Pastagens, Henry F. Farny
Entre as décadas de 1860 e 1880, cerca de metade da atual
área dos Estados Unidos já estava ocupada e era explorada por norte-americanos,
incluindo zonas recém-incorporadas como Kansas e Nebrasca. Cidades como São
Francisco e Sacramento eram bastante movimentadas e a produção agrícola estava
firme no vale do Willamette, Oregon. Entre essas duas "fronteiras",
os povoados da costa do Pacífico e os estados imediatamente a oeste do
Mississipi, estendia-se o chamado "Grande Deserto", uma imensa região
de pradarias, planícies e montanhas, praticamente intocada por qualquer
civilização de origem europeia.
A ocupação dessa "última fronteira" se deu por
várias razões, quais sejam, a liberdade religiosa (no caso dos mórmons) ou o
desejo de obter terras e ouro. Entre 1859 e 1876, houve "corridas do
ouro" para pontos dispersos que mais tarde se tornariam os estados de
Nevada, Colorado, Idaho, Montana, Arizona e Dakota do Sul.
Da noite para o dia, surgiram cidadelas de centenas - por
vezes milhares - de pessoas, entre garimpeiros, prostitutas, mercadores, jogadores,
bandidos comuns, e diversos grupos cujas profissões eram mais bem aceitas para
os rígidos padrões morais do Leste: professores, advogados etc. Passada a
euforia da cata fácil de pepitas na superfície, muitas dessas cidades mineiras
eram, literalmente, abandonadas, transformando-se em cidades-fantasma. Por
vezes, a essa primeira fase seguia-se outra de uma exploração mais sistemática
dos veios de ouro mais profundos, utilizando-se de maquinaria cara. No último
quartel do XIX, as "febres de ouro" norte-americanas duplicaram a
oferta mundial de ouro.
Além da construção dessas cidades, a ocupação do Grande
Deserto levou a novos choques com populações indígenas, culturas que, no geral,
viviam da caça aos búfalos e dependiam de amplos espaços para esse fim. Embora
os indígenas tenham, muitas vezes, massacrado populações "brancas", o
contrário é que provocou um dos episódios mais horripilantes da história
recente dos Estados Unidos. O Massacre de Sand Creek em 1864, por exemplo, em
que foram mortas por um destacamento de tropas federais muitas centenas de
homens, mulheres e crianças de uma tribo que tentava se render.
Os sioux, nação indígena das planícies do Norte, e os
apaches, do Sudoeste, foram os povos que mais resistência bélica ofereceram aos
invasores. O primeiro massacre foi feito pelos sioux em uma população de
"brancos", em Minnesota, em 1862. Durante os anos da Guerra Civil e
década de 1870, os embates com os sioux e muitas outras tribos continuaram,
mesmo que esporadicamente. O último e sangrento combate entre sioux e
norte-americanos estourou em 1876, quando começou a "corrida do ouro de
Dakota". Os garimpeiros acabaram ocupando uma região que havia sido
prometida aos indígenas pouco antes, Black Hills, provocando as primeiras escaramuças.
O conflito terminou apenas em 1890, quando um levante em Wounded Knee, Dakota
do Sul, resultou num massacre da população indígena.
No sudoeste, as guerras com os apaches haviam se prolongado
até a captura de Jerônimo, um dos últimos líderes daquela nação, em 1885.
Mesmo antes do episódio de Wounded Knee, o sistema de vida
dos indígenas havia sido destruído pela dizimação dos búfalos. Desde o governo
Monroe (1817-1825), a política oficial fora transferir os ameríndios para
terras além da "fronteira branca", sempre de maneira inábil e, por
vezes, cruel, gerando campanhas de protesto entre indigenistas nas cidades e
levantes indígenas como os descritos. A crítica mais feroz da política federal
em relação aos nativos foi Helen Hunt Jackson. Seus livros, de grande sucesso,
A Century of Dishonor (1881) e Ramona (1884),
romantizaram as tribulações dos povos indígenas, comovendo boa parte da opinião
pública. De qualquer forma, mesmo os defensores dos indígenas acreditavam que
se tratava de culturas menores ou inferiores e que os nativos deviam ser
trazidos para os "benefícios da civilização branca" e ser assimilados
na "cultura dominante".
