"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Revolução Industrial: uma abordagem cultural

"O Quarto Estado", Volpedo

* Revolução Industrial: uma abordagem cultural. As profundas modificações ocorridas na estrutura da sociedade do século XIX tiveram suas raízes na chamada Revolução Industrial que, resultante do emprego de novas técnicas e de novos métodos de produção, provocou no espaço de dois séculos um crescimento econômico mundial excepcionalmente rápido.

Foi em fins do século XVIII na Inglaterra que se aceleraram as inovações técnicas e o desenvolvimento das indústrias. A Inglaterra do século XVIII gozava de uma posição privilegiada: possuía ricas jazidas de carvão e de ferro; ampla rede fluvial fornecia energia hidráulica para movimentar máquinas; excelentes portos escoavam facilmente mercadorias transportadas por uma vasta frota mercante a todos os continentes; a criação de ovelhas em grande escala fornecia matéria-prima para sua indústria têxtil, também suprida pela lã e pelo algodão vindos das colônias. Além disso, a Inglaterra dispunha, devido ao aumento populacional, de farta mão-de-obra para ser empregada nas indústrias, e de grandes capitais provenientes de uma agricultura bastante avançada e lucrativa.

A invenção da máquina à vapor, em 1769, pelo inglês James Watt, coincidindo com o aumento demográfico no mundo todo e, portanto, com maior demanda de mercadorias, foi o marco inicial de uma intensa industrialização. A força motriz do vapor revelou-se de muito superior à força hidráulica, deu impulso decisivo no progresso industrial, conduzindo no aparecimento das fábricas onde é possível a produção em série, e incentivou de início as indústrias têxteis.

Paralelamente ao invento de Watt surgiram os primeiros trilhos e as primeiras locomotivas utilizando a força motriz do vapor para o transporte de carvão, matéria-prima essencial no funcionamento das fábricas. Junto às áreas mineradoras de carvão e de ferro, formaram-se pouco a pouco núcleos industriais.


"Ferro e carvão", William Bell Scott 

A máquina a vapor conduzia a uma revolução nos meios de transporte, marítimos e terrestres. Em 1807 o norte-americano Robert Fulton utilizou a máquina a vapor para mover embarcações destinadas ao transporte fluvial e terrestre, e por volta de 1840 a navegação a vapor transoceânica já havia sido implantada. Em 1814 o inglês George Stephenson, baseando-se nas pequenas locomotivas utilizadas nas minas, construiu uma locomotiva maior capaz de desenvolver a velocidade de 13 km horários, e já em 1829 apresentou novo modelo, chamado foguete, que desenvolvia 40 km por hora, passando a funcionar entre Manchester e Liverpool.

A rápida implantação e evolução das ferrovias transformaram profundamente o cenário econômico, conduzindo a uma maior rapidez nos transportes e nas comunicações, a um maior volume de carga nas viagens, a preços mais baixos para os mercadores, ao desenvolvimento de centros industriais ligados por estradas de ferro. A economia, beneficiada pelo advento da máquina a vapor, passou a beneficiar-se também da melhoria das estradas de rodagem, revestidas de macadame (processo inventado por McAdam), e da abertura de canais navegáveis que diminuíram de modo sensível o custo do transporte de materiais pesados.

Graças às melhores técnicas aplicadas à siderurgia e à mecânica e graça às melhores condições dos transportes marítimos, fluviais e terrestres o ritmo da produção industrial aumentou prodigiosamente barateando o custo de vida, permitindo que um maior número de mercadorias fossem mais acessíveis ao povo. A vida cotidiana tornou-se mais fácil, mais agradável com a fabricação em larga escala de velas e de fósforos, de novas ferramentas e implementos agrícolas, com o invento de máquinas de costura para a confecção de roupas e de calçados.

A adoção de novas máquinas e técnicas na agricultura e a utilização de adubos químicos recém-descobertos transformaram muitas terras de pastagens em áreas cultivadas que proporcionaram altos rendimentos e aumentaram consideravelmente a produção agrícola.

