Bosquímanos, caçadores africanos
O cenário da história é o cenário da atividade humana: o
meio físico em que se desenvolve a vida dos homens e das mulheres. Seu estudo
comporta um duplo enfoque: o das relações do homem com o meio e o da
identificação das suas atividades. Antes, os historiadores ocupavam-se apenas
da distribuição humana no espaço: da "geografia histórica". Nos
últimos anos, porém, aprenderam a ver a importância da relação transformadora
do homem com o meio natural que o rodeia.
[...]
Talvez haja quem pense que a relação do homem com seu meio
físico é uma questão que deve ser considerada do ponto de vista das ciências
naturais e que tem pouco a ver com a história. Não é assim. Não só porque o
meio é um condicionante da evolução das sociedades humanas - por exemplo, a
abundância ou escassez de combustíveis naturais trouxe implicações em diversos
países -, mas também porque as sociedades influem, por sua vez, em seu meio: as
relações do homem com o meio devem ser estudadas também, sob ponto de vista
cultural e histórico.
Os homens de nossa cultura - a dos europeus e de seus
descendentes instalados em outros continentes - viram, tradicionalmente, a
natureza como algo que lhes havia sido dado para estar a seu serviço e, não
como um meio de que formavam parte: a conquista e o domínio da natureza
apresentam-se normalmente como sinais indiscutíveis de progresso. Há outras
civilizações, ao contrário, que aprenderam a viver em equilíbrio mais efetivo
com seu meio, a utilizá-lo de uma forma distinta, menos exploradora. Esse é o
caso, por exemplo, das civilizações americanas anteriores à conquista
espanhola, como mostra a utilização combinada de pisos ecológicos dos Andes
pelos povos peruanos, a forma em que os indígenas da Amazônia aprenderam a
explorar a mata com critérios conservacionistas ou à agricultura dos maias.
A ação do homem sobre o meio é muito complexa, porém, não se
pode dizer que os europeus procederam com a sensatez neste terreno. Quando se
fala dos "intercâmbios" entre a Europa e os continentes
"descobertos", por exemplo, nos limitamos a fazer um inventário das
espécies animais e vegetais que passaram de um a outro. Porém, a atuação dos
europeus sobre o meio físico das novas terras a que chegaram foi muito além da
introdução de espécies úteis, levando pragas, ervas daninhas e presentes de
valor duvidoso, como o rato ou como alguns animais domésticos, que se tornaram
selvagens em muitos lugares, como os cavalos e os cachorros [...]. No pampa
argentino, só a quarta parte das plantas que crescem espontaneamente são
nativas. As ervas daninhas foram um elemento essencial do imperialismo
ecológico europeu [...]
Quando dizemos que os europeus adaptaram o ecossistema dos
outros continentes às suas necessidades, estamos entendendo que ocorreu a
introdução de uma agricultura mais avançada em substituição a uma exploração
mais primitiva (é, por exemplo, o argumento utilizado para justificar a
expoliação e o extermínio dos índios norte-americanos). Frequentemente não foi
assim. Em locais como o México e o Peru, os sistemas agrários indígenas estavam
adaptados ao meio e às mudanças imprudentes realizadas pelos colonizadores
provocaram um retrocesso. [...]
Tudo isso deve servir ao historiador para que ele compreenda
que a relação do homem com a natureza é muito complexa. Não podemos nos
conformar em vê-lo como um conquistador que luta para dominá-la, nem basta
deplorar o impacto nocivo de sua intervenção; devemos esforçar-nos em entender
que, entre o homem e o meio, há uma relação de simbiose, ou melhor, de
pertencimento. Que o homem está na natureza, porque é parte dela: que sua
própria evolução é estreitamente delimitada pelas possibilidades que lhe
oferece o meio em que vive. Não poderíamos entender muitos episódios de
ascensão e decadência dos povos na história se deixássemos de considerar
informações tão essenciais como as que se referem às relações das sociedades
com seu meio.
FONTANA, Josep. Introdução ao estudo da história
geral. Bauru, SP: EDUSC, 2000. p. 9, 31-33.
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