"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

A relação Mito-História

Júpiter e Tétis, Ingres

Você conhece a Mitologia grega?

E sabe o que é um mito?


O Homem, no seu enfrentamento diário com a Natureza e com os outros homens, tem necessidade de compreender os fenômenos que ocorrem à sua volta: sua atuação, tanto do ponto de vista individual quanto social, exige um conhecimento do mundo que o rodeia. Não sabemos quando, onde, como e por quem foi lançada pela primeira vez a pergunta por quê? No entanto, podemos constatar que os homens sempre procuraram respondê-la, isto é, sempre procuraram compreender os fenômenos.

Sabemos que, em contextos culturais mais primitivos, o Homem se vincula à vida através de uma percepção predominantemente sensorial. É extremamente dependente do meio ambiente: os problemas de sobrevivência lhe tomam todo o tempo; todo os seus sentidos e seu pensamento estão voltados para isso. E não poderia ser de outra forma. Por isso, o Homem primitivo apenas simboliza: criando um conjunto de símbolos para representar a realidade, ele dá respostas aos porquês; as magias, os totemismos, os mitos nada mais são do que uma expressão desse esforço de compreensão do mundo. Portanto, todo o grupo humano no seu enfrentamento com o mundo cria cultura, isto é, cria objetos, para satisfazer a suas necessidades físicas e materiais, e cria ideias, para satisfazer a suas necessidades intelectuais.

Então, o que você pode concluir?

Toda cultura tem sua forma de explicar a realidade. O que varia é a forma de apreensão dessa realidade, e isso depende das possibilidades de o Homem, em uma dada sociedade, com determinadas condições de vida, tomar consciência de si mesmo, de tudo que o cerca e de sua historicidade. Logo, o mito é uma explicação do mundo, fruto de uma apreensão sensorial-afetiva. É uma explicação que incorpora todos os fenômenos em um contexto transcendental, heróico, divino, mágico...

E, o que é mais importante: os mitos, as magias, os totemismos são explicações do mundo vividas e compartilhadas por todos os elementos de um grupo, em um estágio de comunidade primitiva onde o regime de propriedade é coletivo. Assim, a produção intelectual dessas sociedades significa um esforço de compreensão do mundo, cujo resultado é transmitido através de uma linguagem inteligível para todos no grupo... É, sem dúvida, um estágio de pensamento que ainda hoje convive conosco, mesmo nos grandes centros urbanos... Por quê?

Repare! Quando perguntamos se você conhece a Mitologia grega é porque ela representa um primeiro estágio de explicação do mundo dentro da nossa cultura. Estágio que, longe de ser superado, sobrevive simultaneamente com explicações presididas pelo logos, isto é, por uma apreensão racional.

Ora, qual o significado de uma apreensão racional? Quais as condições necessárias ao seu surgimento?

Quando o grupo humano, vivendo sob o regime da comunidade primitiva, conseguiu, através de um aperfeiçoamento técnico, produzir um excedente econômico, criou condições para maior divisão do trabalho. Evidentemente, os elementos do grupo que passaram a ter por função o controle desse excedente econômico assumiram um poder de coação sobre os demais membros do grupo. Ora, essa minoria, cujo trabalho passou a se fundamentar em tarefas de organização e administração, sentiu a exigência de um maior nível de abstração da realidade, além da necessidade de escrever para registrar os dados importantes. Daí, compreendemos que a própria racionalização começava a ser mais uma forma de exercício do poder dessa minoria em relação aos demais membros do grupo, de vez que a linguagem utilizada para expressar os resultados de seus esforços de compreensão do mundo não mais era compartilhada por todos os membros do grupo.

Percebeu, então, quanto é importante para nós, homens do século XXI, procurarmos reviver todos esses momentos de nossa cultura?

Se desejamos realmente crescer como seres humanos, amadurecer emocional e intelectualmente, precisamos superar etapas. Mas isso só será possível quando a totalidade dos homens puder viver todos os níveis de abstração de sua cultura.

O ato de conhecer, que existe no Homem como essência mesmo - na medida em que sem o conhecimento do mundo não poderia sobreviver (sem conhecer as utilidades do fogo, por exemplo, ele não poderia usá-lo) - passou a ser considerado um saber que, se tornando atributo de alguns poucos "eleitos", fez surgir as figuras do sábio, do filósofo, do cientista... Aprofundou-se a hierarquia e a dicotomia entre os que sabiam e os que não sabiam. Na verdade, a dicotomia era entre os que possuíam e os que trabalhavam...

Agora, preste atenção! Voltemos ao termo "História". Evidentemente, a História não foge à análise que fizemos até aqui. A princípio, você pode imaginar, a História esteve associada às lendas e aos mitos, revividos por todos os elementos do grupo através de rituais. Era a forma de o grupo manter viva na lembrança de todos a História - as tradições culturais transmitidas oralmente. Aos poucos, no entanto, foi-se tornando um saber: a vida vivida por todos a ser revivida por alguns através da palavra escrita. E o saber histórico, isto é, a forma de conhecimento da realidade, assumida como ofício por alguns elementos da nossa cultura, é, aqui, o objeto de nossas preocupações.

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AQUINO, Rubim Santos Leão de et alli. História das sociedades: das comunidades primitivas às sociedades medievais. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio, 2008. p. 39-41.

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