Até meados do século XIX a economia da Europa continental permaneceu agrária, pois a revolução industrial, já afirmada na Inglaterra, só tomou vulto no continente a partir da segunda metade do século.

Na segunda metade do século XIX verificaram-se extraordinários progressos na técnica, os quais determinaram enorme surto industrial; ainda mais extraordinário do que o da fase anterior. Tão importante quanto a máquina a vapor para a primeira fase da industrialização foi, neste período, a aplicação da energia elétrica à indústria. Sucederam-se inventos fundamentais: o dínamo, a lâmpada de iluminação, o telégrafo, o telefone, o cinematógrafo. Por fim, o motor a explosão permitiu o aparecimento do automóvel.


"Eletricidade", Diego Rivera

Entre as novas matérias-primas afirmaram-se o alumínio e o cimento armado. Em virtude desse grande progresso técnico surgiram, ao lado das indústrias têxteis, siderúrgicas e mecânicas, as indústrias químicas e elétricas, e aperfeiçoaram-se outras, como as indústrias de papel e gráfica. O extraordinário barateamento do papel, fabricado segundo novo sistema, e a invenção da rotativa e do linotipo contribuíram para uma grande popularização de jornais e livros, que pela primeira vez estiveram ao alcance de todas as classes sociais.

Ao desenvolvimento industrial já em pleno curso na Inglaterra vieram juntar-se, na segunda metade do século XIX, inicialmente a Bélgica e a França, mais tarde a Alemanha e os Estados Unidos da América – que nesses anos marcaram seu sensacional  progresso econômico – e o Japão, o qual saía do isolamento em que vivem até essa época. O aspecto desses países transformou-se com incrível rapidez. A crescente atividade industrial começou a suplantar, em alguns deles, a atividade agrícola; e a formação de poderosos complexos industriais foi aos poucos sufocando as fábricas isoladas, responsáveis pela primeira fase da industrialização.

* Modificação na estrutura geoeconômica. Os grandes complexos industriais necessitavam, evidentemente, de enormes capitais para equipar suas fábricas de maquinaria adequada e manter assim o baixo preço da produção. Ora, esses grandes capitais não podiam ser fornecidos por uma só pessoa; formaram-se, pois, sociedades anônimas que emitiam obrigações de lucro fixo e ações de lucro variável, permitindo que ricos particulares contribuíssem para o progresso industrial. Organizaram-se, de início na Inglaterra depois na Europa ocidental, companhias de crédito através do intenso desenvolvimento de Bancos, Caixas Econômicas, Companhias de Seguro, Câmaras de Comércio, Bolsas de Valores.

O dinheiro, em somas cada vez mais vultosas, começou a reger toda a economia. O papel desempenhado pelo capital abalou definitivamente as antigas estruturas: artesanato, pequena indústria, pequena produção. O progresso instalou-se de modo rápido em algumas regiões, mais lentamente em outras. Áreas carboníferas, portos fluviais e marítimos, países possuidores de grandes capitais, de mão-de-obra farta já habilitada ao trabalho industrial estabeleceram na Europa fortes contrastes entre o Norte e o Oeste altamente industrializado, o Leste e o Sul predominantemente agrícola.


"Fábricas em Asnieres vistas do cais de Clichy", Vincent Van Gogh

* Modificação na estrutura social. A revolução técnico-industrial teve como efeito melhorar as condições gerais da humanidade; mas foi também causa de graves problemas sociais dela decorrentes. As melhorias refletiram-se no aumento da vida média do homem pela redução da mortalidade (melhores condições de higiene, emprego de vacinas no combate a epidemias), acentuando assim o crescimento demográfico mundial.

Esse aumento demográfico fez-se principalmente em favor das cidades, pois a demanda de mão-de-obra para as fábricas incentivou a migração para os centros urbanos industrializados de camponeses, em grande parte substituídos na lavoura por máquinas que haviam provocado superabundância de braços nas áreas agrícolas. Ao lado dessa migração interna estabeleceu-se uma corrente migratória em direção sobretudo às Américas, onde o excesso populacional europeu procurou novas possibilidades de trabalho e de subsistência.

