Autorretrato na fronteira entre México e Estados Unidos, Frida Kahlo.
Em meados do século XIX, México e Estados Unidos travaram uma guerra que deve ser analisada no contexto da expansão territorial norte-americana. Como resultado da derrota, o México perdeu mais da metade de seu território original. A pintora mexicana Frida Kahlo (1907-1954), na obra intitulada Autorretrato na fronteira entre México e Estados Unidos, de 1932, representa a si própria com um vestido colonial e usando colar, que faz referência a um dos deuses da cultura asteca. Há uma grande quantidade de justaposições entre sua roupa, seus adereços e a bandeira de parada cívica do México, que se contrapõem a inúmeros símbolos da moderna cultura norte-americana, representada pelos maquinários e a poluição de uma era industrial. Estes estabelecem para o observador uma ambiguidade quando colocados ao lado de símbolos da cultura asteca, como uma pirâmide e outros ligados à terra e à cultura camponesa. Como bem observou Andrea Kettenmann, "o mundo mexicano é pintado com cores naturais e quentes da terra; nascem flores e mesmo os produtos das esculturas feitas pelos homens e as pirâmides são construídas com materiais naturais. As nuvens do céu mexicano têm o seu correspondente na fumaça que sai das chaminés das fábricas da Ford, enquanto a rica flora, à esquerda, dá lugar a vários itens de equipamento elétrico, à direita em que cabos rasteiros se transformam em raízes, através das quais a energia do chão é sugada. Há o contraste entre a paisagem do antigo México, dominada pelas forças da natureza e pelo ciclo natural da vida, e, do outro, a paisagem morta norte-americana, dominada pela tecnologia". (KETTENMANN, Andrea. Frida Kahlo. 1907-1954. Dor e paixão. Lisboa: Paisagem, 2003. p. 33;)
Diferentemente do que ocorreu no Brasil, país no qual se manteve a unidade territorial construída no contexto da colonização portuguesa, implementou-se a Monarquia e viveu-se uma experiência parlamentarista, o processo histórico do restante da América Latina ao longo do século XIX foi bastante diferente.
Examinar a história da América Latina ao longo do século XIX significa compreender que os movimentos de independência não provocaram profundas transformações na estrutura socioeconômica. Ao contrário, uma das características marcantes da fase que se seguiu à dos movimentos de independência foi a conservação dessa estrutura, isto é, a chamada "herança colonial".
No contexto da organização dos Estados latino-americanos, o ideário liberal, pelo menos em tese, esteve presente. A tradição autoritária e a mais absoluta hegemonia socioeconômica das antigas elites criollas dificultaram a aplicação prática dos princípios liberais.
Assim, na elaboração de suas respectivas constituições, puderam ser identificados os princípios do liberalismo (liberdade, igualdade e divisão de poderes), assim como os conceitos de República e de federalismo (segundo o modelo da Constituição dos Estados Unidos).
No entanto, tanto o modelo federativo quanto a ideia de res publica (coisa pública), assim como os princípios liberais, de uma maneira geral, encontraram sérios limites - também no Brasil - que inviabilizaram sua real aplicação.
O modelo federativo, por exemplo, aplicado à realidade da América Latina, se revelou inadequado, devido, em parte, à falta de tradição de autonomia dos governos locais, secularmente submetidos à Coroa espanhola. Ao federalismo se opôs o unitarismo (centralização), mais associado à cultura política das lideranças latino-americanas.
A exclusão política das camadas populares, resultante da adoção do voto censitário - inspirado nas Constituições liberais de países europeus e dos Estados Unidos -, contribuiu para que o poder político ficasse concentrado nas mãos dos grandes proprietários de terra, núcleo original das oligarquias, predominantemente agrárias, que exerceram, de fato, a hegemonia política ao longo do século XIX e até mesmo em boa parte do século XX. À exclusão política das camadas populares - negros, índios e mestiços - somou-se o preconceito e a discriminação em relação a elas, reforçados por critérios étnicos ("povos de cor") mantidos e legitimados pelas elites "brancas", que se orgulhavam da "pureza do sangue" e de suas origens europeias.
Largo do paço, Rio de Janeiro, Luigi Stallone. A cidade do Rio de Janeiro, capital do Império, no contexto da modernização latino-americana do século XIX, tornou-se um "palco de contrastes": se, por um lado, as ferrovias já se impunham, assim como os bondes utilizados no transporte urbano e a iluminação pública, por outro, graves problemas de saneamento ainda persistiam a ponto de a cidade ser evitada, quando possível, por europeus que visitavam a América do Sul. Nesta pintura, pode-se ver o Largo do Paço, onde localizava-se o Palácio Imperial.
A vida política dos países latino-americanos durante o século XIX foi marcada pela instabilidade política, pela submissão das massas e pelo predomínio das oligarquias rurais.
Diante da ausência de um poder político institucionalizado, no contexto dos movimentos de independência, surgiram os caudilhos, chefes locais que, à frente de exércitos particulares, foram responsáveis por uma tradição militarista que se manteve durante o século XIX, de forma predominante. Os caudilhos vincularam-se aos interesses das oligarquias agrárias e mesmo do capital estrangeiro, pois contribuíram para a perpetuação de uma ordem econômica que, em última instância, vinha ao encontro dos interesses desse capital.
O fenômeno político do caudilhismo foi, portanto, característico da América hispânica ao longo do século XIX e teve suas origens nas dificuldades decorrentes do processo de consolidação de Estados Nacionais unificados com forte poder central.
Assim, ao poder econômico os caudilhos somaram, por seu prestígio militar regional, o poder político.
Contribuíram, dessa forma, para que o militarismo, a instabilidade política, o desrespeito à ordem constitucional, a tradição autoritária, os sucessivos golpes militares (pronunciamentos), a desarticulação da sociedade civil e, por conseguinte, a fragilização da própria democracia e da noção de cidadania fossem uma constante na história da América hispânica.
BERUTTI, Flávio. Caminhos do homem. Curitiba: Base Editorial, 2010. p. 225-228.
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