As diferenças entre ricos e pobres, que as grandes novidades do Neolítico tinham reforçado, tornaram-se um traço comum a todas as sociedades. Mesmo nas tribos nómadas distinguiam-se famílias nobres que se agrupavam em torno de chefes. Nas cidades-estados, houve sempre "grandes famílias" e gente pobre. Quando o comércio era próspero, as riquezas aumentavam, mas a diferença entre ricos e pobres também aumentava.
Assim, quando os romanos dominavam todo o Mediterrâneo, o comércio fazia afluir a Roma produtos de luxo, como a seda proveniente da China. Os romanos ricos tinham comprado terras que, pouco a pouco, se transformaram em enormes propriedades. Mas os camponeses espoliados comprimiam-se nos bairros pobres de Roma, e numerosos escravos passaram a cultivar esses grandes domínios. [...]
[Os poderes dos grandes chefes feiticeiros] Os chefes fizeram muitas vezes com que as pessoas acreditassem que os seus poderes vinham dos deuses, e tiraram enorme partido disso. Na África negra, nos reinos em que as chefias agrupavam várias aldeias de agricultores, os chefes estavam, em geral, rodeados de funcionários e de parentes que beneficiavam de toda a espécie de vantagens. Entre alguns povos, os chefes trabalhavam na terra como toda a gente. Noutros lados, com o apoio dos feiticeiros, os chefes pretendiam possuir um poder mágico, e cobravam impostos aos seus súbditos. Quando praticavam a justiça ao ar livre, sob um pálio (uma espécie de tecto feito de tecido), os seus conselheiros colocavam-se à sua volta segundo a sua ordem de importância!
Só os clãs que continuavam a viver da caça e da recolecção conheciam, nesse tempo, uma espécie de igualdade, ligada à simplicidade das suas vidas. Este era o caso dos pigmeus das florestas da África central, ou de outros grupos humanos nas grandes planícies da América, nas regiões polares ou na Oceania.
[Um mundo à vontade dos deuses] As pessoas dessas épocas não tinham o sentimento, como nós hoje em dia, de que havia coisas justas e injustas. Tudo dependia das forças invisíveis e dos deuses, e as pessoas infelizes aceitavam a sua situação. A diferença entre ricos e pobres fazia parte da ordem das coisas. É claro que era mais fácil pensar assim. Sobretudo para aqueles que nunca sofriam as dificuldades da vida.
Por fim, quando os mais infelizes já não aguentavam, revoltavam-se. Mas, durante a Antiguidade, tais revoltas acabavam sempre mal, e os pobres eram massacrados pelos soldados do rei ou do chefe. [...]
[Na Índia forma-se uma sociedade de "castas"] Nos tempos que se seguiram à invasão dos arianos, sacerdotes e brâmanes interpretavam os Vedas, os textos sagrados dos arianos. Esses sacerdotes, que tinham um papel importante ao lado dos chefes guerreiros, afirmavam que os seres humanos estavam divididos em três principais grupos separados, ou seja, em três "castas": os brâmanes, os guerreiros e as pessoas responsáveis pela produção (camponeses, artesãos, mercadores). Mais tarde, apareceu uma quarta casta, a dos servidores das outras três. E, mesmo fora das castas, os rejeitados pela sociedade, os intocáveis, praticavam, e ainda hoje praticam, ocupações que continuam a ser consideradas impuras, por tocarem em animais mortos ou em desperdícios humanos. Na realidade, os intocáveis exercem profissões indispensáveis, tais como sapateiros, lavadeiros, trabalhadores dos esgotos e coveiros.
As castas existiam em total separação. Os brâmanes ensinavam as sagradas escrituras, mas também podiam ser funcionários ricos. Os guerreiros faziam a guerra e governavam. Proibiram-se casamentos entre as castas. Os intocáveis eram relegados para o exterior das aldeias.
Na religião dos brâmanes, a única esperança é que a alma encarne, depois da morte, no corpo de um membro de uma casta superior.
