Apesar do abafado clima
intelectual e social da década de 1920, as mudanças sociais e econômicas
continuaram produzindo protesto social e cultural. Uma geração de escritores
desencantados, como John dos Passos, Sinclair Lewis, F. Scott Fitzgerald,
Ernest Hemingway e Gertrude Stein, criticou a futilidade da sociedade de
consumo, as atitudes repressivas do Estado e das corporações e as francas
limitações à liberdade individual e aos direitos sociais no país.
Reações à “sociedade moderna” não
vieram somente da esquerda: americanos rurais e religiosos revigoravam a defesa
de valores tradicionais. As religiões evangélicas, que insistiram na leitura
fundamentalista da Bíblia, ganharam
bastante apoio em alguns estados como Tennessee, em campanhas anti-seculares
para, por exemplo, banir o ensino da Teoria da Evolução, de Charles Darwin.
O movimento antialcoólico
convenceu o governo federal a proibir por lei, em 1920, a fabricação e venda
de álcool (a proibição durou 13 anos), o que acabou fortalecendo o crime
organizado e dando origem a um próspero mercado negro.
Uma tenebrosa ramificação da
“defesa da tradição” foi o ressurgimento da Ku Klux Klan (KKK). Falida desde o
fim da década de 1870, renasceu em 1915, no ambiente chauvinista dos tempos de
guerra. Um dos primeiros produtos da nova indústria do cinema, o filme Nascimento de uma nação (1916), do
diretor D. W. Griffiths, glorificou abertamente esse grupo racista. Preocupado
primariamente com negros, a KKK ampliou sua mensagem de ódio e violenta
intimidação nos anos 1920, denunciando imigrantes (especialmente católicos e
judeus) e todas as forças (socialistas e feministas) que ameaçaram a “liberdade
individual” e “o jeito americano de viver”. Até 1925, o grupo conseguiu
recrutar quatro milhões de membros, muitos dos quais mulheres e “cidadãos
respeitáveis” dos estados do Norte. Apesar do seu extremismo e posterior
declínio no fim da década, o grupo, sem dúvida, refletiu sentimentos nativistas
bem enraizados na sociedade americana.
A modernidade na comunidade negra
expressou-se numa série de movimentos e tendências políticas radicais nesses
anos. Como outros americanos, alguns negros também foram influenciados por
ideias como anticolonialismo e solidariedade entre trabalhadores, decorrentes
dos movimentos socialistas e da inspiração da Revolução Russa. Em 1919, o
movimento “Novo Negro”, do socialista Hubert Harrison, visionou a emancipação
do afro-americano como um projeto a ser levado a cabo por uma aliança
multirracial e militante, ao contrário das campanhas meramente legais da NAACP.
Embora os movimentos socialistas no país tenham ignorado ou marginalizado a
luta contra o racismo, ideias em favor da sindicalização e da classe
trabalhadora podiam ser amplamente encontradas nas páginas da imprensa popular
negra.
A decepção diante das traições
das promessas do governo americano em favor da autodeterminação e democracia
para os oprimidos, depois da Primeira Guerra, impulsionou muitos negros ativistas
em direção ao que chamavam de “nacionalismo negro” (black nationalism). A Associação Universal para o Melhoramento dos
Negros (UNIA em inglês), fundada pelo imigrante jamaicano Marcus Garvey,
argumentou que negros precisavam formar um movimento separatista para obter a
liberdade. Em 1921, Garvey proclamou:
“Em todo lugar, nós ouvimos o
grito de liberdade. [...] Desejamos uma liberdade que vai nos elevar ao padrão
de todos os homens [...] liberdade que vai nos dar chance e oportunidade de
subir até o ápice pleno da nossa ambição e que nós não conseguimos em países
onde outros homens predominam.”
O líder negro rejeitou a
assimilação como também a aliança com brancos e fomentou orgulho na “raça
negra”. A UNIA montou uma rede de supermercados e outros negócios tocados por
negros e aconselhou afro-americanos a voltarem para África, onde eles poderiam
criar uma “nova sociedade”. A organização e sua influência perderam força
quando Garvey foi condenado por fraude em 1923. Mas o apelo ao “nacionalismo
negro” nas cidades do Norte, por alguns anos, mostrou a profundidade dos
anseios da população negra por alternativas políticas e teria influência
significativa mais tarde em movimentos sociais negros nos Estados Unidos e no
Caribe.
Vida noturna, Archibald
John Motley
Nos anos 1920, o chamado “renascimento
do Harlem” – o florescimento da arte e pensamento centralizado em um grupo de
escritores, artistas, músicos e intelectuais negros de Nova York – explorou as
possibilidades da ação cultural e política por meio de uma consciência positiva
das heranças e tradições afro-americanas. Esses artistas inovadores
desenvolveram a ideia de que a vida intelectual e artística era capaz de
valorizar os afro-americanos, desafiar o racismo e promover políticas
progressistas no país. Escritores como Jean Toomer, Zora Neale Hurston,
Langston Hughes, James Weldon Johnson e Claude McKay e artistas plásticos como
Richard Nugent e Aaron Douglas misturaram feições modernas e tradicionais de
expressão artística, resgatando história e tradições da comunidade negra.
Inspiraram gerações de artistas e ativistas pelos direitos civis e tiveram
influência enorme na cultura afro-americana ao longo de todo o século XX.
Sean Purdy. Mudanças sociais e
desafios culturais nos anos 1920. In: KARNAL, Leando [et alli]. História dos Estados Unidos: das origens ao
século XXI. São Paulo: Contexto, 2010. p. 203-205.
NOTA: O texto "Mudanças sociais e desafios culturais nos anos 1920 nos Estados Unidos" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário