"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 4 de maio de 2013

Jerusalém nas perspectivas judaica, islâmica e cristã


Praça do Templo olhando para o Mar Morto em Jerusalém. Tivadar Kosztka Csontváry



Para as Ciências Sociais, a religião é um produto da criação humana. Ela preenche o espaço do desconhecido, daquilo para o que o pensamento racional ainda não encontrou explicação. A religião também é responsável pela formação do pensamento, razão pela qual integra os pilares que criam normas de condutas e valores. Torna-se, assim, um aspecto cultural que muitas vezes pode aproximar ou distinguir um agrupamento humano do outro.

[...]

“A ideia humana de Deus tem uma história, já que sempre significou uma coisa ligeiramente diferente para cada grupo de pessoas que a usou em vários pontos do tempo. A ideia de Deus formada numa geração por um conjunto de seres humanos pode não ter sentido em outra. [...] Por conseguinte, a palavra Deus não contém uma ideia imutável. [...] Sempre que um conceito de Deus deixou de ter sentido ou importância, foi discretamente abandonado e substituído por uma nova teologia. Um fundamentalista negaria isso, pois o fundamentalista é anti-histórico: acredita que Abraão, Moisés e os profetas posteriores experimentaram todos seu deus exatamente da mesma maneira como as pessoas de hoje.” (ARMSTRONG, K. Uma história de Deus: quatro milênios do judaísmo, cristianismo e islamismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 10.)

O Deus dos judeus, cristãos e islâmicos relaciona-se a essa questão pontuada por Karen Armstrong na citação acima. Essas três religiões monoteístas estão ligadas entre si pela crença dos primeiros profetas na fé monoteísta – Abraão e Moisés -, porém cada uma interpreta de forma diferente essa concepção de Deus.

O judaísmo. É a mais antiga das religiões monoteístas citadas. O judaísmo ultrapassa a esfera religiosa e também pode ser entendido como uma tradição cultural. Ser judeu significa ser descendente dos antigos profetas bíblicos Abraão e Moisés.

A crença judaica baseia-se nas escrituras da Bíblia hebraica, composta de cinco livros, entre eles, o Livro de Moisés e a Tora. Além de descrever a criação do mundo, esses escritos tratam da fundação de Israel e das leis divinas, ambas resultantes da aliança estabelecida entre Deus e Abraão e completada por Moisés através das Tábuas da Lei. Em troca da devoção e obediência às leis de Deus, os judeus contariam com a benção e a proteção divinas, sendo, por isso, considerados o povo escolhido. Essa aliança também promete um lar para os judeus na Terra Santa. Ao longo da história desse povo, esse lugar foi identificado como sendo Canaã, Israel e Palestina.

Na crença judaica acredita-se na existência de um messias, que significa “o ungido” e é interpretado como “Aquele que irá reunir o povo judeu, derrotar os seus inimigos e estabelecer o reino de Deus na Terra”.

O cristianismo. No século I nasceu Jesus, em Belém. Em torno desse nascimento, criou-se a esperança da chegada do salvador, do messias. Na Palestina, Jesus teria pregado que era o filho de Deus encarnado na forma humana: o Cristo enviado ao mundo terreno para expiar os pecados humanos e assegurar a salvação de todas as almas para o Reino de Deus, alcançando a vida eterna após o Juízo Final. Alcançariam o prometido os cristãos que seguissem os ensinamentos de Jesus Cristo contidos no livro sagrado dos cristãos, a Bíblia, e que obedecessem aos Dez Mandamentos de Deus, contidos nas Tábuas da Lei de Moisés.

O islamismo. Essa religião foi criada pelo profeta Maomé no século VII. Sabe-se que Maomé participou de inúmeras caravanas comerciais pelo Oriente Médio, o que lhe permitiu entrar em contato com as religiões judaica e cristã. Segundo a fé islâmica, por intermédio do anjo Gabriel, Alá (Deus) revelou-se a Maomé, a quem transmitiu os ensinamentos do Islã, que estão contidos no livro sagrado dos muçulmanos, o Corão. A Suna é um complemento do Corão, no qual se estabelecem os usos e costumes fundamentais nos preceitos de Maomé.

O Corão prega que a religião islâmica é a religião dos profetas hebreus: Abraão, Moisés e Jesus. Cada indivíduo deve adorar a Alá e viver conforme os seus mandamentos, ditados a Moisés. Obedecendo a esses princípios pode-se escapar do fogo do inferno e entrar no céu no dia do Juízo Final. O Islã seria a religião natural para todos os povos.