O Buda tinha pregado e não-violência e a pobreza nessa sociedade tão dura para os menos favorecidos. O imperador Açoka, depois de ter sido um grande conquistador, converteu-se ao budismo. Este imperador esforçou-se por fazer com que reinasse a paz e a tolerância à sua volta. Mas tal não durou muito. Hoje em dia, o budismo quase desapareceu da Índia.
[A escravatura nas cidades gregas e no Império Romano] As novas religiões, o cristianismo e o islamismo, não puseram fim à escravatura que já existia há muito tempo em volta do Mediterrâneo.
Ser um homem "livre" era aí uma exceção. Que homens e mulheres fossem "escravos", era, até certo ponto, algo de normal. Ora, um "escravo" era um objecto que fazia parte da propriedade de uma família. Também podia pertencer ao Estado ou ao templo de um deus. Mas os escravos não eram todos tratados da mesma maneira.
* Em Atenas, os escravos eram muito numerosos: talvez 400 000, enquanto a população total era de 550 000. Algumas grandes famílias podiam ter mais de cinquenta escravos. Um cidadão pobre, um ou dois. Os escravos na Grécia eram sobretudo prisioneiros de guerra, mas estes também se poderiam comprar em mercados especializados. A sua situação era mais ou menos difícil. Os escravos domésticos não eram muito infelizes. Alguns eram por vezes mais instruídos que os seus senhores e serviam-nos como administradores. Muitos "pedagogos" (professores) eram escravos. Outros eram secretários ao serviço do Estado.
Mas, nas minas de prata, a sua condição era terrível. Muitos desses escravos, alistados à força no exército, acabavam por fugir. Havia inúmeros escravos fugitivos e ofereciam-se recompensas a quem os encontrasse.
* Em Roma, as grandes conquistas fizeram um grande número de escravos. Milhares trabalhavam nas grandes propriedades para um só senhor. Os romanos também os obrigavam a ser "gladiadores", ou seja, a combater até à morte, com animais selvagens ou outros escravos, para o prazer das multidões. Alguns escravos organizaram grandes revoltas, como Spartacus, um antigo pastor. Este conseguiu juntar 100 000 homens, mas acabou por morrer em combate enquanto os seus companheiros foram feitos prisioneiros e torturados até a morte.
Mas certos romanos também tinham o hábito de alforriar, ou seja, tornar livres os seus escravos.
E houve imperadores, como por exemplo Adriano, que tomaram medidas a favor deles. A situação melhorou assim um pouco.
Mosaico romano de Dougga, Tunísia, século II. Os dois escravos carregando jarras de vinho usam vestimenta típica de escravos e amuleto contra mau-olhado no pescoço. O jovem escravo à esquerda carrega água e toalhas, e o da direita carrega um cesto de flores.
[Mesmo os filósofos o achavam "normal"] A escrita não melhorou a vida dos escravos. E os escritores gregos ou romanos raramente tomaram posição contra a escravatura.
A Ilíada e A Odisseia põem em cena um mundo de guerreiros mas também de escravos, servidores das grandes famílias. Quando se lê o texto de Homero, que nos encanta pela sua poesia, não nos apercebemos de que a escravatura seja um assunto para ser discutido.
Os dois grandes filósofos, Platão e Aristóteles, não consideravam os escravos como seres humanos. Nunca desejaram que as suas vidas fossem melhoradas. Platão lamentava o facto de certos escravos serem tão livres como as pessoas que os tinham comprado. E Aristóteles dizia que a guerra permitia vermo-nos livres dos animais selvagens e dos escravos. Ele indignava-se com o facto de que os escravos, "que tinham nascido para servir", se recusassem a obedecer.
Mas, mais tarde, alguns escritores latinos afirmavam que os escravos eram homens e não coisas. Deste modo, o filósofo latino Séneca lembrava a um senhor: "O teu escravo goza do mesmo céu e respira, vive e morre como tu."
[A escravatura na Bíblia e no Corão] As três religiões, judaica, cristã e muçulmana, nunca se preocuparam com o problema da escravatura.
