Nos séculos IV e V, muitos povos bárbaros movimentaram-se através da Europa em vastas migrações. Os francos eram um dos menos numerosos. No entanto, foram dos poucos que, logo após a onda migratória, fixaram-se definitivamente numa região. E é dos francos que deriva a realização política mais duradoura: a criação de duas grandes nações modernas - a França e a Alemanha.
Já numa canção de soldados romanos, do século III, há referências aos francos e à sua bravura militar. O imperador Juliano (século IV) concedeu-lhes terras no vale do Reno, pondo-as a serviço do Império, com o título de "auxiliares perpétuos". Colaboravam por isso, na defesa do Império. Sob o comando de Meroveu - e lado a lado com os gauleses e visigodos - lutaram na célebre batalha dos Campos Cataláunicos, contra os hunos de Átila.
Os merovíngios. Meroveu dá o nome à primeira dinastia dos soberanos francos: merovíngia. O neto de Meroveu, Clóvis, é o criador do Estado franco. Vence os romanos (que ainda ocupavam parte da Gália), os alamanos e os burgúndios (ou burguinhões). E conquista a Aquitânia (sul da Gália) aos visigodos.
Pagão, mas casado com uma princesa católica (Clotilde, sobrinha do rei dos burgúndios), Clóvis se converte ao cristianismo (para cumprir uma promessa), após a batalha de Tolbiac (496), contra os alamanos. Batizou-o São Remígio, bispo de Reims; na mesma ocasião foram batizados três mil dos seus guerreiros.
A conversão de Clóvis trouxe-lhe o apoio do clero católico e da população galo-romana, que já era quase toda ela cristã. À sua morte, a Gália achava-se quase inteiramente unificada, sob o poder dos francos.
Após a morte de Clóvis (511), seus quatro filhos dividiram entre si o reino. Os francos seguiam o costume germânico de partilha da herança paterna entre os filhos varões (lei sálica). Isto ocasionou rivalidades constantes e acirradas lutas internas, até que Dagoberto subiu ao trono (628) e estabeleceu que, daí por diante, os reis da França só teriam um único sucessor.
Como reis francos, os merovíngios continuaram a ter pouca notoriedade sobre os chefes militares; mas, como reis de romanos e gauleses, procuraram imitar a organização imperial romana. As instituições merovíngias continuaram, em geral, as tradições bárbaras.
Os reis indolentes. Carlos Martel. Após Dagoberto, inicia-se a época dos "reis indolentes". As funções governamentais ficam nas mãos do prefeito (ou mordomo) do paço (espécie de primeiro-ministro), que foi aumentando suas atribuições até chegar a ser o verdadeiro rei.
No século VII, um destes prefeitos do paço, Pepino d'Heristal, torna o cargo hereditário; e exclusivo, portanto, da família Heristal. Seu filho Carlos Martel vence os árabes, em 732, na famosa batalha de Poitiers (também chamada de Tours), na qual salva a Europa e a civilização cristã da invasão e da hegemonia muçulmana.
Os carolíngios. O filho de Carlos Martel - Pepino o Breve - estimulado pelo Papa, depõe o último rei merovíngio (Childerico III) e se faz aclamar rei, em Soissons, por uma assembléia de nobres (751). Inicia-se, assim, a dinastia carolíngia.
Poucos anos depois, o rei franco pode demonstrar sua gratidão ao Papado. Atravessa os Alpes, derrota os lombardos, apodera-se do exarcado de Ravena e o doa ao Papa. Esta foi a origem do poder temporal (territorial) dos Papas: os Estados Pontifícios (ou Patrimônio de São Pedro).
Carlos Magno. Após a morte de Pepino o Breve (768), sobem ao trono seus dois filhos, Carlos e Carlomano. Falecido este em 771, Carlos torna-se o único rei.
Carlos Magno foi o maior guerreiro e conquistador da Idade Média. Suas realizações militares, políticas, sociais e culturais consagram-no como a figura mais importante da época medieval.
Campanhas militares de Carlos Magno. Em seus 46 anos de reinado (768-814), Carlos Magno realizou umas 56 expedições guerreiras. Os êxitos militares transformaram o pequeno reino franco num grande império. Campanhas mais importantes:
1) bate os lombardos, na Itália (em Pavia, na região do Pó), e cinge a tradicional "coroa de ferro" (774);
2) vence os sarracenos na península ibérica, após várias campanhas e estabelece a "Marca de Espanha"; na primeira tentativa foi derrotado e sua retaguarda foi aniquilada na famosa batalha de Roncesvales (onde teria morrido o lendário Rolando);
3) incorpora a Baviera (788);
4) derrota os ávaros e incorpora seus territórios (atual Hungria);
5) contém os eslavos;
6) conquista a Saxônia, após 32 anos de luta (772-804), e faz com que os saxões se convertam ao cristianismo.
Após todas as suas conquistas, o império de Carlos Magno abrangia os atuais países da França, Bélgica, Holanda, Alemanha, Suíça, Áustria, Hungria, Tchecoslováquia, Iugoslávia, Itália (norte e centro) e parte da Espanha.
Restabelecimento do Império Romano do Ocidente. No ano 800, em Roma, na noite de Natal, quando se achava ajoelhado, rezando, na basílica de São Pedro, Carlos Magno foi repentinamente coroado "Imperador dos romanos" pelo papa Leão III, sob as aclamações da multidão.
