"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 28 de março de 2013

Mulheres trabalhadoras no Ocidente entre 1875 e 1914


Mulheres trabalhando numa fábrica de armamentos durante a Primeira Guerra Mundial

Em suma, essa parte do mundo agora experimentava, nitidamente, a assim chamada "transição demográfica" a partir de alguma variante do antigo padrão moderno do baixo índice de natalidade compensado pela baixa mortalidade. Precisamente como e por que sobreveio esta transição, é um dos maiores enigmas com que se defrontam os historiadores de demografia. Historicamente falando, o acentuado declínio da fertilidade, nos países "desenvolvidos", é absolutamente novo. A propósito, a ausência, em grande parte do mundo, de um declínio conjunto da fertilidade e da mortalidade explica a espetacular explosão da população global, desde as duas guerras mundiais: pois, enquanto a mortalidade tem caído extraordinariamente, em parte devido à melhora do padrão de vida, em parte pela revolução na medicina, o índice de natalidade, na maior parte do Terceiro Mundo, permanece alto e apenas está começando a declinar após o intervalo de uma geração.

No Ocidente, o declínio das taxas de natalidade e o de mortalidade eram melhor coordenados. Ambos, evidentemente, afetavam a vida e os sentimentos das mulheres uma vez que o mais notável desenvolvimento relativo à mortalidade era a queda acentuada da mortalidade dos bebês de menos de um ano, fato que se tornou inequívoco durante as últimas décadas que precederam 1914. [...] Não obstante, é razoável supor que o fato de ter menos filhos foi, na vida das mulheres, uma mudança mais notável do que a de ver sobreviverem mais filhos seus.

[...] mesmo durante o período de rápido crescimento populacional nos séculos XVIII e XIX, a taxa de natalidade europeia, nos países "desenvolvidos" e em desenvolvimento do Ocidente, era mais baixa do que a do Terceiro Mundo no século XX; e a taxa de crescimento, por mais espantosa que seja pelos padrões do passado, era mais modesta. Não obstante, e a despeito de uma tendência geral, embora não universal no sentido de uma proporção maior de mulheres se casarem e de o fazerem mais jovens, o índice de natalidade baixou: ou seja, o controle deliberado da natalidade deve ter-se difundido. [...]

Outrora, decisões tais como estas haviam sempre formado parte da estratégia da manutenção e extensão dos recursos familiares, o que significava - dado serem os europeus, em sua maioria, gente do campo - a salvaguarda da transmissão das terras, de uma geração para que lhe sucedia. Os dois mais surpreendentes exemplos de controle da progênie, a França pós-revolucionária e a Irlanda pós-fome, foram, principalmente devidos à decisão dos camponeses ou dos fazendeiros de impedir a dispersão do patrimônio familiar, reduzindo o número de herdeiros em condições de reivindicar parte dele [...]

As novas formas de controlar a dimensão da família não eram, quase certamente, devidas aos mesmos motivos. Nas cidades, sem dúvida, eram estimuladas pelo desejo de um padrão de vida mais alto, particularmente entre as classes médias baixas que se multiplicavam e cujos membros não se podiam permitir ao mesmo tempo a despesa decorrente de uma grande ninhada de criancinhas e o acesso a uma oferta maior de bens de consumo e serviços, agora disponíveis, pois no século XIX ninguém, exceto os velhos indigentes, era mais pobre que um casal com escassos rendimentos e a casa cheia de crianças. Também eram devidas às mudanças que, a esta altura, tornavam as crianças um fardo cada vez maior para os pais, uma vez que frequentavam a escola ou recebiam treinamento durante um prolongado período, permanecendo, portanto, economicamente dependentes. As proibições relativas ao trabalho de menores e a urbanização do trabalho reduziram ou eliminaram o modesto valor econômico representado pelas crianças para os pais, por exemplo, em fazendas onde podiam se tornar úteis.

Ao mesmo tempo, o controle da natalidade indicava significativas mudanças culturais, seja em relação às crianças quanto ao que homens e mulheres esperavam da vida. Se os filhos deviam ser mais bem-sucedidos que seus pais - e, para a maioria das pessoas, na era pré-industrial, isto não fora possível nem desejável - era preciso que tivessem melhores oportunidades na vida; e famílias menores tornavam possível dedicar mais tempo, mais cuidados e mais recursos a cada um dos filhos. Assim como, sob um aspecto, um mundo de mudança e de progresso abriria oportunidades de melhoria social e profissional de uma geração para a seguinte, poderia, igualmente, ensinar aos homens e às mulheres que sua vida não estava limitada a ser uma réplica da de seus pais. Os moralistas reprovavam os franceses, com suas famílias de apenas um filho ou dois; não pode haver dúvida, porém, de que na privacidade da conversa sobre travesseiros, isso sugeria novas possibilidades aos casais.

O aumento do controle da natalidade indica, portanto, certa penetração de novas estruturas, valores e expectativas na esfera das mulheres trabalhadoras ocidentais. Não obstante, a maioria delas foi afetada apenas marginalmente por esse fato.

HOBSBAWN, Eric J. A era dos impérios: 1875-1914. São Paulo: Paz e Terra, 1992. p. 272-275.

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