* A Torah (os cinco primeiros livros da Bíblia) fala da escravatura como de uma coisa natural. Mas o profeta Jeremias, no momento em que muitos judeus vão ser deportados para Babilônia pelo rei da Assíria, indigna-se contra certos hebreus por se apossarem de escravos que eles próprios já tinham alforriado (Jeremias 34, 15-17).
* Segundo os Evangelhos, Jesus vivia pobremente e pregava ao ar livre por entre uma multidão de pessoas simples, Ele tinha contra si as pessoas poderosas, escribas, sacerdotes e dirigentes romanos que finalmente o condenaram à morte. Jesus pregava a não-violência. Mas nem ele nem os apóstolos propuseram suprimir a escravatura, fosse na Palestina, fosse nas cidades do mundo mediterrânico. Em contrapartida, para eles, os escravos eram pessoas tais como os seus amos, e não simples objectos. Os primeiros cristãos foram, muitas vezes, escravos.
* O Corão não aconselha a supressão da escravatura, mas aconselha, por vezes, que os escravos devem ser alforriados.
[Na Europa cristã] Durante a longa história da Igreja e dos cristãos, que começa com a morte de Jesus, a escravatura continuou a ser admitida por muito tempo. Desenvolveu-se até, mesmo após as grandes migrações que puseram fim ao Império Romano do Ocidente. Ainda que se tivessem tornado cristãos, os chefes francos traziam numerosos prisioneiros das suas expedições de conquista e de pilhagem; estes tornavam-se escravos nos grandes domínios desses chefes.
Os bispos tentaram em seguida proibir os cristãos de reduzirem à condição de escravos as pessoas que tinham sido baptizadas como cristãs. Mas tal proibição nunca foi respeitada. No leste da Europa, durante muito tempo, os escravos eram capturados e arrebanhados pelos mercadores cristãos e vendidos aos muçulmanos.
[Nos países muçulmanos] Os árabes, antes de Maomé, tinham escravos. Tal como a Torah e o Novo Testamento, o Corão não defendeu a supressão da escravatura. Este estado de coisas manteve-se durante muito tempo nos países muçulmanos. Os escravos eram propriedade dos seus amos mas estes tinham que observar algumas regras. Os escravos casados viviam juntos com os filhos. Os maus tratamentos, em princípio, eram proibidos. Tal como em Roma, os escravos domésticos eram menos infelizes do que aqueles que trabalhavam nos grandes domínios ou nas empresas do Estado. Rebentaram revoltas. No século IX, na Mesopotâmia, deu-se o levantamento dos Zanj, escravos [...] de origem africana, que durou quinze anos. O seu chefe, cognominado "O Encoberto" acabou por ser executado, e os sobreviventes foram assassinados selvaticamente.
A partir do momento em que o islamismo se estendeu da Espanha até à Índia, o tráfico de escravos fez-se em grande escala. Os negros eram capturados na costa oeste da África. As mulheres brancas da região do Cáucaso eram muito procuradas para escravas domésticas.
Mercadores cristãos participavam nesse tráfico ao lado dos mercadores muçulmanos e de certos chefes negros.
[A servidão na Europa] A escravatura acabou por desaparecer na Europa cristã. Mas foi substituída por outra desigualdade, a servidão.
Perante o perigo dos ataques dos vikings e dos húngaros, os camponeses livres pediam a protecção dos senhores instalados nos seus castelos.
Os senhores estavam seguros da obediência daqueles que protegiam. Então libertaram grupos de escravos e instalaram-nos em pequenas propriedades. Os antigos escravos e os antigos camponeses livres eram protegidos pelo senhor, mas tinham de prestar-lhe toda a espécie de serviços. Todos eles se tinham tornado "servos".
No entanto, trabalhavam agora no seu pedaço de terra com mais afinco. E as culturas progrediram, mesmo que uma parte da colheita tivesse que ser entregue ao senhor.
