Mulheres trabalhando numa fábrica de armamentos durante a Primeira Guerra Mundial
Em suma, essa parte do mundo agora experimentava,
nitidamente, a assim chamada "transição demográfica" a partir de
alguma variante do antigo padrão moderno do baixo índice de natalidade
compensado pela baixa mortalidade. Precisamente como e por que sobreveio esta
transição, é um dos maiores enigmas com que se defrontam os historiadores de
demografia. Historicamente falando, o acentuado declínio da fertilidade, nos
países "desenvolvidos", é absolutamente novo. A propósito, a
ausência, em grande parte do mundo, de um declínio conjunto da fertilidade e da
mortalidade explica a espetacular explosão da população global, desde as duas
guerras mundiais: pois, enquanto a mortalidade tem caído extraordinariamente,
em parte devido à melhora do padrão de vida, em parte pela revolução na
medicina, o índice de natalidade, na maior parte do Terceiro Mundo, permanece
alto e apenas está começando a declinar após o intervalo de uma geração.
No Ocidente, o declínio das taxas de natalidade e o de
mortalidade eram melhor coordenados. Ambos, evidentemente, afetavam a vida e os
sentimentos das mulheres uma vez que o mais notável desenvolvimento relativo à
mortalidade era a queda acentuada da mortalidade dos bebês de menos de um ano,
fato que se tornou inequívoco durante as últimas décadas que precederam 1914.
[...] Não obstante, é razoável supor que o fato de ter menos filhos foi, na
vida das mulheres, uma mudança mais notável do que a de ver sobreviverem mais
filhos seus.
[...] mesmo durante o período de rápido crescimento
populacional nos séculos XVIII e XIX, a taxa de natalidade europeia, nos países
"desenvolvidos" e em desenvolvimento do Ocidente, era mais baixa do
que a do Terceiro Mundo no século XX; e a taxa de crescimento, por mais
espantosa que seja pelos padrões do passado, era mais modesta. Não obstante, e
a despeito de uma tendência geral, embora não universal no sentido de uma
proporção maior de mulheres se casarem e de o fazerem mais jovens, o índice de
natalidade baixou: ou seja, o controle deliberado da natalidade deve ter-se
difundido. [...]
Outrora, decisões tais como estas haviam sempre formado
parte da estratégia da manutenção e extensão dos recursos familiares, o que
significava - dado serem os europeus, em sua maioria, gente do campo - a
salvaguarda da transmissão das terras, de uma geração para que lhe sucedia. Os
dois mais surpreendentes exemplos de controle da progênie, a França
pós-revolucionária e a Irlanda pós-fome, foram, principalmente devidos à
decisão dos camponeses ou dos fazendeiros de impedir a dispersão do patrimônio
familiar, reduzindo o número de herdeiros em condições de reivindicar parte
dele [...]
As novas formas de controlar a dimensão da família não eram,
quase certamente, devidas aos mesmos motivos. Nas cidades, sem dúvida, eram
estimuladas pelo desejo de um padrão de vida mais alto, particularmente entre
as classes médias baixas que se multiplicavam e cujos membros não se podiam permitir
ao mesmo tempo a despesa decorrente de uma grande ninhada de criancinhas e o
acesso a uma oferta maior de bens de consumo e serviços, agora disponíveis,
pois no século XIX ninguém, exceto os velhos indigentes, era mais pobre que um
casal com escassos rendimentos e a casa cheia de crianças. Também eram devidas
às mudanças que, a esta altura, tornavam as crianças um fardo cada vez maior
para os pais, uma vez que frequentavam a escola ou recebiam treinamento durante
um prolongado período, permanecendo, portanto, economicamente dependentes. As
proibições relativas ao trabalho de menores e a urbanização do trabalho
reduziram ou eliminaram o modesto valor econômico representado pelas crianças
para os pais, por exemplo, em fazendas onde podiam se tornar úteis.
Ao mesmo tempo, o controle da natalidade indicava
significativas mudanças culturais, seja em relação às crianças quanto ao que
homens e mulheres esperavam da vida. Se os filhos deviam ser mais bem-sucedidos
que seus pais - e, para a maioria das pessoas, na era pré-industrial, isto não
fora possível nem desejável - era preciso que tivessem melhores oportunidades
na vida; e famílias menores tornavam possível dedicar mais tempo, mais cuidados
e mais recursos a cada um dos filhos. Assim como, sob um aspecto, um mundo de
mudança e de progresso abriria oportunidades de melhoria social e profissional
de uma geração para a seguinte, poderia, igualmente, ensinar aos homens e às
mulheres que sua vida não estava limitada a ser uma réplica da de seus pais. Os
moralistas reprovavam os franceses, com suas famílias de apenas um filho ou
dois; não pode haver dúvida, porém, de que na privacidade da conversa sobre
travesseiros, isso sugeria novas possibilidades aos casais.
O aumento do controle da natalidade indica, portanto, certa
penetração de novas estruturas, valores e expectativas na esfera das mulheres
trabalhadoras ocidentais. Não obstante, a maioria delas foi afetada apenas
marginalmente por esse fato.
HOBSBAWN, Eric J. A era dos impérios: 1875-1914.
São Paulo: Paz e Terra, 1992. p. 272-275.
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