1. Causas da guerra dos Cem Anos. A guerra dos Cem Anos entre a França e a Inglaterra foi uma renovação da antiga rivalidade criada pela ascendência dos Plantagenetas ao trono da Inglaterra. Várias causas haviam surgido para incentivar o antagonismo existente entre a França e a Inglaterra, porém três delas são muito importantes:
a) A região de Flandres era cobiçada pelos soberanos franceses, por seu comércio e suas indústrias têxteis. As cidades flamengas, desejando conservar sua liberdade, procuraram o apoio dos ingleses, com quem tinham grandes relações comerciais, pois eram o mercado consumidor das lãs da Inglaterra. A aliança flamengo-inglesa irritou profundamente os reis franceses.
b) A Aquitânia (Guiena), única possessão feudal que os ingleses possuíam na França, era também pretendida pelos Capetos.
c) As pretensões dos reis da Inglaterra ao trono da França. O último dos Capetos, um filho de Filipe o Belo, havia morrido sem deixar descendentes masculinos. O parente mais próximo do rei morto era Eduardo III da Inglaterra, mas por linha feminina. Os nobres franceses preferiam o parentesco de Filipe de Valois, mais afastado, porém parente por linha masculina. A aplicação da "lei sálica", velho costume dos francos que vedava às mulheres ocupar como governantes o trono francês e consequentemente transmitir a herança ao mesmo, foi apenas um motivo para os barões feudais franceses descartarem-se de um possível rei inglês.
2. Características da guerra dos Cem Anos. Primeiro Período. Inicialmente os ingleses desembarcaram perto de Calais com um exército bem aparelhado, no qual uma infantaria composta de arqueiros representava papel de destaque, apoiada por excelente cavalaria. Em Crécy (1346) os franceses opuseram aos invasores um exército menos disciplinado, composto fundamentalmente da pesada cavalaria feudal, complementada por tropas munidas de bestas (armas de origem oriental que lançavam virotes por meio de molas).
Quando a cavalaria francesa arremeteu contra as tropas inglesas, foi recebida por uma chuva de flechas, antes do clássico combate corpo a corpo, desorganizando-se completamente, do que resultou a vitória dos invasores, que se apoderaram de Calais.
Rendição de Calais (1347). Autor anônimo.
Quando a cavalaria francesa arremeteu contra as tropas inglesas, foi recebida por uma chuva de flechas, antes do clássico combate corpo a corpo, desorganizando-se completamente, do que resultou a vitória dos invasores, que se apoderaram de Calais.
Após Crécy, franceses e ingleses passaram a morrer não nos campos de batalha, mas vitimados pela peste negra de 1348. Tão terrível mal, possivelmente a peste bubônica, no decorrer de poucos anos dizimou de um meio a um terço da população europeia. O impacto provocado pela epidemia foi de tal ordem que provocou acentuado declínio do feudalismo.
Batalha de Crécy. Manuscrito do século XV. Jean Froissart
Só dez anos mais tarde renovaram os ingleses as hostilidades. Durante o período de paz a legislação inglesa procurou instituir o trabalho obrigatório para a camada inferior da sociedade, com salários a níveis inferiores à grande epidemia, e a impedir o camponês de aprender um ofício manual, fixando-o assim ao campo.
Novamente a França foi invadida e novamente derrotada em Poitiers (1356), tendo sido aprisionado o soberano francês João o Bom. Pelo Tratado de Brétigny (1360), Eduardo III recebia Calais e o extenso território atlântico da França, ao sul do Loire.
Na guerra dos Cem Anos foram usadas as primeiras armas de fogo. Na batalha de Crécy os ingleses usaram os canhões ou bombardas, cujo alcance limitado e as dificuldades de pontaria tornavam uma arma mais de efeito moral do que de destruição. Os árabes já haviam usado anteriormente a pólvora como arma, no século XIII, no cerco de Algeciras.
Os franceses no fim da guerra melhoraram sua infantaria e dotaram-na de colubrinas de mão, primeiro esboço de espingarda.
