Na terminologia técnica internacional da Arqueologia, as casas semi-subterrâneas são denominadas pit-houses. Esse tipo de habitação é um claro exemplo da adaptação de nossos antepassados aos ambientes mais frios do Brasil, sobretudo nas áreas de maior altitude - como as altas encostas e os planaltos da Serra Geral, que alcançam altitudes superiores aos 800 metros acima do nível do mar e onde a temperatura pode descer vários graus abaixo de zero. Além da altitude, as temperaturas médias mais baixas em 3 ou 4 graus que as da atualidade, sobretudo entre os séculos I e XVIII da nossa Era, devem ter influenciado esse tipo de adaptação encontrada apenas entre os povos jê, uma vez que outras populações, habitando lugares com clima igualmente frio, não realizaram construções semelhantes. Os geólogos denominaram uma parte desse longo período entre o início do século XV e o início do século XIX, como a "última idade do gelo". Nos séculos XVII e XVIII, foram produzidos numerosos relatos sobre neve e nevascas nos estados do sul do Brasil. Por volta de 1616, o padre Antônio Ruiz de Montoya, no interior do atual estado do Paraná, registrou a designação guarani para neve: ro'y pýá. Também existe uma designação para neve na língua dos kaingangues, descendentes dos construtores das casas semi-subterrâneas, colhida por Úrsula Wiesemann no seu dicionário Kaingang-Português: kukryèn.
Casas semi-subterrâneas dos kaingangs e xockengs utilizadas antes
dos europeus chegarem ao Brasil. Croqui do arquiteto L. F. M. Pomier
Assentamentos arqueológicos com casas semi-subterrâneas foram encontrados desde Minas Gerais até o Rio Grande do Sul, no vale do rio Jacuí. Os mais antigos sítios arqueológicos foram datados no Rio Grande do Sul, ao redor de mil e 800 AP.
Também existem documentos históricos referentes a habitações desse tipo na fronteira litorânea entre São Paulo e Rio de Janeiro, na Bahia, assim como nas áreas mais altas do rio Xingu, baseados em relatos míticos dos xikrin-kayapós.
Uma parte da casa ficava abaixo da superfície do solo, que era escavado com essa finalidade. Acima da superfície ficava o telhado , que deveria ter a forma côncava, com uma abertura servindo como porta e outra, como chaminé. Um relatório escrito pelo padre jesuíta Antônio Ruiz de Montoya, em 1628, retrata a aparência externa de algumas dessas casas localizadas onde hoje é o oeste paranaense: "são redondas, como fornos". Ou seja, os telhados eram semelhantes aos fornos semi-esféricos feitos de tijolos e barro, como aqueles para assar pão ou fazer carvão. Ainda não sabemos como era a estrutura do telhado, mas conhecemos a sua base de sustentação, feita com alicerce de alguns blocos de pedra para suportar seu peso. Isso nos faz deduzir que o telhado era constituído por uma estrutura de madeira coberta com argila e, possivelmente, gramíneas para melhorar a impermeabilização e o isolamento térmico - a exemplo de habitações semi-subterrâneas encontradas em outras regiões temperadas do mundo -, reduzindo a possibilidade de que o telhado fosse coberto apenas com palha, como deduziram os pesquisadores que trataram da questão até o presente.
Os assentamentos são constituídos em média por duas ou três casas, mas existem vários exemplos, com mais de 10 habitações, alguns alcançando 68. Suas dimensões são variáveis, com as menores medindo ao redor de 2 metros de diâmetro e as maiores atingindo até 20 metros. A profundidade também varia de pouco mais de 1,5 metro até 8 metros, havendo formidáveis casas que podem atingir até 22 metros. Algumas casas foram escavadas em solo rochoso de basalto ou arenito, semelhante ao que se faz em uma pedreira, implicando muitos dias de trabalho. A parede abaixo da superfície do solo geralmente é vertical, resultando que, na maioria das casas conhecidas, havia necessidade de instalar escadas para auxiliar a saída do interior.
Muitas vezes os assentamentos com casas semi-subterrâneas também possuem obras monumentais, como os chamados dançadores (locais planos cercados por uma mureta de terra onde eram realizadas cerimônias diversas) e os montículos onde eram enterrados os mortos. Em muitos casos, topos de morros foram aplanados para a instalação dos dançadores, chegando alguns aos 200 metros de diâmetro. Vários dançadores estão cercados por muretas, aterros com cerca de 50-70 centímetros de altura, que talvez servissem como bancos ou para delimitar esses espaços. Os montículos mortuários variavam de tamanho, podendo ultrapassar os 20 metros de diâmetro e 4 metros de altura, conforme o prestígio do falecido.
Ainda não se sabe com detalhes como era o interior dessas habitações, mas no século XVI o português Gabriel Soares de Sousa, em seu Tratado descritivo do Brasil (1587), relatou haver "fogo de noite e de dia e fazem suas camas de ramas e peles". As escavações arqueológicas irão revelar mais detalhes sobre como seria o contexto e a distribuição interna dos bens dessas habitações. Também não sabemos bem como era a forma dessas aldeias, se teriam outras construções externas e se, no verão, os seus habitantes permaneciam ocupando o interior das casas semi-subterrâneas ou se iriam temporariamente para casas acima da superfície do solo.
FUNARI, Pedro Paulo; NOELLI, Francisco Silva. Pré-história do Brasil. São Paulo: Contexto, 2002. p. 93-96.
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