"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

domingo, 26 de junho de 2011

Revoluções burguesas de 1830 e 1848

Episódio das jornadas de setembro de 1830, Egide Charles Gustave Wappers

Texto 1 - "Em 1830, a Europa foi convulsionada por nova onda revolucionária. Iniciadas na França, verdadeiro "barril de pólvora" da Europa, as Revoluções alastraram-se pela Bélgica, Polônia, Alemanha e Itália, com posteriores repercussões em Portugal e Espanha.

O pano de fundo foi comum: propagação do liberalismo e do nacionalismo como ideologias; a subprodução agrícola (acarretando alta de preços de gêneros alimentícios) e o subconsumo industrial (provocando a falência de fábricas e o desemprego do proletariado); descontentamento do proletariado urbano, devido a desemprego, aos salários baixos e à alta do custo de vida; descontentamento da burguesia, excluída do poder político e atingida pela crise econômica.

[...]

Obedecendo às mesmas razões das Revoluções de 1830 [...], as Revoluções de 1848 tiveram como novidade a entrada em cena do socialismo. Era o "socialismo utópico" ou "romântico", pregado por vários pensadores que apresentavam soluções para os problemas do proletariado". AQUINO, Rubim Santos Leão de et alli. História das sociedades: das sociedades modernas às sociedades atuais. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio, 2010. p. 229, 231-232.


A sopa da manhã, Norbert Goeneutte

Texto 2 - "O pintor francês Eugène Delacroix é considerado um dos mestres do Romantismo. Comovido com os acontecimentos políticos de 1830, Delacroix pinta uma obra que se tornou um marco: "A liberdade guiando o povo". O cenário é montado em diversas classes sociais: melancólicos jovens barbudos, operários em mangas de camisa, tribunos do povo com os cabelos esvoaçantes, todos rodeando a "Liberdade" (representada por uma mulher) com sua bandeira tricolor.

Mais do que um quadro, é um panfleto político que exalta o idealismo democrático da revolução. É o verdadeiro manifesto de propaganda, cujo valor enquanto pintura reside na habilidade do artista no manejo com as cores. Delacroix nela se faz retratar: o jovem de cartola e arma na mão. Nesta obra, podemos observar  inspiração patriótica (Revolução Francesa) e literária (com a obra "Os Miseráveis", de Victor Hugo).

A "Liberdade", única mulher do quadro, usa uma saia bege atada à cintura por duas voltas, um cinto vermelho folgado e uma camisa branca rasgada. Na sua mão esquerda traz um fuzil de infantaria com baioneta no cano. Na mão direita carrega a bandeira nascida com a Revolução Francesa (1789) que une as duas cores de Paris, o azul e o vermelho, e o branco da antiga monarquia, que foi convertendo-se no mundo inteiro no emblema da liberdade. No segundo plano, uma barricada pouco elevada com um amontoado de tijolos e pedaços de madeira. Os personagens apresentam-se com forte realismo.

As pinceladas, rápidas e precisas, frequentemente dispostas em curva, reforçam o aspecto sinuoso e turbulento da "Liberdade". A certa distância, a pincelada se funde no conjunto, mas proporciona ao quadro um toque que o degradê das cores não pode produzir. O modelado se esfuma por trás, para reforçar o efeito de profundidade." Disponível em www.jvanguarda.com.br


A barricada, Ernest Meissonier

Texto 3 - "As Revoluções de 1848 assinalaram o ponto culminante dos movimentos liberais e nacionalistas, produzindo-se então não só a revolução de fevereiro na França, como também grandes surtos revolucionários, de caráter ao mesmo tempo liberal e nacional na Itália e na Alemanha, enquanto que, no Império austríaco, as diversas nacionalidades procuram adquirir autonomia ou independência, destacando principalmente a revolução húngara, esmagada pela intervenção russa.

O insucesso das revoluções românticas de 1848, chamadas também, como no caso alemão, de "revolução dos intelectuais", cede lugar a uma era que se poderia denominar de 'época do realismo e do nacionalismo', caracterizada pela progressiva execução das políticas de unificação da Itália e da Alemanha, empreendidas por governos predominantemente conservadores. Nesse período, os ideais liberais entram parcialmente em recesso, enquanto que a exaltação nacionalista ganha novo impulso.

