Sítio arqueológico da Pedra Pintada, estudado por
Peter Lund em 1843.
A partir de 1808, com a chegada da corte portuguesa ao
Brasil, abriram-se as portas para a vinda de estrangeiros ao país.
Comerciantes, artistas, imigrantes, além de naturalistas viajantes de várias
partes do Velho Mundo, obtiveram autorizações para investigar e (re) descobrir
o Brasil. Nesse cenário, pode-se ressaltar a vinda do naturalista dinamarquês
Peter Wilhem Lund, que por mais de dez anos realizou pesquisas sobre fósseis de
animais extintos nas cavernas de Lagoa Santa, em Minas Gerais, sendo hoje
intitulado "pai da paleontologia brasileira". Lund também foi o
primeiro a pesquisar restos humanos encontrados nos abrigos e nas cavernas da
região, que levaram o naturalista à formulação de hipóteses ousadas para a
época.
Poucos naturalistas, na segunda metade do século XIX, se
aventuraram a vir ao Brasil sem passar por Lagoa Santa, aquele acanhado arraial
transformado pelo "sábio dr. Lund" no polo nevrálgico da pré-história
americana. Da mesma forma, as diversas pesquisas efetuadas posteriormente na
região foram estimuladas pelas ideias arrojadas de Lund.
Em 1825, Lund desembarcou no Rio de Janeiro, à época capital
do império português. Inicialmente, as motivações para a sua viagem estavam
concentradas na coleta de informações sobre botânica e zoologia. [...] Logo em
seguida, o interesse particular de Lund interagiu com o domínio público, já que
foi encarregado de enviar coleções de animais e plantas para o Museu Real de
seu país.
[...]
O retorno de Lund à Europa lhe proporcionou o encontro com
célebres naturalistas. Em sua passagem por Paris, Lund frequentou as preleções
de Georges Cuvier sobre história natural, no College de France. As ideias desse
paleontólogo o influenciaram de maneira decisiva. Grande parte de suas
publicações sobre paleontologia é guiada pelos princípios fundamentais do
catastrofismo, que tinha em Cuvier seu principal formulador. Essa teoria
sustentava que o planeta, tal qual o conhecemos hoje, resultou de grandes
cataclismos consecutivos. Postulava também que essas catástrofes teriam
destruído a maior parte ou toda a vida animal e vegetal em vastas regiões do
planeta. Segundo o pensamento de Cuvier, essas áreas destruídas seriam repovoadas
por novos organismos de aparência mais moderna, resultado de episódios mais
recentes da criação divina. [...]
Hospedado na Fazenda Porteirinha, de seu patrício, Lund foi
levado por Claussem para conhecer uma caverna denominada Lapa Nova de Maquiné,
na qual foram revolvidos ossos fósseis durante a extração de salitre. [...]
[...]
A existência de ossadas fósseis nas cavernas do interior do
Brasil já tinha sido revelada brevemente pelo padre Aires de Casal no início do
século XIX, que comentou sobre ossos de animais gigantescos (possivelmente
mastodontes) encontrados perto do rio das Contas, na Bahia. [...] Mas foram os
naturalistas Karl Friedrich Phillip von Martius e Johann Baptist von Spix que
descreveram os primeiros fósseis das cavernas de Minas Gerais, identificados na
Lapa Grande, nos arredores de Formiga, atualmente Montes Claros. Foram
revelados ali, durante as escavações para a retirada de salitre, ossos de anta,
de quati e de preguiça-gigante.
[...]
Na sua segunda passagem pela região de Curvelo, Lund visitou
dezenove cavernas, mas somente duas forneceram restos fossilizados de animais.
Para a satisfação do naturalista, a Lapa Nova de Maquiné proporcionou vários
ingredientes para um ótimo início de pesquisas. Lund, na realidade, explorou
pela primeira vez os extensos e amplos salões mais profundos de Maquiné. De
forma comovida, descreveu a beleza natural da caverna, como também relatou a
descoberta de seus primeiros fósseis e vestígios arqueológicos. [...]
[...] a partir de 1835 Lund fez dezenas de explorações nos
maciços calcários da região, onde se situavam as cavernas. Essas explorações
possibilitaram o reconhecimento de mais de oitocentos sítios com potencial
paleontológico, nos quais foram coletados mais de 12 mil espécimes, entre
fragmentos e ossos completos, pertencentes a 100 gêneros e 149 espécies
extintos, dentre os quais mastodontes, paleolhamas, tigre-dentes-de-sabre,
ursos de cara curta, gliptodontes (animais gigantescos aparentados com tatus)
e, principalmente, preguiças-terrícolas [...].
A pesquisa do naturalista acompanhava o ritmo das estações
climáticas do cerrado, ou seja, na estiagem do inverno fazia suas escavações
nas cavernas e, nas chuvas de verão, limpava, catalogava e analisava a fauna
escavada. Lund produziu cinco "Memórias" sobre a fauna das cavernas
de Lagoa Santa, além de cartas sob forma de relatos científicos. Descreveu e
nomeou diversas espécies de mamíferos. Nessa tarefa, no entanto, encontrou
obstáculos, diante das dificuldades de acesso a revistas científicas atualizadas
sobre anatomia comparada e a uma coleção de esqueletos de referência. [...] O
número de espécies extintas determinadas por Lund ou por outros pesquisadores,
baseados no material coletado em suas escavações, chega a 32, merecendo
destaque a preguiça-gigante (Eremotherium laurillard), o temido
tigre-dentes-de-sabre (Smilodon populator) e o cavalo americano (Hippindion
principale). [...]
Após quase uma década de intensa investigação, Lund estava
ciente de sua grande contribuição para o estudo da fauna vivente e da extinta,
encontrada nas cavernas de Lagoa Santa, mas dois assuntos ainda o instigavam
profundamente: as idades relativas dos fósseis animais e humanos e a possível
convivência, ali, entre o homem e os grandes mamíferos extintos. [...]
Entre os dias 29 de agosto e 10 de setembro de 1843,
aproveitando uma forte estiagem que ocasionou o esvaziamento da Lagoa do
Sumidouro, Lund teve a oportunidade de revelar um verdadeiro baú de ossos. A
gruta, localizada no sopé de um maciço calcário cinza-avermelhado que margeia
parcialmente uma lagoa, fica quase toda submersa durante boa parte do ano,
impossibilitando a exploração de suas câmaras mais internas. [...]
[...] No Sumidouro, Lund formulou, então, ideias que, na
verdade, estavam sendo organizadas por Charles Lyell, na Inglaterra acerca da
transformação lenta e contínua das formações geológicas. No entanto, no mesmo
estudo, ainda fez uso do termo "mundo antedeluviano", quando
descreveu os mamíferos encontrados na caverna. [...]
[...]
[...] Lund percebeu dois aspectos de grande importância
sobre a ocupação do continente americano: em primeiro lugar, que essa ocupação
teria ocorrido muito antes do que se pensava à sua época, o que permitiu a
convivência do homem com a megafauna; segundo, que os primeiros americanos
tinham uma constituição biológica distinta daquela dos asiáticos e dos
ameríndios que os sucederam no tempo. [...]
NEVES, Walter Alves; PILÔ, Luís Beethoven. O povo de
Luzia: em busca dos primeiros americanos. São Paulo: Globo; Paris: UNESCO,
2008. p. 97-117.
Nenhum comentário:
Postar um comentário