Os camponeses que se haviam deslocado para as cidades, em busca de salários regulares e de melhores condições econômicas, constituíram uma nova classe social: o proletariado, abaixo da pequena e média burguesia (comerciantes, médicos, advogados, livres-profissionais, enfim) que ambicionava participação ativa no governo, e da grande burguesia, formada pelos capitalistas (industriais e banqueiros) que detinham o poder econômico e político.

O proletariado, a classe mais numerosa e mais pobre, não encontrava, entretanto, nos centros industriais condições de vida satisfatórias. A situação dos operários foi-se agravando: o crescimento excessivo da mão-de-obra disponível fez com que os salários se tornassem cada vez mais baixos; o emprego da mão-de-obra feminina e infantil, muito mais barato, provocava frequentemente o desemprego masculino; sofriam a imposição de longos períodos de trabalho (até 14-17 horas diárias); faltava-lhes o apoio de normas assistenciais; leis rigorosas proibiam a associação entre trabalhadores, impedindo-os de se unirem para reivindicar seus direitos. Estas foram as principais causas que contribuíram à chamada questão social.


"Trabalho infantil nas minas, relatório de uma comissão parlamentar de inquérito, 1842." 
[Em 1842, o Parlamento britânico aprovou leis de mineração proibindo a admissão, nas minas de carvão, de meninos e meninas com idade inferior a 10 anos. Esse relatório, detalhando crianças sendo forçadas a arrastar vagonetes através de túneis estreitos, entre outros abusos, convenceu o parlamento a legislar. Após 1850, seguiram-se outras leis regulamentando as práticas de segurança e trabalho na indústria de carvão. PERRY, Marvin. Civilização ocidental: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 438.]

Desde o começo do século XIX, a fim de enfrentar e conseguir eliminar esses graves problemas, os operários fundaram as primeiras associações (inicialmente clandestinas, mas tarde reconhecidas pelos governos), os sindicatos, através dos quais lutaram para obter redução nas horas de trabalho, salários mínimos, sociedade de socorro mútuo e direito de greve.


"A greve em Saint-Quen", Paul louis Delance 
[Assim a fadiga de uma jornada extremamente longa, pois é de 15 horas no mínimo, acrescente-se para estes infelizes aquela de suas idas e vindas quotidianas tão penosas. Disto resulta que à noite eles chegam às suas casas sucumbidos pela necessidade de dormir e no dia seguinte levantam-se antes de estarem completamente repousados, a fim de chegar à fábrica na hora da abertura. Compreende-se que, para evitar percorrer duas vezes por dia um caminho tão longo, eles se amontoam, se assim podemos dizer, em quartos ou cubículos insalubres, porém localizados na proximidade de seu trabalho. Do relatório Villermé, 1840]

Os movimentos operários, apoiados por intelectuais através da imprensa e da literatura, acabaram forçando o Estado a abandonar sua atitude contemplativa para interferir na questão operária, promulgando uma série de leis de amparo aos trabalhadores. Limitou a 8 horas o trabalho diário; proibiu o trabalho noturno; proibiu ou limitou o trabalho de mulheres e crianças; estabeleceu o descanso semanal; fixou salários mínimos; criou a assistência pública gratuita; estabeleceu o arbitramento obrigatório para solucionar pendências entre patrões e operários; legislou sobre acidentes de trabalho.

Esta intervenção do Estado, porém, foi sendo feita toda vez que o agravamento do problema operário, provocado pela própria evolução industrial, exigia uma solução urgente. Na Inglaterra e na França essa intervenção começou a fazer-se ainda na primeira metade do século XIX. Em alguns países como a Alemanha, a presença do Estado se fez sentir na segunda metade do século. Outros ainda, como a Rússia, entraram no século XX sem nenhuma medida em favor do operariado.

* As doutrinas socialistas. Partindo das profundas desigualdades sociais entre a classe dos capitalistas e a dos operários, surgidas com a Revolução Industrial, vários pensadores opuseram-se ao liberalismo econômico e ao Estado Liberal, propondo novas teorias de organização social, rotulados sob o nome de Socialismo.