Uma bem-intencionada lei, em 1876, previa colocar indígenas
em reservas mais bem estruturadas e montar escolas (normalmente protestantes)
que os alfabetizariam e os introduziriam na sociedade norte-americana. Isso se
provou desastroso, na medida em que não se consultou, em nenhum momento, as
reais necessidades e vontades de nenhuma nação ameríndia, e as terras acabaram
nas mãos de colonos americanos que as usavam para especulação fundiária.
Destruídas as autoridades tribais e submetidas ao Estado, na maior parte das
vezes, ausente, as comunidades indígenas entraram o século XX em grandes
dificuldades. Em 1934, essa política mal orientada foi revogada pela Lei de
Reorganização dos índios, numa tentativa, também desastrada, de "proteger
o que sobrara da vida tribal".
O fim da "cultura das pradarias" começou ainda
mais cedo, com a implantação de gado em terras antes ocupadas por búfalos. O
fim dessa indústria pecuária se deu com as desastrosas nevascas de 1885-86 e
1886-87, quando milhões de cabeças de gado vacum congelaram ou morreram de
fome. Para evitar novos problemas da mesma natureza, os fazendeiros abandonaram
os costumes tradicionais, cercaram as pastagens e contrataram funcionários
fixos para as fazendas, responsáveis pelo conserto de cercas e plantio de
forragem. Morria, dessa forma, a era clássica do vaqueiro norte-americano,
o cowboy que oferecia seu serviço por curtas jornadas e
percorria cidades em uma vida errante e incerta. Esse vaqueiro lendário
reencarnaria na ficção de escritores como Zane Grey, e depois no cinema e
televisão, sempre de forma bastante romanceada.
A ponta de lança desse último impulso de conquista da fronteira,
não foi nem o ouro, nem o gado, mas as estradas de ferro, maiores vendedoras de
terra para colonos, uma vez que tinham interesse em fomentar o assentamento de
populações nas áreas que serviam às ferrovias transcontinentais. Nos últimos
trinta anos do século XIX, mais terra foi colonizada do que em toda a história
americana anterior.
A lenda sobre a "última fronteira" originou-se
ainda em 1893, quando o historiador Frederick Jackson Turner afirmou que, ao
desaparecer a fronteira, em 1890, encerrava-se um período da história do país.
Até aquele momento, para Turner, a fronteira "modelara o caráter e as
instituições do país, servindo também como válvula de segurança para os
descontentes urbanos", dado que muitos marginalizados das cidades teriam
migrado para "fazer o Oeste".
Essa "tese da fronteira" foi contestada por outros
historiadores em produções mais recentes, uma vez que mais terras
governamentais haviam sido postas à disposição da colonização na década que se
seguiu a 1890 do que na década anterior. Essas terras, em sua maioria, ao
contrário da lenda de um território de pequenos agricultores laboriosos e
pioneiros, caíram nas mãos de especuladores. Por último, para desmontar a tese
de Turner e seus seguidores, é preciso lembrar que os trabalhadores urbanos que
tentavam "fazer o Oeste", muitas vezes, vinham sem treinamento,
equipamentos, poupança ou crédito e acabavam seus dias em grandes dificuldades
ou vendendo suas terras a especuladores. Os índices de migração, desde a Guerra
Civil, mostram que a maioria das pessoas que queria fugir da pobreza movia-se
do campo para a cidade e não o contrário.
Seja como for, o legado óbvio desse último Oeste foi, com
seus vigilantes, xerifes de fronteira e associações de criadores de gado, a
criação de uma tradição de justiça rude. Junto da violência, um dos traços mais
evidentes da lenda da fronteira foi a idealização de uma terra de liberdade
individual e de igualdade. Até hoje, em filmes que trabalham com ideias do
senso comum, as pessoas que querem liberdade fazem uma viagem pelo Oeste,
percorrendo suas estradas desertas, pradarias e parando em cidades que há um
bar que reúne todos os tipos de gente e onde a lei é levada pelas "mãos
dos justos".
Luiz Estevam Fernandes e Marcus Vinícius de Moraes. A
conquista da última fronteira. In: KARNAL, Leandro. (org.). História
dos Estados Unidos - das origens ao século XXI. São Paulo: Contexto, 2010.
p. 161-164.
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