"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Da toga "praetexta" à toga viril: um "rito de passagem" para a cidadania em Roma

Augusto

"Numa lista de festas que, em Cumas, na Campânia, deviam ser celebrados todo ano em honra de Augusto e de alguns membros de sua família, o dia 18 de outubro tinha o registro: 'Nesse dia, César (Augusto) recebeu a toga viril. Sejam feitas súplicas à Esperança e à Juventude'.

O fato de que esse dia também tivesse de ser celebrado anualmente, junto com as demais grandes datas que haviam marcado a vida do príncipe (por exemplo, o dia do nascimento, o primeiro consulado, a nomeação para pontífice máximo, as batalhas por ele vencidas), indica com extrema clareza o valor que os romanos atribuíam a semelhante rito: verdadeiro 'rito de passagem' que consistia no abandono da toga praetexta (franjada de púrpura) e na envergadura da toga viril. Embora pouco saibamos a respeito dos 'ritos de passagem' arcaicos que tinham lugar na gruta Lupercal sob o signo do deus Fauno, sob a proteção conjunta de Ianus Curiatius e Iuno Sororia, conhecemos relativamente bem essa cerimônia de mudança de hábito que introduzia de pleno direito o jovem romano enquanto cidadão livre - claro que sempre sob o vínculo do patria potestas - no interior de sua cidade.

Em geral, entre os quinze e os dezesseis anos, para o rapaz a cerimônia acontecia em primeiro lugar em casa, e não devemos nos admirar, depois do que se disse sobre o 'poder dos pais' romanos, de que fosse presidida pelo pai de família.

Na noite precedente, o jovem, como sinal de bom augúrio (omnis causa), vestira uma túnica particular, com a qual dormira (a tunica recta), assim como faziam as virgines na noite anterior às núpcias. Portanto, na manhã seguinte, o rapaz abandonava os 'emblemas da infância' (insígnia pueritiae). A bulla, ornamento que levava no pescoço com fins protetores, era dedicada aos Lares, divindades que protegiam o território da casa e consequentemente a família que a habitava. Além disso, junto com a bulla, ele abandonava a toga praetexta e vestia a toga viril, a cândida toga 'livre' que em Roma era a roupa por excelência dos cidadãos: a mesma vestimenta, observe-se bem, da qual se privavam, uma vez por ano, os jovens lupercos quando, durante as Lupercálias, corriam 'nus' ao redor do Palatino.

A parte privada da cerimônia era complementada por outra mais propriamente 'pública', na qual acompanhava-se o jovem até o Fórum e o Capitólio. Tratava-se de cortejos compostos por amigos e parentes que, dependendo do nível social, da riqueza e das conexões gentílicas da família, podiam assumir feições muito faustosas. Sobretudo, eram cortejos que, segundo seu fausto e ostentação de riqueza e poder, podiam até ser comparados aos triunfos."

FRASCHETTI, Augusto. O mundo romano. In: LEVI, Giovanni; SCHMITT, Jean-Claude (orgs.). História dos jovens: da Antiguidade à Era Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 72-74.

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