Os aleijados, Pieter Bruegel
[...] A causa da intensa carestia
do custo de vida e das dificuldades encontradas na aquisição de trigo e pão na
cidade e jurisdição de Provins era a grande quantidade de pessoas que havia
nela, das cidades e dos povoados de Bray, de Sens, de Auxerre [...], de
Borgonha, da Champagne, do Bourbonnais [...], pessoas que se lançaram em
multidão através de toda a região de Provins, alguns para comprar trigo e pão,
outros para encontrar trabalho, sem pedir outra remuneração que o pão e a sopa
que lhes garantiam o sustento [...].
[...] É impossível descrever o
infortúnio e a pobreza dessa época miserável, e creio que todo aquele que ler
esta ou qualquer outra história escrita sobre essa carestia e esse período de
fome não conseguirá crer. Dentro das muralhas da cidade de Troyes, na Champgne,
apareceu um grande número de estrangeiros pobres que não pertenciam à cidade
nem à referida região, e os habitantes da cidade não sabiam que medida tomar.
Para se desfazer deles fizeram proclamar pelas ruas que tais estrangeiros não
poderiam permanecer na cidade mais do que vinte e quatro horas, medida acatada
pelos estrangeiros pobres.
Porém, além deles, havia na
cidade uma quantidade ainda maior de pobres que pertenciam à própria cidade e
aos povoados que a circundavam, até o ponto em que os ricos começaram a temer
que se produzisse uma revolta ou uma sublevação dos pobres contra eles e,
visando conseguir expulsá-los da cidade, os homens ricos e os governadores da
cidade de Troyes se reuniram em assembléia, dispostos a encontrar uma solução
para o problema. A resolução deste conselho foi a de que se tinha de expulsar
os pobres da cidade e não admiti-los mais. Para tanto, mandaram assar pão em
quantidade para distribuí-lo entre os pobres, os quais seriam reunidos numa das
portas da cidade sem que soubessem o que se tramava e, distribuindo a cada um a
parte correspondente de pão e uma moeda de prata, os fariam sair da cidade por
aquela porta, que seria imediatamente fechada após passar o último dos pobres,
e, por cima das muralhas, lhes diriam que fossem viver com Deus em outro lugar
e que não mais voltassem à cidade de Troyes antes da colheita seguinte. E assim
foi. Os pobres expulsos depois da distribuição se mostraram horrorizados e
alguns deles, chorando, procuraram um caminho a tomar para chegar a algum lugar
onde pudessem ganhar a vida, enquanto outros amaldiçoavam a cidade e seus
habitantes que assim os expulsaram, olhavam o último naco de pão que lhes havia
sido distribuído e desejavam sua própria morte, muitos ter-se-iam alegrado se a
terra se abrisse sob seus pés e os tragasse.
Poucos dias depois que os
habitantes de Troyes se fizeram valer dessa artimanha para se desfazer dos
pobres da cidade, a doença e a morte caíram sobre eles tão violentamente que
não houve maneira de escapar, e [...] há quem diga que esta morte lhes foi
enviada por Deus como castigo por haverem expulsado os pobres.
Documents inédits de l’Histoire
de France. In: BRAUDEL, Fernand. Las
civilizaciones actuales. Madri: Editorial Tecnos, 1969. p. 359-360.
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