Segundo período da Guerra dos Cem Anos. Um dos grandes problemas de Carlos V, sucessor de João II o Bom, foi dominar bandos de soldados mercenários que haviam sido aliciados para guerrear contra os ingleses. Agrupados em "companhias", recebiam soldo e parte do saque. Formavam bandos com chefes eleitos e com certa organização.
Feita a repressão das "companhias", tarefa na qual foi ajudado pelo destemido Bertrand Du Guesclin, Carlos V resolveu atacar os ingleses. Foi modificada a tática militar. Em vez de grandes combates com cavalaria e pesadas armaduras, os franceses usaram o sistema de emboscada, o que possibilitou a recuperação de quase todos os territórios cedidos à Inglaterra pelo Tratado de Brétigny.
Seu sucessor, Carlos VI, que já era um doente mental, perdeu completamente a razão. O país passou então pelos horrores de uma guerra civil, entre o Norte, onde era mais acentuado o espírito feudal, e o Sul, onde prevalecia o elemento celta romanizado.
Tropas inglesas desembarcando na Normandia. Século XV. Virgil
Os ingleses aproveitaram-se da situação e desembarcaram novamente na França, conquistando toda a Normandia e derrotando os franceses em Azincourt (1415). Firmou-se então o Tratado de Troyes, que entregava em matrimônio a filha do soberano francês ao monarca inglês Henrique V e o reconhecia como futuro rei da França, prejudicando assim os legítimos direitos do próprio filho de Carlos VI, do mesmo nome. Este, nada podendo fazer contra os ingleses, retirou-se para o sul e estabeleceu sua corte em Bourges, onde, entre festas frívolas e pequenas investidas contra os ingleses, foi reduzindo de tal maneira seus domínios que, em 1428, a sua mais importante cidade, Orléans, já estava sitiada pelos inimigos. Nesta época, aparece a figura extraordinária de Joana D'Arc.
Joana D'Arc. A Donzela de Orléans nasceu em Domrémy, em 1412. De espírito místico, começou a ter visões que a exortavam a socorrer Carlos VII.
Depois de uma longa viagem e dos naturais obstáculos para falar com o rei, foi por ele recebida no Castelo de Chinon. Impressionado pelo entusiasmo fervoroso de Joana D'Arc, deu-lhe Carlos VII um exército de 5.000 homens para a libertação de Orléans, então sitiada pelos ingleses. O cerco da cidade foi levantado e a jovem tornou-se um símbolo. O entusiasmo das tropas francesas levou-as a conquistar Reims, onde Carlos foi coroado, tendo a seu lado Joana D'Arc. Mais tarde a jovem guerreira tentou libertar a cidade de Compiègne, sitiada pelos borgonheses, que numa sortida aprisionaram a heroína, que foi vendida aos ingleses. Julgada como "herética, relapsa, apóstata e idólatra", por um tribunal de teólogos e prelados controlados pelos ingleses, foi condenada à morte na fogueira, em Ruão, nada tendo feito Carlos VII para salvá-la.
Cerco de Paris por Joana D'Arc em 1429. Martial d'Auvergne
A Franca, incentivada pelo sacrifício de sua jovem mártir, renasceu militarmente, e os ingleses que não mais contavam com os senhores feudais do Norte, foram perdendo todas as suas praças-fortes, restando-lhes apenas Calais. A guerra terminou em 1453, no mesmo ano da queda de Constantinopla.
3. Consequências da guerra dos Cem Anos. A França havia perdido milhares de homens e muitas de suas aldeias estavam despovoadas. A nobreza perdera grande parte de seu prestígio em virtude de a autoridade real ter sido reafirmada, desta vez, pelas vitórias de um exército que se tornara regular e permanente.
Muitos nobres arruinados foram obrigados a concluir com os camponeses acordos com mais vantagens para estes do que os anteriores. As garantias que a burguesia conquistara vão traduzir-se por uma administração real nitidamente orientada no sentido de sua proteção. Luís XI, sucessor de Carlos VII, não foi somente um príncipe, foi também um perfeito burguês.
SOUTO MAIOR, Armando. História geral. São Paulo: Nacional, 1979. p. 235-239.
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