[Os que rezam, os que combatem e os que trabalham] A Igreja, à qual alguns cristãos piedosos tinham cedido enormes propriedades, tornara-se muito rica. Os bispos e os chefes da Igreja pertenciam quase sempre a famílias nobres. Contrariamente, nos campos, a vida dos padres era semelhante à dos camponeses. E, durante muito tempo, estes padres eram casados. Mas não eram estes que dirigiam a Igreja.
Por volta do ano 1000, alguns bispos instruídos escreveram textos defendendo a ideia de que os cristãos estavam divididos em três grupos, três "ordens": os que rezavam (os padres), os que combatiam (os senhores), e os que trabalhavam para sustentar os outros (os camponeses). Os padres e os senhores eram "os superiores"; os camponeses "os inferiores". Era um pouco a mesma divisão que se observava na sociedade indiana, excepto que não havia "intocáveis".
Deste modo, na Europa cristã, a desigualdade era justificada por aqueles que possuíam os conhecimentos, o poder e as riquezas. Diziam que esta era a ordem determinada por Deus desde a criação do mundo, como afirmavam, por seu lado, os brâmanes na Índia ou os chefes feiticeiros na África.
[...]
[Guerras santas e perseguições religiosas] [...] Os combates entre tribos nómadas e povos sedentários, as pilhagens e as conquistas de reinos e de impérios fizeram-se sempre com a ajuda de armas, mesmo se em seguida as lentas misturas entre povos de origens diferentes se puderam produzir com menos violência e, por vezes, de um modo mais feliz.
* Conquistar em nome de Deus e de Alá. No Velho Testamento, Israel, após se ter libertado da escravatura no Egipto, torna-se um povo de guerreiros que conquista a região de Canaã - a Palestina -, repelindo os seus habitantes, e que, em seguida, se terá que defender.
O cristianismo e o islamismo nada fizeram para impedir as guerras. Antes pelo contrário, como cada uma dessas religiões pensava que só ela era a detentora da verdade, isso iria dar aos crentes novas razões para o combate: faziam-no, então, em nome de Deus.
Contudo, Jesus tinha dito no Evangelho: "felizes os 'pacíficos' (os que querem a paz), pois eles serão chamados 'filhos de Deus'." E, no Corão, cada capítulo ou surata começa por "Em nome de Deus clemente e misericordioso", ou seja, "benevolente e que perdoa".
Apesar desses textos, a religião, muitas vezes, serviu-se do espírito de conquista e da vontade de dominar.
- Do lado cristão, a Igreja deu apoio, nas suas guerras contra os não-cristãos - os pagãos -, aos chefes e aos príncipes que aceitassem reconhecer a sua autoridade, como por exemplo Clóvis ou Carlos Magno. O Grande Império Carolíngio alargou-se à custa de massacres e da submissão dos saxónios convertidos à força ao cristianismo.
- A partir da Hégira - a fuga de Maomé para Medina -, as conquistas árabes foram fulgurantes. Num século, da Espanha e de Marrocos até ao rio Indo na Índia, um imenso império muçulmano tinha nascido, em breve partilhado entre vários califas.
* Muçulmanos bastante tolerantes. Nos livros de História de França, insisti-se muito nas pilhagens e nas razias dos muçulmanos, que os cristãos da época chamavam sarracenos. O objectivo dos árabes nas suas conquistas foi primeiramente o de converter toda a gente ao islamismo. Mas logo que os muçulmanos se instalaram no poder, os não-convertidos não ficaram sujeitos a violências. Os cristãos e os judeus tinham que pagar um imposto e isso enriquecia os califas. Mas, como quer uns quer outros pertenciam também ao povo do Livro (a Bíblia), os cristãos e os judeus beneficiavam de uma protecção especial.
O mundo muçulmano englobava as regiões do Médio Oriente onde existiam as mais velhas cidades do mundo e onde o comércio era florescente. No Médio Oriente e na Espanha, os árabes viviam lado a lado com os judeus e com os cristãos. Sábios e filósofos eram aí bastante numerosos.