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Jerusalém, capital de várias religiões e de guerras territoriais.

“Jerusalém [...] ainda é a cidade sagrada de três religiões: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Para cada uma delas, Jerusalém era o palco de importantes acontecimentos que estabeleciam o vínculo entre deus e o homem – o primeiro dos quais foram os preparativos de Abraão para o sacrifício de seu filho Isaac num afloramento de rocha, agora oculto por uma cúpula dourada (referência à Cúpula da Rocha, mesquita de grande beleza construída em Jerusalém durante o Período Omíada).” [READ, P. P. Os templários. Rio de Janeiro: Imago, 2001. p. 17.]

Terra Prometida dos Judeus – Jerusalém é o lugar para o qual Abraão se mudou ao ser chamado por Deus. Lá viveram as primeiras tribos dos hebreus, até sobrevir uma grande fome, que os obrigou a tentar atravessar o deserto, quando foram escravizados pelos egípcios.

Depois de anos de cativeiro, os judeus organizaram uma fuga, com o objetivo de retornar à Terra Prometida por Deus a Abraão. Liderados pelo profeta Moisés, eles vagaram durante quarenta anos pelo deserto antes de chegarem a Canaã, atual região da Palestina, onde formaram o Reino de Israel, que foi desmembrado em 993 a.C., ano em que foi criado o Reino de Judá.

Durante o reinado de Davi, a cidade de Jerusalém foi conquistada e, no local onde Abraão teria aceitado imolar seu filho, planejou-se construir um templo para guardar a Arca da Aliança, que foi erigido no reinado de Salomão.

Os reinos de Israel e Judá sofreram sucessivas conquistas e invasões. No ano 70 d.C., a população judaica de Jerusalém foi dizimada pelos soldados liderados pelo imperador romano Tito, para pôr fim à resistência desse povo ao domínio de Roma. Os judeus que sobreviveram foram escravizados e impedidos de retornar à Palestina. [...]

Terra Santa dos cristãos – Jerusalém tornou-se emblemática para os cristãos. A cidade foi visitada por Jesus, que lá pregou suas ideias, realizou milagres, foi feito prisioneiro, julgado, crucificado e enterrado.

No século IV, com a conversão do imperador Constantino, os templos pagãos dos romanos foram transformados em igrejas. Perto do local onde Jesus teria sido crucificado e enterrado construiu-se a igreja do Santo Sepulcro.

Durante todo o período medieval, a Igreja católica difundiu o cristianismo entre a população romana e entre as tribos bárbaras. Jerusalém passou a ser encarada como o centro do mundo para os cristãos, a Terra Santa [...].

Local de peregrinação islâmica – No século VII, enquanto o cristianismo se expandia na Europa Ocidental, no Oriente Médio, a religião islâmica se formava. [...]

A proclamação da guerra santa islâmica levou à expansão dessa religião, que ganhou adeptos na África setentrional, Europa Ibérica, Oriente Médio e Império Bizantino. A cidade de Jerusalém foi dominada no ano 638, porém o califa Omar permitiu a permanência dos cristãos e judeus que ali viviam. Mediante o pagamento do imposto de proteção, eles continuaram a ter permissão para peregrinar por Jerusalém e a ter seu templo preservado. [...]

No século X, os turcos seldjúcidas, tribo nômade da Ásia Central, dominaram Bagdá; converteram-se ao islamismo e iniciaram uma campanha de anexação territorial em direção ao Império Bizantino e Oriente Médio. [...] O Império Bizantino, baluarte do cristianismo no Oriente, estava ameaçado. As rotas de peregrinação a Jerusalém foram proibidas aos cristãos pelos novos senhores de Jerusalém.

Jerusalém: um palco de conflito entre cristãos e islâmicos. No século XI, o papa Urbano II orientou os cristãos europeus a iniciar um movimento de caráter belicoso e religioso, que tinha entre seus objetivos libertar a Terra Santa – Jerusalém – dos “infiéis”. Iniciavam-se assim as expedições que ficaram conhecidas como Cruzadas.

No século XI, a Europa passava por um período de instabilidade social. O crescimento demográfico provocava o aumento de cavaleiros errantes pelas estradas. Isso facilitava a formação de grupos de saqueadores, que assaltavam nas estradas, principalmente nas rotas de peregrinação incentivadas pela Igreja católica. [...]

