Escavação do aterro Belém (Ilha de Marajó)
Os diferentes tipos de aterros são conhecidos como tesos, murundus e cerritos nas terminologias regionais do Brasil e como mounds na terminologia técnica da Arqueologia. São obras humanas e possuem dimensões e formatos variados, geralmente construídos dentro ou na margem de áreas alagadiças. A decisão de ocupar esses lugares devia-se a pelo menos dois motivos. Poderia ser em razão da oferta de recursos para alimentação, uma vez que esses ambientes alagadiços são riquíssimos em quantidade e variedade faunística - pelo menos em certas épocas do ano, quando há elevação do nível das águas; também podia ser em virtude do aumento da densidade populacional na região que envolvia as próximas às áreas alagadiças, obrigando a ocupação de tais espaços.
A construção dos aterros implicava a extração e transporte de volumes consideráveis de terra e, dependendo do caso, equivalia a verdadeiras obras monumentais, em decorrência da movimentação de muitos milhares de metros cúbicos de sedimentos. Alguns autores consideram que, em certas regiões, a construção dos aterros foi executada sob a direção que centralizaria a organização dos trabalhos, evidenciando a existência de níveis distintos de hierarquia social, com líderes coordenando as construções, em contraposição à ideia generalizada de que não havia distinções sociais e políticas entre os povos indígenas situados no Brasil. Mas também é possível que essas construções fossem realizadas sem uma divisão social do trabalho, com todo o grupo (ou apenas os homens) entrando com a mão-de-obra.
Dentre os mais conhecidos aterros arqueológicos do Brasil podemos citar os tesos ou murundus da ilha de Marajó, os aterros do Pantanal e os cerritos do Rio Grande do Sul e Uruguai. Os tesos eram ocupados ao longo do ano, enquanto os aterros e os cerritos eram ocupados sazonalmente, seguindo a oferta de recursos associados a mudanças climáticas ou a modificações do regime hídrico (cheias/secas). No caso dos aterros, eles eram ocupados na época de cheia e desocupados na vazante, quando seus proprietários iam para outros assentamentos na margem dos rios perenes do Pantanal. No caso dos cerritos, especialmente os que eram estabelecidos próximos das lagoas e cursos d'água, a ocupação ocorria nos meses mais quentes do ano, quando havia maior abundância de recursos aquáticos. Eram desocupados no inverno, quando sua população se dividia para obter recursos em áreas afastadas, no interior.
Em termos de dimensão, os maiores tesos de Marajó podem alcançar cerca de 235 metros de comprimento, por 30 metros de largura e 10 metros de altura. São cerca de 400 sítios conhecidos, uma fração do total que existe, segundo Anna Roosevelt, dividindo-se em grupos com uma quantidade média de três a cinco tesos (às vezes, há mais tesos reunidos). Estes serviriam tanto para escapar das cheias quanto para defesa, onde haveria aldeias que poderiam abrigar um mínimo de mil pessoas, tendo sido construídos entre 1.400 e 400 AP.
No Pantanal, existem milhares de aterros construídos de modo total ou parcial, com dimensões que alcançam cerca de 300 metros de comprimento, 120 metros de largura e até 3 metros de altura. Em muitos casos, os construtores partiam de elevações naturais sobre a planície de inundação para dar início à construção dos aterros. Enquanto nos tesos marajoaras haveria apenas habitações, os aterros pantaneiros teriam menos habitações e ocupantes, mas se diferenciariam pela inclusão dos capões artificiais de mato formados por plantas alimentícias, drogas vegetais e matérias-primas introduzidas, formando verdadeiras "ilhas de recursos" implantadas no meio das planícies campestres alagáveis. Os mais antigos aterros conhecidos até o momento começaram a ser construídos entre 4140 anos e 3920 anos AP, sendo ocupados até o presente.
Ao redor dos complexos lacunares do litoral Atlântico e de algumas áreas da região da Campanha entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai também existem milhares de cerritos. São similares aos aterros pantaneiros, mas foram construídos por populações distintas, a partir de 5 mil AP. Tudo indica que seus ocupantes não praticavam a agricultura da mesma maneira que no Pantanal, mas informações conhecidas até o presente revelam que seus construtores cultivavam matas de palmeiras, principalmente de butiá, em áreas não alagáveis das cercanias. Há casos de conjuntos de dois, três, quatro ou mais cerritos construídos próximos uns dos outros.
FUNARI, Pedro Paulo; NOELLI, Francisco Silva. Pré-história do Brasil. São Paulo: Contexto, 2002. p. 96-98.
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