O mundo muçulmano era assim muito mais variado do que o mundo europeu cristão. Os muçulmanos também se dividiram a propósito das suas crenças e também se guerreavam entre si. Mas, cerca do ano 1000, o mundo muçulmano aceitava melhor os não-muçulmanos que o mundo cristão aceitava aqueles que não eram cristãos.
Certos conquistadores muçulmanos fizeram, no entanto, terríveis razias, como, por exemplo, o califa Al-Mansur nos finais do século X, na parte cristã da Espanha. Um dos mais terríveis foi Tarmelão, de origem turca, que mandou massacrar dezenas de milhares de pessoas na Pérsia e na Índia.
* Na Europa cristã, antes do ano 1000, judeus e cristãos viviam lado a lado. Durante séculos, judeus viveram em boa vizinhança com os cristãos. Depois da sua dispersão pelas cidades do Império Romano, os judeus espalharam-se pelas regiões onde os príncipes se tinham convertido ao cristianismo.
Na época de Carlos Magno, alguns judeus eram grandes viajantes. Estes circulavam por terra e por mar e facilitavam as relações entre o Oriente e os países europeus. Falavam, na maior parte dos casos, várias línguas, a dos francos, dos eslavos, dos espanhóis, mas também o persa, o árabe e o grego. Tal como no mundo muçulmano, os judeus eram então altamente considerados pelos príncipes e podiam viver de acordo com as suas próprias leis.
Por vezes, até os cristãos se convertiam ao judaísmo e certos bispos começaram a inquietar-se. Para eles, os judeus eram pessoas ímpias, infiéis que não queriam reconhecer Cristo nem a autoridade da Igreja. No entanto, a situação dos judeus continuava a ser boa. Eram numerosos na Provença, no condado de Tolosa, e comunidades novas criaram-se nas duas margens do Reno. Tudo iria mudar com a primeira cruzada.
Cavaleiro prestando juramento antes da cruzada. Ca. 1250
* A Cruzada cristã contra os infiéis. Depois do ano 1000, acabaram as invasões dos vikings e dos húngaros. Mas os senhores mantinham ainda um espírito batalhador. Alguns homens da Igreja pensavam que os cristãos não se deveriam combater uns aos outros e tentaram proibir a guerra ao domingo, através da "trégua de Deus".
Para os afastar da Europa, a Igreja propôs-lhes partirem para longe para irem combater na Palestina para "libertar o túmulo de Cristo", caído nas mãos dos muçulmanos de origem turca, os seljúcidas. Prometiam-lhes, se partissem assim em "cruzada", se se tornassem "cruzados", ser-lhes-iam perdoadas todas as suas más acções, ou seja, os seus pecados.
Deste modo, as cruzadas foram guerras imaginadas pelo papa para reconquistar a Palestina e Jerusalém aos muçulmanos.
Para os cristãos, o importante era os lugares santos onde Jesus Cristo tinha morrido. Mas, para os árabes, os cruzados a que eles chamavam "franj", apresentaram-se durante a primeira cruzada como terríveis assassinos. Com efeito, logo que chegaram à Síria, os cruzados destruíram aldeias pacíficas e fizeram perecer a população de Jerusalém através de um horrível banho de sangue.
Cruzados atacam Constantinopla, Geoffreoy de Vilehardouin, Veneza, ca. 1330.
* Os pequenos reinos cristãos no Médio Oriente. Houve oito cruzadas durante duzentos anos. Em 1204, os cruzados pilharam atrozmente Bizâncio, cidade cristã ortodoxa. Os "franj", cristãos da Europa, criaram reinos no Médio Oriente. Mas Jerusalém foi rapidamente reconquistada pelo sultão Saladino. Finalmente, os europeus tiveram que abandonar o Oriente que os tinha maravilhado e instruído. Os árabes, porém, nunca se esqueceram das atrocidades cometidas pelos "franj".
Batalha de Ager: cristãos x muçulmanos. Ca. 1337
* Outras cruzadas na Europa e a Inquisição. Outras cruzadas tiveram lugar na Europa. Primeiro, contra os califas muçulmanos de Espanha. Os cristãos chamaram a esses combates a Reconquista. Esta durou quase quinhentos anos.
