Cena típica de uma cidade medieval representada em uma iluminura de época
O mercado
"Costelas de vaca e muitas tortas", grita alguém atrás de você. É um rapazinho que trabalha para um mercador local; ele caminha em meio à multidão com um tabuleiro cheio de tigelas de madeira com porções de carne assada e outros quitutes. Ao redor dele as pessoas gesticulam e conversam em voz alta. Tanta gente veio das vilas vizinhas que a cidadela de 3 mil habitantes está abarrotada, com o dobro da população habitual.
Temos aqui homens com túnicas marrons que vão até a altura do joelho, conduzindo gado. Temos suas esposas com longos vestidos e véus cobrindo cabeças e pescoços. Os rapazes com túnicas curtas e capuzes são pajens de algum cavaleiro. Aqueles com longas togas de gola alta e chapéus de pele de castor são os mais ricos mercadores. Do outro lado, camponeses conduzem rebanhos de carneiros, cavalos de carga e carroças repletas de gaiolas com galinhas.
A multidão é ruidosa. As pessoas falam tanto que pode parecer que bater papo é o propósito maior de quem vai ao mercado - e, muitas vezes, é mesmo. Afinal, trata-se da única área pública aberta, em que as pessoas podem se encontrar e trocar informações. Quando uma trupe teatral monta uma peça, é para a praça do mercado que levam sua carroça com palco, cenário e figurinos. Quando o homem responsável por anunciar as notícias bate seu sino, é na praça do mercado que a multidão se reunirá para ouvi-lo. A praça do mercado não apenas é o coração de uma cidade, mas também a define.
E o que é possível comprar? Vamos começar pela barraca de peixes. Mais de 150 espécies, pescadas em viveiros, em rios e no mar, são consumidas pela nobreza e pelo clero. Mas, na maioria dos mercados, o que se vê brilhando em engradados cheios de feno são as variedades mais populares: cavala, arenque, lampréia, bacalhau e enguia, além de peixes curados ou salgados. Siris e lagostas são transportados vivos em barris. Durante a temporada, é possível encontrar salmão fresco, mas o preço será alto. O linguado pode custar ainda mais caro.
A seguir, chegamos à área reservada aos cereais: sacos de trigo, cevada, aveia e centeio estão empilhados, prontos para serem vendidos. Depois, o espaço para os animais: bodes, carneiros, porcos e vacas. Um canto é reservado aos vegetais - frutas, hortaliças, alho e ervas -, mas a ênfase da dieta medieval é nas carnes, queijos e cereais. Numa cidade grande, é possível encontrar comerciantes vendendo itens exóticos, como pimenta, canela, cravo, noz-moscada, alcaçuz e diversos tipos de açúcar. Esses artigos, no entanto, são apenas para os abastados - pouco menos de meio quilo de cravo pode custar até o dobro do que um trabalhador médio ganha em uma semana.
O restante da praça do mercado é destinado a duas outras atividades. Uma é o atacado: produtores vêm oferecer pelego, sacos de lã, couro curtido, peles, feno, aço e estanho para revender em outros locais. A outra é a venda de artigos manufaturados: panelas de latão e bronze, candelabros e esporas, produtos de estanho, roupas de lã, seda, linho, lonas, carroças, juncos para pisos, vidro, feixes de gravetos, carvão, pregos, ferraduras e até tábuas de madeira - afinal, imagine as dificuldades para transportar um tronco de árvore até uma serraria e fazer dois homens serrarem-no em tábuas. Todos na sociedade medieval dependem muito uns dos outros para obter tais produtos e a praça do mercado é o lugar certo para que esses intercâmbios aconteçam.
A negociação
Itens considerados essenciais, como cerveja e pão, têm o preço fixado por lei. Já no caso dos manufaturados, você terá de pechinchar. Um livro do século XV apresenta o seguinte exemplo de como se negociar com um vendedor de tecido:
- Dona, quanto cobrais pela vara [1,10 metro] desde tecido? Ou quanto vale a peça inteira?
- Sejamos razoáveis, meu senhor. O tecido é bom e barato.
- Só se for para gado. Dona, quanto queres que pague?
- Quatro xelins pela vara, se for do vosso agrado.
- Por esse preço, posso comprar do bom escarlate.
- Mas tenho um pouco de um escarlate que não é dos melhores e não o venderia por menos de sete xelins.
- Mas ele não vale tanto, como bens sabeis!
- Senhor, qual é seu preço por esse meu escarlate?
- Dona, três xelins é boa paga para mim.
- Isso é muito pouco.
- Dizei-me quanto devo pagar?
- Eu vos direi uma coisa: pagareis cinco xelins. Isto, claro, se levares uma boa quantidade de varas, ou então nada abaterei.
As regras
Um mercado bem administrado é crucial para a reputação de uma cidade. Assim, ele é repleto de normas, O policiamento costuma ficar a cargo dos bedéis ou beleguins, que fiscalizam o cumprimento de regras como "nenhum cavalo pode ser deixado na praça do mercado em dias de feira" e "todo homem deve manter limpa a rua na frente de seu imóvel". A maioria das cidades tem entre 40 e 70 normas e quem as viola é levado ao tribunal e, então, multado.
O consumidor tem motivos para ser grato por haver supervisão do comércio. Os escreventes dos tribunais da cidade têm muitos casos para contar sobre trenas de madeira sem o tamanho apropriado, panelas feitas de metal leve revestido com latão e pães recheados com pedra para terem o peso exigido por lei. A lã é esticada antes de ser tecida, para apresentar melhor desempenho, mas depois encolhe. A pimenta é vendida úmida, o que faz a inchar, ter mais peso e estragar mais rápido. A carne às vezes é vendida podre, o vinho azedo e o pão, mofado.
Quem é vítima de negligência deve procurar diretamente as autoridades. Uma vez condenado, o criminoso é arrastado pelas ruas da cidade numa gaiola até o pelourinho - um tronco de madeira em que as mãos e a cabeça do culpado são presas e ele é exposto à execração da multidão, sempre condizente com seu delito. Um açougueiro que vende carne ruim, por exemplo, pode esperar ser o único convidado a um churrasco em que se serve seu próprio produto estragado. Assim como um taberneiro flagrado vendendo vinho azedo é forçado a tomar um gole da sua bebida, com o resto sendo derramado sobre sua cabeça. Para o consumidor, a doçura da vingança muitas vezes acaba compensando o amargor de ser enganado.
Ian Mortimer. Shopping medieval. In: Revista BBC História. Ano 1 - Edição 4. p. 34-37.
Nenhum comentário:
Postar um comentário