O mais antigo painel do Cristo: Saint Catherine's
Monastery (Sinai), século VI.
A atual forma do cristianismo, as observâncias e os dias
santos, aparecem aos poucos. O domingo, inicialmente, não era necessariamente o
dia do Senhor. Os judeus haviam reverenciado o sábado como seu dia e, de
início, os cristãos tendiam a reverenciar esse dia como o coração da semana.
São Paulo começou a conferir ao domingo o dia de reverência, uma vez que era o
dia da ressurreição de Cristo. Quando o imperador Constantino tornou-se cristão
e fez com que o Império Romano entrasse em conformidade com sua nova fé, sua
lei de 321 declarou o domingo como sendo o dia de adoração na cidade, mas, não,
no interior. Lá, as vacas e cabras tinham de ser ordenhadas, a colheita feita e
a terra arada, independente do dia.
A Páscoa logo tornou-se a época especial do calendário dos
cristãos, mas sua data exata não foi escolhida facilmente. Ao longo das costas
da Ásia Menor, o coração inicial da Cristandade, o dia de Páscoa não era
primeiramente no domingo. Durante anos, os teólogos cristãos discutiram sobre o
dia ideal em que a Páscoa deveria cair. Seu desacordo foi mais estridente em
387; naquele ano, na Gália, o Domingo de Páscoa foi celebrado em 18 de março.
Na Itália, aconteceu exatamente um mês depois e, em Alexandria, foi ainda mais
tarde, sendo celebrado em 25 de abril. No sétimo século, uma região da
Inglaterra celebrava o Domingo de Ramos no mesmo dia em que outra parte
celebrava a Páscoa. A unidade da Cristandade era frequentemente muito precária.
Muitos dos dias especiais do ano cristão vinham muito tarde.
Durante três séculos, as primeiras igrejas ao redor das margens do Mediterrâneo
não celebravam o nascimento de Cristo. Com o tempo, os cristãos, com bastante
sensatez, aproveitaram da oportunidade dos festivais populares que tinham há
muito tempo sido reservados para marcar o dia mais curto do ano no Hemisfério
Norte. Assim, em Roma, o dia 17 de dezembro tinha sido celebrado como o dia
pagão das festividades, conhecido como Saturnália, mas esse dia de regozijo
acabou sendo tomado à força pelos cristãos e mudado para 25 de dezembro, quando
foi proclamado ser o dia do nascimento de Cristo. Mesmo quando Roma decidiu de
uma vez por todas celebrar o atual dia de Natal, os cristãos em Jerusalém
aderiram, ao contrário, ao dia 6 de janeiro.
Como o dia do nascimento de Cristo, o dia especial reservado
a Maria, a mãe de Cristo, demorou a achar um lugar no calendário cristão. Em
431, o Conselho de Éfeso deu a Maria um papel de honra; e o seu dia, 25 de
março, cada vez mais tornou-se conhecido como o Dia da Anunciação. À medida que
crescia o culto a Maria, um culto de menos vulto se desenvolveu em torno de sua
própria mãe, Ana: e um dia chamado de "a concepção de Santa Ana"
acabou sendo reverenciado na cidade italiana de Nápoles. Por centenas de anos,
Maria recebeu mais veneração nas igrejas do oriente do que nas do Ocidente.
O cristianismo lentamente adaptou alguns de seus rituais
vindos da vida cotidiana dos romanos. Por exemplo, quando um bebê romano
chegava ao seu oitavo dia, alguns grãos de sal eram colocados em seus
pequeninos lábios, na fé de que o sal afastaria os demônios que poderiam, do
contrário, prejudicar a criança. Quando a igreja cristã, em seu início,
batizava seus novos seguidores, ela benzia um bocado de sal e, imitando o
costume romano, dava-o aos batizados. Isso era para manter o ensinamento de
Jesus que, sabendo como os pobres desperdiçavam no uso do sal, escolheu o sal
como símbolo para o que era precioso e raro. Quando foi às montanhas, disse a
seus discípulos: "Vós sois o sal da terra".
Em muitos dos lugares em que grandes quantidades de cristãos
se reuniam, eles se envolviam em debates animados entre si. Discutiam porque
vinham de vários partes do Império Romano, discutiam porque Cristo às vezes
falava em parábolas e não deixava muito claro seu significado para aqueles que
ouviam sua mensagem em segunda mão, discutiam porque confiavam naqueles que,
depois da morte de Cristo, escreveram seus ensinamentos e ofereceram visões
conflitantes do mesmo sermão ou milagres. E, às vezes, os cristãos discutiam
entre si porque cada um lia nas palavras de Cristo o que eles próprios queriam
ler. Ainda assim, um sinal de unidade era inegável; os viajantes geralmente se
sentiam em casa, pelo menos em espírito, quando entravam numa igreja cristã
longe de casa.
Por pelo menos quatro séculos, o cristianismo era como um
metal quente despejado de fornos em moldes de formatos variados. Às vezes, um
forno quase explodia ou o fogo era apagado. Frequentemente, os fornos eram
remodelados e, muitas vezes, eram ampliados. Os moldes eram mudados repetidas
vezes, de forma que se os primeiros seguidores de Cristo tivessem voltado a
viver novamente, não teriam reconhecido muito bem muitas das crenças e rituais
da igreja que eles tinham ajudado a fundar. Teriam ficado mistificados por
outro fato: o fim do mundo, tão iminente em seus olhos e um estímulo tão
insistente em suas profundas crenças, ainda esperava no futuro.