Houve também cruzadas contra aqueles que a Igreja apodava de heréticos, aqueles cujas ideias o papa condenava como, por exemplo, os cátaros.
Com efeito, desde que o cristianismo se tornou religião obrigatória, a Igreja foi sempre muito rígida no que dizia respeito ao que se podia ou não se podia acreditar. Os bispos reuniam-se em assembleias, em concílios, para decidirem sobre o que se deveria acreditar. O papa tinha ganho cada vez mais importância.
Para exterminar os heréticos, um monge espanhol, Domingos, criou, em 1231, um terrível tribunal, a Inquisição. Padres interrogavam os suspeitos de não pensarem como recomendava a Igreja. E, se eles não reconhecessem os seus erros, eram queimados vivos numa fogueira.
Joana d'Arc, condenada pela Inquisição, foi queimada como "bruxa" em 1431. Os processos de bruxaria eram raros nessa época. Mas, mais tarde, nos séculos XVI e XVII, milhares de pobres mulheres jovens e velhas foram condenadas e queimadas como bruxas em toda a Europa cristã. E essas nunca foram "reabilitadas" (reconhecidas como inocentes) pela Igreja, como Joana d'Arc em 1456.
* A primeira cruzada foi fatal para os judeus. Cerca do ano 1000 as coisas começaram a ficar mal para os judeus. Muitos cristãos começaram a ficar inquietos. Pensavam que o fim do mundo vinha aí, precedido de toda a espécie de acontecimentos terríveis. Deram então ouvidos às afirmações dos bispos sobre a maldade dos judeus que tinham condenado Jesus à morte. Pensavam que os judeus os ameaçavam e atribuíam-lhes actos de bruxaria e o assassínio de crianças cristãs... Tinham esquecido completamente que o próprio Cristo era judeu!
Mas a infelicidade dos judeus na Europa cristã começou realmente com a Primeira Cruzada. Alguns cruzados, animados pela ideia de irem combater os "infiéis", quiseram, antes de ganhar a guerra santa, começar por matar os infiéis que viviam em terras cristãs. Pilharam e massacraram as pacíficas comunidades judaicas que encontraram pelo caminho.
Horríveis matanças de homens, mulheres e crianças tiveram lugar em Ruão, depois no vale do Reno em Spira, em Worms, em Colónia e em Trèves. Tudo se passou durante o Verão de 1096.
* Perseguições e expulsões. A Primeira Cruzada marcou realmente o início das perseguições aos judeus na Europa cristã. O papa decidiu que estes deveriam trazer uma marca que os distinguisse, uma roda em tecido, a "rodela" sobre os seus fatos. Os judeus começaram, cada vez mais, a agrupar-se em bairros à parte, que se chamaram guetos. No reino de França, o rei Luís IX (São Luís) foi o primeiro a fazê-los usar a rodela. Mais tarde, em 1394, foram expulsos do reino.
No século XIV, uma terrível epidemia de peste devastou toda a Europa. Acusaram então os judeus de terem envenenado os poços e houve novos massacres.
Os judeus, expulsos de Inglaterra e de França, refugiaram-se primeiramente no Império Germânico. Finalmente, foram bem acolhidos na Polônia e na Lituânia pelo rei cristão Casimiro, o Grande.
Numerosas comunidades judaicas foram então estabelecidas no leste da Europa. Estas existiam ainda antes da Segunda Guerra Mundial.
Os judeus tinham podido viver durante séculos na Espanha muçulmana, mas tudo mudou depois da "Reconquista" cristã. Os reis católicos Isabel e Fernando obrigaram todos os judeus que não se quisessem converter ao cristianismo a deixar a Espanha. Algumas famílias viviam aí há mais de mil anos. Os judeus partiram então em grande número, alguns para a Holanda e a maior parte para os países muçulmanos.
Os espanhóis que quisessem permanecer muçulmanos foram também obrigados a partir.
[...]
CITRON, Suzanne. A história dos homens. Lisboa: Terramar, 1999. p. 133-153.
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