"Mãe migrante", Dorothea Lange. A outra face do "american way of life".
Vivemos nosso dia a dia geralmente sem nos perguntar de onde vieram nossos hábitos, nossa alimentação e ate mesmo nossas diversões. Mas tudo isso tem história. Hoje você come um hambúrguer no McDonald's, anda de skate, vai ao shopping center e fala as muitas palavras em inglês incorporadas ao nosso vocabulário, sem se dar conta de que esses costumes pertencem originalmente a uma outra cultura: a cultura norte-americana.
Ao longo de sua história, os norte-americanos criaram um modo de vida próprio - o American way of life (em português, o "jeito americano de viver") - e, convencidos de que ele era superior ao dos demais povos, procuraram difundi-lo pelo mundo afora, exportando seus ideais, comportamentos e produtos (entre os quais o hambúrguer), e consolidando-se como a maior potência mundial.
Comer hambúrguer pode parecer um ato normal, sem maiores consequências, mas, praticado em massa, faz parte de uma mudança de hábitos que atingiu os mais diversos países do planeta, fruto da curiosidade pelo que é diferente e "mais adiantado". Sua difusão ajudou a abrir as portas para a influência política e econômica norte-americana.
Assim, para entender como o American way of life se criou e se difundiu, dar uma passada num McDonald's pode ser muito esclarecedor. Vamos lá?
As lojas são facilmente identificáveis, por seu aspecto exterior chamativo. São todas semelhantes, por dentro e por fora, em quase todos os países do mundo. Isso acaba atraindo o turista, que se sente mais seguro comendo algo conhecido do que se aventurando com pratos típicos estranhos a ele. Pelo menos, é nisso que se aposta, servindo-se no mundo inteiro praticamente os mesmos lanches.
Qual é a atração da loja? Um ambiente de eficiência, onde todo mundo, atrás do balcão, corre para servir o cliente. A comida chega rapidamente. Tudo é limpo e padronizado. O que se oferece é razoavelmente barato e nunca falta troco. A ideia é criar entre o cliente e a loja uma relação de confiança mútua. A rede está sempre oferecendo promoções, dando ao freguês a impressão de que, mesmo consumindo um pacote de batatas fritas e um copo de Coca-Cola cada vez maiores - e pagando mais por isso, evidentemente -, ele levou vantagem.
Ao lado do balcão, há sempre a foto do "funcionário do mês". O que ele fez para merecer esse título honroso? Foi o mais rápido, organizado e gentil com o público e, dessa forma, permitiu que o negócio andasse mais rápido, aumentando a produtividade da loja. E o funcionário, será que ele ganhou mais por isso? Certamente não. Ganhou apenas a promessa de uma promoção: se continuar assim, poderá chegar antes dos colegas ao topo de sua carreira na empresa. Ou seja: ele se fará por seu próprio esforço, em competição com o restante do grupo. Os menos dotados, ou menos obedientes aos métodos da empresa, vão ficar para trás ou desempregados. Essa é a fórmula do sucesso profissional.
Do lado de fora da loja está o Drive Thru, onde se pode comer sem sair do carro e, com isso, ganhar tempo. Mas por que é preciso comer tão rápido? Porque é preciso liberar o espaço para outros clientes que estão chegando apressados e também têm que retomar rapidamente suas outras atividades: o trabalho, a escola ou a academia, na qual se exercitam para ficarem mais rápidos, mais saudáveis. Para quê? Para trabalhar mais, comprar mais e ajudar a colocar em marcha esta máquina de reprodução incessante de trabalho e dinheiro: a máquina do capitalismo.
A preocupação fundamental é, pois, com a rapidez, que gera eficiência e permite maior produtividade: maior número de clientes atendidos e satisfeitos e, no caixa, cada vez mais dinheiro, aumentando o negócio e vencendo a concorrência. Quanto ao funcionário, a ideia é que ele se dedique o máximo possível ao trabalho e à empresa, que faça deles o centro da sua vida.
Essa forma de encarar o trabalho, baseada na competição e na necessidade constante de progresso, não existe por acaso nem é obra de um gênio do hambúrguer: trata-se apenas de uma das facetas do American way of life, que é a forma de vida que os americanos desenvolveram ao longo dos séculos, mas também o mito que construíram em torno desse jeito de ser, fazendo com que em todo o mundo se acredite que essa é a melhor forma de vida para o ser humano em todos os lugares do planeta.
SCHVARZMAN, Sheila. O modo americano de viver. São Paulo: Atual, 2011. (A Vida no Tempo das máquinas)
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