"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quarta-feira, 13 de março de 2013

A cidade na História: produto da terra e do tempo


Bruges, uma típica cidade medieval no norte da Europa

A cidade, como se encontra na história, é o ponto de concentração máxima do poder e da cultura de uma comunidade. É o lugar onde os raios difusos de muitas formas separadas de vida entram em foco, com ganhos tanto em efetividade social quanto em significância. A cidade é a forma e o símbolo de uma relação social integrada: é o assento do templo, do mercado, o palácio da justiça, a academia do aprendizado. Aqui na cidade os bens da civilização são multiplicados e diversificados; aí é onde a experiência humana é transformada em signos viáveis, símbolos, padrões de conduta, sistemas de ordem. Aí é onde as questões da civilização são postas em foco: aí, também, o ritual ganha lugar no drama ativo de uma sociedade plenamente diferenciada e autoconsciente.

Cidades são produto da terra. Elas refletem a habilidade do camponês em dominar a terra: tecnicamente eles apenas se valem de sua habilidade de aproveitar o solo para usos produtivos, ao guardar seu gado para segurança, ao regular as águas que umedecem seus campos, ao providenciar depósitos e celeiros para suas colheitas. Cidades são emblemas daquela vida sedentária que começa com a agricultura permanente: uma vida conduzida com a ajuda de abrigos permanentes, utilidades permanentes como pomares, vinhedos, e para intercâmbio e para novas combinações não dadas nos trabalhos de irrigação, e construções permanentes para proteção e armazenamento.

Cada fase na vida na zona rural contribui para a existência das cidades. O que o pastor, o lenhador e o mineiro sabem se transforma e se "sublima" por meio da cidade em elementos duráveis na herança humana: os tecidos e a manteiga de um, os fossos e açudes de outro, os barris de madeira e tornos do outro, os metais e as joias de um outro são finalmente convertidos em instrumentos da vida urbana: fundamentando a existência econômica das cidades, contribuindo com arte e saber para sua rotina diária. Dentro da cidade a essência de cada tipo de solo, labor e objetivo econômico é concentrada: então surgem grandes possibilidades de intercâmbio e novas combinações não dadas no isolamento de seus habitats originais.

Cidades são produto do tempo. Elas são os moldes nos quais os tempos de vida dos homens são congelados e solidificados, dando forma definitiva, por meio da arte, a momentos que de outra forma desapareceriam com a vida e não deixariam formas de renovação ou maior participação atrás de si. Na cidade, o tempo torna-se visível: construções e monumentos e ruas públicas, mais abertas que o registro escrito, mais sujeitas ao olhar de muitos homens que os artefatos da zona rural, deixam uma marca sobre as mentes, tanto do ignorante quanto do indiferente. Por meio do fato material da preservação, o tempo desafia o tempo, o tempo se choca com o tempo: hábitos e valores sobrevivem ao grupo vivente, marcando em diferentes estratos do tempo o caráter de uma dada geração.

MUNFORD, Lewis. The culture of citiesNew York: Harcourt Brace, 1996. p. 3-4.

Nenhum comentário:

Postar um comentário