Para atingir os objetivos de exploração econômica das suas colônias na América, os europeus tiveram que escolher produtos de grande procura na Europa e que permitissem a produção em grande escala. A cana-de-açúcar enquadrou-se plenamente nesses propósitos. O cultivo da cana iniciou-se na península ibérica por volta do século XIV. No século seguinte, com a expansão marítima de Portugal e Espanha, a cana-de-açúcar passou a ser cultivada também nas ilhas do Atlântico: Madeira, São tomé, Açores, Cabo Verde e Canárias. Com esse produto foi transferido o tipo de mão-de-obra utilizada no seu cultivo: a escrava.
Engenho de açúcar, Henry Coster
No Brasil, o plantio da cana foi promovido em várias localidades, a partir do século XVI, com a construção de engenhos em São Vicente, Porto Seguro, Ilhéus e no Espírito Santo. Mas, foi nas capitanias de Pernambuco e da Bahia que esse produto melhor se adaptou, por conta das condições geográficas e do desenvolvimento da colonização. Já nessa época, o açúcar era exportado para Europa, sobretudo para Lisboa e Porto. E, no final desse mesmo século, estava entre as principais mercadorias adquiridas em Londres, Antuérpia, Hamburgo e Amsterdã.
No início da produção, os engenhos construídos eram pequenos. A maioria era movida por animais e poucos utilizavam a força hidráulica. A mão-de-obra utilizada foi a indígena, pois era a mais acessível e barata daquele momento. Os africanos começaram a ser empregados por volta do século XVII, quando o tráfico atlântico de escravos havia se consolidado, fazendo, então, do africano a peça fundamental da empresa açucareira.
No século XVI, cerca de 100 mil escravos africanos chegaram ao Brasil originários da região de Senegalândia, capturados entre os povos mandingas, jalofos, balantas, bijagôs etc. Nesta época, muitos foram embarcados em Pinda, no reino do Congo e em Angola. Só nas últimas décadas desse século as importações chegaram a quase 15 mil escravos por ano. No início do século XVII, Pernambuco recebeu, aproximadamente 4 mil escravos por ano e a Bahia, 3 mil.
Embora o tráfico de escravos para o Nordeste tenha privilegiado todas as áreas da África Subsaariana, existiram ciclos de predominância geográfica. No século XVI, os embarques de escravos na região da Senegalândia foram maiores, ao passo que no século seguinte as exportações em Angola e no Congo predominaram. Já nos séculos XVIII e XIX foi a vez da Costa da Mina (três primeiros quartos do século) e do Benin (de 1770 a 1850) destacarem-se no tráfico de escravos.
Grande parte do trabalho na produção de açúcar era realizada no campo, nos canaviais. O cultivo e as colheitas eram tarefas muito cansativas, que exigiam força para preparar e cavar a terra pesada de massapê. Outra atividade frequente nos engenhos era o corte da lenha utilizada nas casas das caldeiras. Muitos senhores até preferiam comprar madeira de outras regiões a ter de usar seus escravos. O escravo também ficava encarregado da manutenção da propriedade, construir cercas, poços, fossos, além de, em alguns engenhos, cuidar da sua própria subsistência, cultivando um pedaço de terra fornecido pelo proprietário, depois que cumprisse sua cota estipulada de trabalho.
O estabelecimento do sistema de cotas na produção do engenho era uma forma de garantir o ritmo de trabalho e evitar que os escravos dificultassem a produção, fingindo, por exemplo, estarem doentes. Além da permissão do cultivo de suas próprias plantações, os escravos ganhavam outras recompensas em troca da boa produção, como produtos derivados da cana, em especial, a garapa e a cachaça, que representavam uma parte importante da empresa açucareira e tinham grande aceitação no mercado.
Já no fabrico do açúcar, os escravos eram constantemente supervisionados por trabalhadores especializados (alguns também escravos), pois as técnicas de produção exigiam que eles fossem qualificados.
O trabalho nos engenhos era dividido por sexo. Aos homens cabiam as tarefas mais pesadas de desmatamento, corte de lenha, enquanto as mulheres eram aproveitadas no corte da cana e na produção do açúcar. Elas eram empregadas, sobretudo, na moenda, onde duas ou três delas passavam a cana pelos tambores, tarefa muito perigosa, necessitando habilidade e atenção, pois a força da moenda era grande e qualquer descuido poderia causar algum acidente, como ter a mão, o braço ou até mesmo o corpo inteiro esmagados. Muitas delas cuidavam de levar o bagaço da cana para alimentar os animais, outras tiravam o caldo e levavam para a casa das caldeiras. Não tão perigosas eram as atividades na casa de purgar, na qual o caldo da cana era fervido, engrossado e enformado em recipientes untados com barro, e na embalagem do açúcar.