Nos anos que antecederam o discurso de Urbano II, a Europa viveu períodos de calamidades, enchentes, secas e epidemias. Nesse contexto, a visão apocalíptica do mundo ganhava espaço. A Terra Santa estava nas mãos de pagãos, a figura do anticristo tomava forma e o combate final estaria próximo. Assim, o discurso do papa conclamando os cristãos para uma “guerra justa” parecia fazer sentido para os cristãos entre os séculos XI e XIII.

Os esforços cristãos para libertar Jerusalém do domínio turco não se concretizaram. Durante mais de duzentos anos, legiões de cristãos foram enviados a Jerusalém e Constantinopla. No final, as duas cidades tornaram-se territórios do Império Otomano, situação que não se alterou até 1918.

Ao findar a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), partes dos territórios pertencentes ao Império Otomano, que se aliaram aos alemães durante o conflito, foram concedidas à Inglaterra. A partir de 1923, a Palestina esteve sob mandado britânico.

Jerusalém: palco de conflito entre israelenses e palestinos. Desde o século XIX, crescia entre os judeus europeus uma corrente de pensamento propagada por Theodor Herzl, o sionismo, que tinha como objetivo a formação do Estado judeu na Palestina. Esse sonho foi alimentado por séculos de perseguições a que esse povo foi submetido no continente europeu.

Após a Segunda Guerra Mundial, os debates sobre o sionismo ganharam proporções mundiais, aumentando, inclusive, o número de países que apoiavam a criação de um Estado judeu na Palestina. Por outro lado, os conflitos territoriais entre árabes palestinos e judeus ganharam proporções cada vez mais belicistas, formando-se grupos paramilitares de ambos os lados.

Em 1947, após um ataque ao quartel-general dos ingleses na Palestina, a Inglaterra retirou-se da região e submeteu o caso à Organização das Nações Unidas (ONU). Em 1948, parte da antiga Palestina foi transformada no Estado de Israel pela ONU. Quanto ao Estado árabe da Palestina, a área que fica na margem ocidental do rio Jordão foi anexada pela Jordânia e a faixa de Gaza pelo Egito. Desde então, Israel vem ocupando áreas de influência árabe, o que tem obrigado muitos palestinos a abandonar seu território, tornando-se refugiados.

A população árabe palestina, que habitava a região há séculos, viu-se cada vez mais destituída da posse das terras. Em 1967, enquanto os judeus ocupavam 92% do território, os palestinos ocupavam apenas 8%. A maioria dos palestinos foi confinada em campos de refugiados ou migrou para países árabes fronteiriços. Nesses campos, a consciência árabe vem se desenvolvendo junto a um sentimento religioso fundamentalista, que contribui para tornar a situação na região mais radical e conflitante.

Em 1964, com o apoio da comunidade árabe, foi criada a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), financiada por um fundo nacional palestino que recebe contribuições dos governos árabes, e campos de treinamentos militares. Ao lado da luta política, de ambos os lados, desencadeava-se a luta armada, o terrorismo. Vários conflitos entre árabes e israelenses ocorreram nos anos que se seguiram: Guerra dos Seis Dias (1967), Guerra do Iom Kippur (1973) e Guerra do Líbano (1982).

Desde o Tratado de Camp David, celebrado em 1978, a intervenção norte-americana na questão palestino-israelense buscou estabelecer a paz na Palestina, através da assinatura de acordos políticos.

Até agora, esses acordos não conseguiram atender às pretensões territoriais dos povos envolvidos, principalmente no que se refere à faixa de Gaza e Jerusalém. [...]

No centro desses conflitos, acirrados por questões religiosas e culturais, encontra-se a cidade de Jerusalém, considerada patrimônio da humanidade por preservar a memória de diferentes povos que têm os seus passados unidos pela fé no Deus de Abraão. Os israelenses conservadores não aceitam a criação de uma Jerusalém árabe e muito menos a sua internacionalização. Por sua vez, facções extremistas palestinas, como o Hamas, se recusam a dividir o território palestino com os judeus.

Em 1993, o Acordo de Oslo, que pretendia estabelecer a paz entre israelenses e palestinos, definiu um plano para a retirada de tropas israelenses e a devolução de áreas ocupadas aos palestinos. No entanto, os conflitos e ataques terroristas voltaram a ocorrer. As posições extremadas acabaram sendo materializadas na situação em que se encontra hoje a Palestina, palco de uma guerra civil desde o levante da intifada, em 2000.

CATELLI JUNIOR, Roberto. Temas e linguagens da História: ferramentas para a sala de aula no ensino médio. São Paulo: Scipione, 2009. p. 190-192, 194-199.

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