Enquanto isso, a cidade de Roma estava deixando de ser o
coração do vasto império. Os exércitos do império e sua procissão de generais
famosos começaram a substituir as velhas instituições de Roma como centro do
poder. Além disso, a cidade era sitiada muito longe em direção à extremidade
ocidental de um império cuja verdadeira riqueza e equilíbrio da população
ficava na extremidade oposta do Mar Mediterrâneo. Consequentemente, no ano 285,
o império foi dividido, por facilidade administrativa, em dois: o Império do
Ocidente, governado a partir de Milão, e o Império do Oriente, governado a
partir da cidade de Nicomédia, localizada no Mar de Mármara, a cerca
de 100 quilômetros a leste da atual cidade de Istambul, florescendo,
em pouco tempo, com majestosos prédios.
Na história, muitos acontecimentos fundamentais são moldados
por forças, movimentos e fatores escondidos, mas, ocasionalmente, uma pessoa
quase sozinha muda a direção do mundo. Um menino que vivia na cidade de
Nicomédia em seus anos de maior orgulho, quando batalhões de pedreiros
praticamente se atropelavam, veio a ser um desses moldadores de grandes
acontecimentos. Constantino era o filho de um oficial de exército que subiu de
cargo rapidamente e tornou-se o imperador da metade ocidental do império.
Quando o imperador Constantino foi morto em batalha em York, na Inglaterra, em
306, o filho, com um pouco mais de 20 anos, foi aclamado pelo exército como
sucessor de seu pai. Constantino provou ser um grande general. Para a surpresa
de muitos, ele era extremamente solidário com o cristianismo. Na França, seis
anos depois, ele se converteu. Em suas campanhas militares, daí em diante,
trazia consigo uma capela portátil que seus serventes podiam rapidamente
instalar dentro de uma barraca, possibilitando, assim, que os serviços
religiosos fossem realizados para ele e seus companheiros em questão de poucos
minutos.
Constantino acreditava que o cristianismo era
intrinsecamente adequado a ser seu aliado. Não desejava dominar o Estado, por
já estar há muito tempo acostumado a um papel mais humilde. Com a tendência de
ser internacionalista, não mostrava o fervoroso sinal nacionalista às vezes
visível no judaísmo. Podia se encaixar perfeitamente num império multirracial.
Por tratar todos de forma igual, o cristianismo parecia bastante adequado a um
império que consistia de gregos, judeus, persas, eslavos, germanos, ibéricos,
romanos, egípcios e muitos outros. Seu único defeito era que nem sempre
demonstrava respeito ao imperador e sua pretensão à divindade; mas, uma vez que
Constantino se tornou cristão, esse defeito foi automaticamente eliminado.
Na história do cristianismo, nenhum acontecimento sequer,
desde a crucificação de seu fundador, foi tão influente quanto a mudança de
atitude do jovem imperador Constantino no ano 312 d.C. Ele oferecia tolerância
cívica aos cristãos, e restaurou propriedades que tinham sido confiscadas
deles. Com sua mãe, começou a construir grandiosas igrejas, uma das quais tão
distante quanto Jerusalém.
Até então, os cristãos provavelmente não constituíam mais do
que um em cada 12 habitantes do vasto Império Romano, mas agora, de repente
sentados numa posição privilegiada ao lado do imperador, seus adeptos
rapidamente se multiplicaram. Pela primeira vez, havia mais pessoas dentro do
império frequentando os cultos de adoração cristãos aos domingos do que as
sinagogas aos sábados. Os residentes das cidades que um dia podem ter escarnecido
dos cristãos achavam-se perguntando se, no novo clima religioso, eles poderiam
ganhar promoção ou favores seculares se fossem vistos frequentando um local de
adoração cristão.
Em comparação, as sinagogas, que às vezes tinham estado a
favor dos governadores romanos, eram agora desprezados. Em menos de um século,
os judeus perderam seu direito de casar-se com cristãos, a não ser que mudassem
de religião, e perderam seu direito de servir ao exército. Não podiam tentar
converter outras pessoas a sua religião; em vários lugares, as multidões
destruíam sinagogas. Os padrinhos do cristianismo foram, na verdade, declarados
ilegítimos. Na era anterior, alguns judeus em algumas cidades tinham tentado
prejudicar os cristãos, voltando as autoridades romanas contra eles. Mas, agora
a banda tocava do outro lado, e tocava mais alto e cada vez mais.
Constantino não era bem um cristão ortodoxo (ele colaborou
para que seu filho fosse morto) mas não se desviou de sua crença de que Deus
estava a seu lado. Havia só uma religião para seus olhos e aqueles que não
aderissem a ela eram uma ameaça ao império. Tornou-se ainda mais fervoroso em
sua fé.
Constantino morreu em 337 e foi enterrado na cidade ainda
pequena de Constantinopla, que ele havia planejado. O auge de Roma havia
nitidamente passado e havia perdido sua supremacia para essa nova cidade do
Oriente.
[...]
BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do mundo.
São Paulo: Fundamento Educacional, 2004. p. 82-85.
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