As quase 20 horas de trabalho eram divididas em dois turnos: o do dia e o da noite. Cerca de 25 escravos trabalhavam, por turno, nos processos de moagem da cana-de-açúcar e cozimento do caldo. Para que funcionassem adequadamente, os engenhos precisavam de 60 a 80 escravos no total.
Até a metade do século XIX, o açúcar permaneceu como um dos principais produtos brasileiros exportados, embora na segunda metade do século XVII, por conta da concorrência externa, as exportações tenham diminuído. Até mesmo no apogeu da mineração, no século XVIII, o açúcar e os seus derivados - a cachaça e a garapa - continuaram a ter grande procura no mercado internacional.
O início da colonização do Brasil foi marcado pelo interesse e pela busca dos portugueses de ouro e outros metais preciosos. No entanto, apenas na última década do século XVII o ouro foi descoberto em Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás pelos bandeirantes paulistas, que viajavam pelo sertão para apresar indígenas e receberam incentivos da Coroa portuguesa para encontrar o tão cobiçado metal.
Nesse momento, com a propagação da notícia da descoberta de ouro no interior da colônia, houve uma corrida desenfreada de pessoas de várias localidades, inclusive do exterior, em direção às áreas mineradoras. A população total cresceu rapidamente e os escravos passaram a representar quase 50% dos habitantes.
A exploração das jazidas de ouro era realizada de duas formas, em aluvião e em lavras, necessitando de instrumentos especiais e mão-de-obra escrava. As condições de trabalho eram muito duras. Os escravos tinham que permanecer quase todo o tempo com os pés na água, no interior das minas. Os proprietários tentavam incentivar o trabalho dos cativos oferecendo recompensas, como mais tempo para descansar ou a alforria, em troca de determinada quantidade de ouro ou de um grande diamante.
O tráfico interno de escravos foi intensificado. Para as áreas mineradoras foram enviados, em especial, escravos africanos ocidentais. Em geral, estes eram preferidos pelos proprietários mineiros por conta do conhecimento técnico e da experiência adquirida no continente africano. Mas também porque, apesar da indústria açucareira na Bahia ter passado por algumas dificuldades ao ver decrescer as exportações em alguns períodos do século XVIII, os mercadores de escravos baianos continuaram traficando um número significativo de africanos da Costa da Mina e os reexportado para Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás e o interior da Bahia, onde eram aproveitados na mineração. Esses africanos ficaram conhecidos como minas, pois eram embarcados na Costa Leste ou Costa a Sotavento do Castelo de São Jorge da Mina. Os portos utilizados para o embarque de escravos nessa região eram Jaquim, Popo, Apá e Ajudá, controlados pelos reinos de Ajudá e Aladá e, mais tarde, pelo Daomé. Esses escravos eram de origem nagô (iorubá), jeje (daomeanos), mahis, guruncis, entre outros.
Com a extração de ouro houve um aumento do número de escravos importados também no Rio de Janeiro. Nas primeiras duas décadas do século XVIII, os comerciantes cariocas destinaram para a região mineradora cerca de 2.300 escravos africanos por ano. Na década de 1830, as importações cresceram 40%, sendo desembarcados 4.750 africanos. Os escravos que chegaram, nessa época, no porto carioca foram embarcados na região centro-ocidental africana, sobretudo no Congo e em Angola.
O Rio de Janeiro era responsável pela metade das importações de africanos, redistribuindo, além de Minas Gerais, para São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. No século XI, mesmo com a crise da mineração, Minas Gerais continuou recebendo quase a metade dos africanos desembarcados no Rio de Janeiro, destinando-os nesse período à agropecuária.
Os traficantes cariocas também abasteciam de escravos africanos as regiões de Campos de Goitacases, na qual predominava a economia açucareira e cuja metade da população era escrava. A capital carioca (o centro mercantil) e o seu entorno receberam um volume significativo de escravos, chegando a 40% dos habitantes da província.