A restauração do Império Romano do Ocidente não dava, a Carlos Magno, vantagens materiais, mas significava um notável aumento de prestígio. O Império Bizantino - ainda chamado Império Romano - com a capital em Constantinopla, continuava a arrolar a Itália e regiões vizinhas nos seus domínios (embora não passasse duma soberania nominal, teórica). A criação dum Império Romano no Ocidente liquidava as pretensões de Bizâncio e cavava um abismo entre o seu cristianismo e o latino. Por isso é que os imperadores bizantinos se negaram, durante vários anos, a reconhecer a condição imperial de Carlos Magno, julgando que só eles eram os legítimos continuadores dos césares romanos.
[...] Carlos Magno simboliza as profundas modificações que se processavam na Idade Média da Europa ocidental: um rei franco, de ascendência germânica, lutava contra bárbaros germanos, tentava civilizá-los, impunha-lhes o cristianismo - e, finalmente, acabava sendo coroado imperador, em Roma, a velha capital do Império.
Organização e administração do Império. O Império foi dividido em condados (correspondentes às antigas cidades), administrados por condes, nomeados pelo Imperador. Nas fronteiras havia ducados (governados por duques) e marcas (governados por "margraves" ou marqueses).
Os governadores eram fiscalizados por inspetores, os missi dominici ("emissários do soberano", "enviados do senhor", "mensageiros do rei"), homens de confiança do imperador. Os "missi" eram sempre dois: um eclesiástico e um laico: e percorriam as províncias 4 vezes ao ano.
As capitulares. Duas vezes ao ano realizavam-se assembléias na residência imperial: uma de guerreiros e outra dos principais senhores do reino. A atividade destas assembléias facilitou o conhecimento dos problemas e dificuldades do Império, e permitiu a feitura de numerosas leis e ordenanças - as capitulares - que regulavam todas as atividades dos súditos, unificando leis e costumes, e melhorando a administração.
A corte. O título imperial de Carlos Magno não lhe alterou os costumes singelos de guerreiro germânico. A corte não tinha o fausto da antiga Roma imperial ou do Império Bizantino.
Carlos Magno não tinha corte fixa. Morava, alternadamente, nos seus diversos domínios rurais. Mas residia, de preferência, na cidade de Aquisgrã, considerada, por isso, a capital do Império.
A cidade de Aquisgrã, em francês chama-se Aix-la-chapelle; em alemão: Aachen.
Atividades culturais no período carolíngio. Carlos Magno, rude guerreiro, tinha escassa instrução (ao que parece, era quase analfabeto), mas aprendeu a falar latim, entendia o grego e tinha estudado cálculo e astronomia. Era bem intencionado e soube rodear-se de homens cultos e capazes:
Alcuíno (anglo-saxão; um dos grandes sábios da época);
Leidrade (o bibliotecário da corte);
Eguinardo (de origem franca; historiador e conselheiro íntimo);
Paulo Diácono (lombardo; historiador).
Carlos Magno construiu estradas, estabeleceu guarnições militares, fundou cidades (Magdeburgo, Bremen, Hamburgo), abriu igrejas e mosteiros. E protegeu especialmente a instrução, fundando muitas escolas - para os sacerdotes (nos mosteiros) e para o povo, gratuitas, ao lado de cada igreja. No próprio palácio abriu uma escola, denominada "palatina", que era frequentada, sem distinção de tratamento, por meninos pobres, do povo, e por filhos de nobres.
Arquitetura carolíngia: Igreja de Cravant-les-Côteaux en Indre-et-Loire, França
Nas obras literárias da época, assim como no ensino, só se empregava o latim, "considerado pelos homens cultos daquela época como o idioma por excelência; único propício à expressão intelectual".
Estudaram-se e copiaram-se minuciosamente manuscritos antigos; redigiram-se crônicas históricas e breviários de livros religiosos. A escrita foi aperfeiçoada: a caligrafia tornou-se mais clara e legível. Os manuscritos foram enfeitados com magníficas iluminuras (delicados trabalhos de ornamentação: letras adornadas e coloridas, desenhos de flores e folhagens, figuras, cenas).
"A época iniciada por Carlos Magno foi a primeira verdadeira época cultural depois da Antiguidade. É esta, realmente, uma era de cultura, quer pela atenção que dispensa ao cultivo do espírito e das artes nos seus mais diversos aspectos, como pelas obras respeitáveis que produz". (J. Bühler)
No meio da época de convulsões medievais, o longo reinado de Carlos Magno foi um parêntese de paz interna e segurança, de ordem e de progresso cultural. "Mas este progresso não foi, nem muito profundo, nem muito duradouro, porque depois de Carlos Magno novas invasões e guerras acabaram com a paz e a ordem que tinham estimulado esses adiantamentos".
[...]
Desmoronamento do Império. Poucos anos após a morte de Carlos Magno, o império fragmentou-se (tratado de Verdun, 843), em 3 reinos: Germânia, Lotaríngia (norte da Itália, Provença, Borgonha, futura Lorena e parte dos Países Baixos) e França.
Na Germânia, a dinastia carolíngia extinguiu-se em 911, com a ascensão ao trono do duque de Saxônia. Na França, extinguiu-se em 987, ao ser coroado Hugo Capeto (fundador de uma dinastia que governaria a França durante mais de 8 séculos).
Assim, pouco mais de um século após a morte de Carlos Magno, nada subsistia de sua obra política. Desfizera-se a unidade imperial; em seu lugar surgiram vários reinos, governados por dinastias locais. Ao desmembrar-se o Império Carolíngio, malograva a tentativa de unificar toda a Europa cristã do Ocidente sob a hegemonia de um único monarca. Essa tentativa, porém, seria renovada em séculos posteriores.
BECKER, Idel. Pequena História da Civilização Ocidental. São Paulo: Nacional, 1974. p. 244-250.
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