Essas teorias, porém, diferenciaram-se entre si podendo ser classificadas de socialismo utópico, socialismo científico e socialismo cristão.

- Socialismo utópico. Seus principais representantes foram o inglês Robert Owen e os franceses conde de Saint-Simon e François Fourier. Saint-Simon protestou contra o fato de que, em uma sociedade de trabalho como era a industrial, os proprietários fossem os que menos trabalhavam e os que auferiam maiores lucros. Para corrigir essa distorção social, Saint-Simon preconizou uma sociedade fabril cujas rendas deveriam ser proporcionais ao trabalho de cada um. 
  
Fourier foi o mais utópico desses socialistas ao sugerir o caminho que a humanidade deveria seguir no sentido da “harmonia”: a sociedade deveria reorganizar-se em falanges, isto é, comunidades habitando um grande edifício, o falanstério. Nos falanstérios todos deveriam trabalhar naquilo que lhes agradasse.

O mais importante dos socialistas utópicos foi Robert Owen. Sua teoria surgiu da própria experiência como industrial em New Lamark (Escócia), onde montou uma fiação, no centro de uma comunidade operária, na qual as condições de higiene, de assistência social, de escolas e de um sistema de cooperativas faziam-na contrastar com as condições nas comunidades operárias do resto da Inglaterra. Sua participação nas lutas operárias no começo do século XIX mostrou à Inglaterra que a indústria não precisava ter como base o trabalho barato e brutalmente explorador. Abriu caminho para a legislação fabril, e seus discípulos fundaram o movimento cooperativo, que no século XX adquiriu novo impulso.

- Socialismo científico. Foi assim chamado porque não se baseava em um ideal de justiça social, mas em uma análise da evolução do homem. Seus principais representantes foram Karl Marx e Friederich Engels, cujas teorias foram expostas principalmente no Manifesto Comunista (1848, de Marx e Engels) e na obra O capital (1º volume, 1867, de Marx), uma análise da evolução do capitalismo.

Para acabar com a injustiça social, criada pela Revolução Industrial, Marx propôs a reforma da sociedade criando uma nova em que cada um receberia integralmente o fruto de seu trabalho. Para assegurar essa reforma anunciava a supressão da propriedade privada e de toda a estrutura capitalista.

- Socialismo cristão. Partindo da realidade existente e dos problemas da classe operária, a Igreja Católica, através da encíclica Rerum Novarum, promulgada pelo Papa Leão XIII em 1891, também interferiu na questão operária.

Por esse documento o Papa reconheceu a gravidade do problema social operário e afirmou que a relação material entre o capital e o trabalho não deve ser de luta e sim de cooperação. No que respeita à ação do Estado declarou que este devia intervir na questão operária sobretudo no que se refere às leis sobre o descanso, à limitação de horas de trabalho diário e do trabalho de crianças e mulheres, ao estabelecimento de salários razoáveis para melhor atender ao sustento familiar.

Recomendou o auxílio estatal relativo ao problema da moradia dos operários, à criação de sociedades de socorro mútuo e à constituição de associações operárias semelhantes às antigas corporações medievais, adaptadas, porém, às circunstâncias do mundo contemporâneo.

As teorias socialistas e a política social do estado tiveram como conseqüência a transformação, no século XX, do Estado Liberal em Estado Assistencial que instituiu órgãos de previdência a serem mantidos pelos impostos, através de entidades assistenciais específicas.

Ao lado dessas conquistas sociais, o Estado e a economia tornaram-se cada vez mais interdependentes e os problemas econômicos tornaram-se problemas políticos. A partir de 1880 – a fim de garantir mercados consumidores e fontes de matérias-primas – as grandes potências lançaram-se à divisão econômica e também política do mundo, acreditando poder assim restabelecer o equilíbrio entre as nações, na base da riqueza e do poder. Essa corrida colonial e a conquista de áreas de influência estratégica geraram um clima de intranquilidade e de disputas que acabou conduzindo, no início do século XX, à Primeira Guerra Mundial.

HOLLANDA, Sérgio Buarque de. História da Civilização. São Paulo: Nacional, 1980. p. 234-240.

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