Após a chegada da família real, em 1808, e com a consequente abertura dos portos ao comércio internacional, as importações de escravos africanos cresceram enormemente em 1810, intensificando-se ainda mais com a possibilidade da abolição do tráfico, depois de assinado o tratado com a Grã-Bretanha associando-se o reconhecimento da independência do Brasil ao fim do tráfico de escravos.
Nessa época, a maior demanda por escravos africanos vinha das fazendas de café. A produção de café teve início no final do século XVIII no Rio de Janeiro. No século XIX, cresceu vertiginosamente ao encontrar terras férteis e clima propício em São Paulo, especialmente em Jacareí, Taubaté, Areias, Bananal, Guaratinguetá - cidades que formam o chamado Vale do Paraíba.
Depois de 1830, as lavouras de café expandiram-se para a região do Oeste Paulista: Campinas, Porto Feliz, Piracicaba, Sorocaba, Jundiaí e Itu tornaram-se grandes pólos produtores e exportadores desse produto. Nesse período, houve um nítido crescimento da produção de café nas cercanias da cidade do Rio de Janeiro, isto é, em Paraíba do Sul, Vassouras, Resende, Valença, Cantagalo, Itaperuna, Madalena e Bom Jardim.
Vale lembrar que esse tipo de produção, da mesma forma que os engenhos de açúcar, voltada para a exportação, privilegiava a utilização do trabalho escravo, em especial o africano. Dessa maneira, com a expansão das plantações de café, nota-se o aumento do número de escravos importados do continente africano.
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A rotina de trabalho dos escravos nas fazendas de café era árdua. Logo cedo eles se levantavam e, antes do sol raiar, se dirigiam para os cafezais a pé ou em carros de boi. Lá passavam 15 horas por dia trabalhando, permanecendo na labuta até o anoitecer, quando regressavam para a sede da fazenda. Ao chegarem, ainda eram obrigados a cortar lenha, preparar a comida para o outro dia e torrar o café. Já eram 10 horas da noite quando se recolhiam nas senzalas, feitas de pau-a-pique e sapé, sem janelas.
Também era comum nas fazendas de café o cultivo de lotes de terras pelos escravos, destinados a sua subsistência. Faziam isso sobretudo aos domingos, quando folgavam.
No entanto, o escravo não foi utilizado apenas nas grandes propriedades agrícolas destinadas à exportação, como nos engenhos do Nordeste e nas fazendas de café cariocas e paulistas, ou no trabalho de exploração das minas de ouro e pedras preciosas. No âmbito urbano, em cidades como São Paulo, por exemplo, a mão-de-obra escrava, inclusive africana, era aproveitada em diversos setores econômicos. Os escravos trabalhavam em pequenas fazendas e sítios localizados nas áreas periféricas da cidade. A maior parte dessas propriedades era voltada para a produção de café, arroz, feijão, milho, algodão, fumo, farinha de mandioca, azeite de amendoim, aguardente e para a criação de gados e porcos. Esses produtos eram destinados ao comércio interno e ao abastecimento de várias outras localidades brasileiras.
O algodão, utilizado na confecção de roupas para os escravos e no ensacamento de açúcar, café, arroz, era cultivado em pequenas lavouras e a sua fiação era realizada com técnicas manuais pelos escravos mais jovens. A mão-de-obra escrava também era empregada na produção de farinha de mandioca e de milho, na qual os grãos eram esmagados em pilões manuais, depois a massa torrada em recipientes de cobre e passada numa peneira.
No caso de São Paulo, a cana-de-açúcar era muito cultivada nos arredores da capital paulista. Além de utilizada na produção do açúcar, da fermentação do caldo extraído da cana, destilava-se a aguardente.
Nas áreas periféricas dos centros urbanos, os escravos ocupavam-se igualmente de outras tarefas, além da produção de gêneros agrícolas. Acabavam cuidando dos serviços domésticos, da manutenção das propriedades e de suas próprias plantações de subsistência. Trabalhavam ainda no transporte desses produtos para o núcleo central, onde eram vendidos. Outros empregavam-se em atividades artesanais, como o beneficiamento de couro e a fabricação de objetos de cerâmica, bem como nas olarias, pedreiras e no corte de lenha e capim.
Nos centros urbanos, os escravos eram responsáveis pelo abastecimento de água, ficando encarregados de buscá-la nos chafarizes e bicas espalhados pela cidade. O transporte de seus proprietários era outra tarefa comum aos cativos, em carruagens, cadeirinhas ou liteiras, carregadas por dois ou três deles. Trabalhando como carregadores, levavam desde sacas de café, arroz e sal até baús e móveis. Realizavam mudanças, transportavam encomendas, carregavam cargas pesadas na cabeça, sozinhos ou em grupo.
Além do transporte por terra, os escravos eram encarregados do transporte por água. Trabalhavam em canoas, barcos pequenos ou a vapor, levando mercadorias e pessoas, em viagens curtas pelo litoral brasileiro ou longas, atravessando o oceano em direção à África e à Europa. Aos escravos remadores era exigida grande força física. Muitos cativos eram aproveitados nos navios negreiros e, em geral, tinham que ter alguma especialização. Outros tornaram-se pescadores, fazendo esse tipo de trabalho sozinho ou com seus companheiros, mas, na maior parte do tempo, ficavam longe dos seus proprietários.
Aos escravos cabia também a limpeza das ruas. De preferência, era feita pelos presos, que, acompanhados por soldados, andavam pelas ruas com suas correntes a fazer barulho. Em geral, ao cair da noite, carregavam o lixo e os dejetos das casas até os rios. Às mulheres escravas ficava reservada a lavagem de roupas em ribeirões. Alguns senhores até alugavam chácaras próximas aos rios e ofereciam esse trabalho realizado por suas escravas à população em geral.
Servindo em matadouros, os escravos ficavam encarregados de matar os animais, limpá-los e entregá-los aos estabelecimentos nos quais eram vendidos. Outros cativos, a maioria presos ou alugados, trabalhavam em obras públicas, construindo prédios e estradas, abrindo ruas e canais, carregando terra e fazendo a pavimentação.
Nas áreas urbanas, a mão-de-obra escrava era empregada, sobretudo, no trabalho de ganho ou de aluguel. O proprietário que colocava seu escravo ao ganho fazia um acordo com o próprio cativo, estabelecendo uma quantia em dinheiro que este deveria entregar diariamente ou num período fixado e o restante do valor obtido era destinado ao seu próprio sustento. No caso do escravo de aluguel, os proprietários os colocavam à disposição de outras pessoas, acertando previamente a duração do tempo de serviço e o valor do pagamento pelo trabalho. Alguns desses escravos eram chamados a trabalhar por jornada, por isso dizia-se que dependiam de seus "jornais".
Os escravos de ganho ou de aluguel eram empregados em ofícios desde os mais especializados, como o de sapateiro, barbeiro, ferreiro e alfaiate, até em trabalhos menos qualificados de pedreiros, lavadeiras, carregadores e quitandeiras. Muitas vezes, especializavam-se com o incentivo dos proprietários, que, dessa forma, conseguiam obter maiores ganhos com os seus serviços diários ou ao alugá-los.
Os ferreiros eram os escravos de ganho que recebiam os melhores pagamentos por seus serviços, pois eram especializados. Fabricavam quaisquer objetos em ferro, cobre, prata e ouro, desde panelas, caldeiras, correntes, algemas, lanternas até instrumentos musicais. Muitos escravos eram barbeiros e "cirurgiões" ou sangradores. Tendo em vista a rara presença de médicos, os barbeiros cuidavam ainda do tratamento de doenças, utilizando sanguessugas para fazer o doente sangrar e, assim, eliminar as doenças. A maioria das parteiras era escrava ou liberta e colocava em prática seus conhecimentos da medicina natural, utilizando ervas e plantas fáceis de obter nos matagais da cidade.
Outros escravos eram artistas, músicos, escultores e pintores. Tocavam em bandas públicas, das irmandades e nas missas das igrejas, confeccionavam altares e imagens de santos em madeira e pintavam os prédios públicos, residenciais e religiosos. Muitos escravos sabiam tocar vários instrumentos musicais, sobretudo aqueles de origem ou influência africana. Eles próprios fabricavam seus instrumentos, entre eles tambores (tocados em festas, rituais religiosos e na prática da capoeira), marimba - feita de cuia ou cabaça -, viola de Angola - uma espécie de alaúde de arco - e urucungo ou oricongo, que provavelmente deu origem ao berimbau.
MATTOS, Regiane Augusto de. História e cultura afro-brasileira. São Paulo: Contexto, 2008. p. 103-112.
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