Encerrando este período, pode-se colocar o episódio revolucionário constituído pela Comuna de Paris (1871) como uma espécie de marco divisório a assinalar o fim das revoluções burguesas e o início das revoluções predominantemente proletárias que irão caracterizar épocas posteriores. Essa transição já é observável na própria França durante os acontecimentos de 1848, bastando para isso compararmos as jornadas de fevereiro, predominantemente burguesas, com as jornadas de junho, basicamente proletárias." FALCON, Francisco; MOURA, Gerson. A formação do mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Campus, 1983. p. 63-5.

Texto 4 - "E ainda assim a história da dupla revolução não é meramente a história do triunfo da nova sociedade burguesa. É também a história do aparecimento das forças que [...] viriam  transformar a expansão em contração, [...] as forças e ideais que projetavam a substituição da nova sociedade triunfante já estavam aparecendo. O 'espectro do comunismo' já assustava a Europa por volta de 1848." HOBSBAWN, Eric J. A Era das Revoluções: 1789-1848. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p. 20.

Texto 5 - "As revoluções de 1848 tiveram um início promissor, mas todas acabaram em derrota. O sucesso inicial dos revolucionários deveu-se menos à sua força do que à hesitação dos governos em utilizar seu poder superior. Os líderes reacionários da Europa, entretanto, superaram sua paralisia e moveram-se decididamente para esmagar as revoluções. A coragem dos revolucionários não foi páreo para as tropas regulares. Milhares foram mortos e presos, e muitos fugiram para a América.

As divisões de classe enfraqueceram os revolucionários. A união entre os liberais da classe média e os trabalhadores, que trouxe sucesso nos estágios iniciais das revoluções, foi somente temporária. Os liberais burgueses a favor de reformas políticas - constituição, parlamento e proteção dos direitos fundamentais - tornaram-se cada vez mais temerosos do trabalhador pobre, que clamava por reformas sociais - empregos e pão. Para a burguesia, os trabalhadores eram uma turba de ignorantes guiados por instintos sombrios. Quando a classe operária se engajava na ação revolucionária, a classe média atemorizada desertava a causa ou se unia às velhas elites na sujeição dos trabalhadores.

Animosidades nacionalistas intratáveis ajudaram a destruir todos os movimentos revolucionários contra o absolutismo na Europa central. Em muitos casos, as diferentes nacionalidades se odiavam mais que aos governantes reacionários. Os revolucionários húngaros ignoravam os anseios nacionalistas dos croatas e romenos que viviam na Hungria, os quais por sua vez ajudaram a dinastia dos Habsburgos a extinguir o incipiente Estado húngaro. Os alemães da Boêmia se opuseram às reivindicações dos tchecos de um governo próprio e de igualdade da língua tcheca com a alemã. Quando os liberais debateram, na Assembléia de Frankfurt, as fronteiras da Alemanha unificada, surgiu o problema dos territórios poloneses da Prússia. Em 1848, quando os patriotas poloneses quiseram recriar a nação polonesa, os delegados alemães opuseram-se em grande número à devolução das terras polonesas tomadas pela Prússia no final do século XVIII.

Antes de 1848, os democratas idealistas anteviam o nascimento de uma nova Europa, de pessoas livres e nações emancipadas. As revoluções na Europa central mostraram que o nacionalismo e o liberalismo não eram aliados naturais, que os nacionalistas eram frequentemente indiferentes aos direitos de outros povos. Desencorajado por esses antagonismos nacionalistas, John Stuart Mill, o estadista e filósofo liberal inglês, lamentou que "o sentimento de nacionalidade tem até aqui preponderado sobre o amor pela liberdade, de tal forma que as pessoas estão dispostas a auxiliar seus governantes no esmagamento da liberdade e da independência de qualquer povo que não seja de sua raça ou língua".

Os propósitos liberais e nacionalistas dos revolucionários não foram realizados, mas os ganhos liberais não foram insignificantes. Todos os homens franceses obtiveram o direito de voto; os serviços prestados pelos camponeses aos senhores foram abolidos na Áustria e nos Estados alemães; e parlamentos, dominados, é certo, por príncipes e aristocratas, foram estabelecidos na Prússia e em outros Estados alemães. Nas décadas seguintes, as reformas liberais se tornariam mais difundidas. Essas reformas foram introduzidas pacificamente, pois o fracasso das revoluções de 1848 convenceu a muitos, inclusive os liberais, de que levantes populares eram caminhos ineficazes para a modificação da sociedade. A era das revoluções, iniciada pela Revolução Francesa de 1789, tinha terminado". PERRY, Marvin. Civilização ocidental: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 407-408.

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