O envio de escravos africanos
para a América foi, sem dúvida, um dos maiores movimentos populacionais da história
e a maior migração por mar antes da grande imigração europeia, também para as
Américas, que se desenvolveu justamente na medida em que o tráfico de escravos
no Atlântico conheceu o seu fim. Mas, é importante ressaltar, essa não foi a única
exportação de escravos oriundos da África Tropical. Durante séculos, foram
levados escravos negros em direção ao norte, através do Deserto do Saara, pelo
Rio Nilo, pelo Mar Vermelho e pelo Oceano Índico. Evidentemente, os números
aqui envolvidos não podem ser comparados ao do comércio atlântico.
Existem poucas fontes confiáveis
que indiquem os números do tráfico de escravos no Saara e no norte da África. A
partir do século IX, entretanto, existem vestígios de um tráfico de escravos
transaariano organizado. Os poucos dados existentes apontam para uma média
anual de 6 mil ou 7 mil escravos transportados até a década de 1880,
apresentando pontos altos nos séculos X e XI, nos quais cerca de 8.700 escravos
teriam sido importados por ano, e nos primeiros anos do século XIX, algo como
14.500. O tráfico transaariano pode, no total, ter retirado da África Negra
quase tantas pessoas – cerca de nove ou dez milhões – quanto o do Atlântico.
O impacto do tráfico de escravos
variou de região para região da África Negra. No que se refere ao tráfico atlântico,
quase todos os escravos foram levados da costa ocidental, local onde os
europeus haviam estabelecido de forma mais consistente suas relações
comerciais. Somente quando a procura atingiu seu auge, no final do século
XVIII, e quando as medidas contra o tráfico ao norte do Atlântico, no século
XIX, ganharam proporção, é que a costa oriental passou a fornecer escravos para
as Américas.
Escravos sendo transportados na África
Assim, nem todas as regiões foram
afetadas pelo tráfico de escravos, e, ainda, algumas regiões tinham melhores
condições do que outras para resistir aos danos causados por esta movimentação –
e para lucrar com ela. Na África Ocidental, por exemplo, verifica-se uma
continuidade essencial da população e do aumento populacional, da evolução
social, econômica e cultural, desde que seus habitantes se dedicavam à
agricultura e à metalurgia em períodos anteriores ao grande tráfico de
escravos.
Os casos de Angola e do Congo
demonstraram que algumas das populações afetadas não viram seu número diminuído,
ou que os efeitos combinados da seca, da fome e das doenças foram tão ou mais
importantes do que os do tráfico de escravos. Contudo, a exportação de escravos
para outras partes do mundo foi um fator importante para as transformações na África
Subsaariana por desestruturar sociedades, arrasar regiões e gerar guerras e
revoluções, sendo o auge do tráfico no final do século XVIII e início do XIX um
momento crucial. Entretanto, foram os efeitos do imperialismo e do colonialismo
do final do século XIX que deixariam mais profundas feridas no continente
africano.
VISENTINI, Paulo Fagundes [et
alli]. História da África e dos africanos.
Petrópolis: Vozes, 2013. p. 49-50.
NOTA: O texto "O impacto do tráfico para a África" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário