século XIX, algo como 14.500. O tráfico transaariano pode, no total, ter retirado da África Negra quase tantas pessoas – cerca de nove ou dez milhões – quanto o do Atlântico.

O impacto do tráfico de escravos variou de região para região da África Negra. No que se refere ao tráfico atlântico, quase todos os escravos foram levados da costa ocidental, local onde os europeus haviam estabelecido de forma mais consistente suas relações comerciais. Somente quando a procura atingiu seu auge, no final do século XVIII, e quando as medidas contra o tráfico ao norte do Atlântico, no século XIX, ganharam proporção, é que a costa oriental passou a fornecer escravos para as Américas.


Escravos sendo transportados na África

Assim, nem todas as regiões foram afetadas pelo tráfico de escravos, e, ainda, algumas regiões tinham melhores condições do que outras para resistir aos danos causados por esta movimentação – e para lucrar com ela. Na África Ocidental, por exemplo, verifica-se uma continuidade essencial da população e do aumento populacional, da evolução social, econômica e cultural, desde que seus habitantes se dedicavam à agricultura e à metalurgia em períodos anteriores ao grande tráfico de escravos.

Os casos de Angola e do Congo demonstraram que algumas das populações afetadas não viram seu número diminuído, ou que os efeitos combinados da seca, da fome e das doenças foram tão ou mais importantes do que os do tráfico de escravos. Contudo, a exportação de escravos para outras partes do mundo foi um fator importante para as transformações na África Subsaariana por desestruturar sociedades, arrasar regiões e gerar guerras e revoluções, sendo o auge do tráfico no final do século XVIII e início do XIX um momento crucial. Entretanto, foram os efeitos do imperialismo e do colonialismo do final do século XIX que deixariam mais profundas feridas no continente africano.

VISENTINI, Paulo Fagundes [et alli]. História da África e dos africanos. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 49-50.

NOTA: O texto "O impacto do tráfico para a África" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.

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