Praça do Templo olhando para o Mar Morto em Jerusalém. Tivadar
Kosztka Csontváry
Para as Ciências Sociais, a
religião é um produto da criação humana. Ela preenche o espaço do desconhecido,
daquilo para o que o pensamento racional ainda não encontrou explicação. A
religião também é responsável pela formação do pensamento, razão pela qual
integra os pilares que criam normas de condutas e valores. Torna-se, assim, um
aspecto cultural que muitas vezes pode aproximar ou distinguir um agrupamento
humano do outro.
[...]
“A
ideia humana de Deus tem uma história, já que sempre significou uma coisa
ligeiramente diferente para cada grupo de pessoas que a usou em vários pontos
do tempo. A ideia de Deus formada numa geração por um conjunto de seres humanos
pode não ter sentido em outra. [...] Por conseguinte, a palavra Deus não contém
uma ideia imutável. [...] Sempre que um conceito de Deus deixou de ter sentido
ou importância, foi discretamente abandonado e substituído por uma nova
teologia. Um fundamentalista negaria isso, pois o fundamentalista é
anti-histórico: acredita que Abraão, Moisés e os profetas posteriores
experimentaram todos seu deus exatamente da mesma maneira como as pessoas de
hoje.” (ARMSTRONG, K. Uma história de
Deus: quatro milênios do judaísmo, cristianismo e islamismo. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994. p. 10.)
O Deus dos judeus, cristãos e
islâmicos relaciona-se a essa questão pontuada por Karen Armstrong na citação
acima. Essas três religiões monoteístas estão ligadas entre si pela crença dos
primeiros profetas na fé monoteísta – Abraão e Moisés -, porém cada uma
interpreta de forma diferente essa concepção de Deus.
O judaísmo. É a mais antiga das religiões monoteístas citadas. O
judaísmo ultrapassa a esfera religiosa e também pode ser entendido como uma
tradição cultural. Ser judeu significa ser descendente dos antigos profetas
bíblicos Abraão e Moisés.
A crença judaica baseia-se nas
escrituras da Bíblia hebraica, composta de cinco livros, entre eles, o Livro de
Moisés e a Tora. Além de descrever a criação do mundo, esses escritos tratam da
fundação de Israel e das leis divinas, ambas resultantes da aliança
estabelecida entre Deus e Abraão e completada por Moisés através das Tábuas da
Lei. Em troca da devoção e obediência às leis de Deus, os judeus contariam com
a benção e a proteção divinas, sendo, por isso, considerados o povo escolhido.
Essa aliança também promete um lar para os judeus na Terra Santa. Ao longo da
história desse povo, esse lugar foi identificado como sendo Canaã, Israel e
Palestina.
Na crença judaica acredita-se na
existência de um messias, que significa “o ungido” e é interpretado como
“Aquele que irá reunir o povo judeu, derrotar os seus inimigos e estabelecer o
reino de Deus na Terra”.
O cristianismo. No século I nasceu Jesus, em Belém. Em torno desse
nascimento, criou-se a esperança da chegada do salvador, do messias. Na
Palestina, Jesus teria pregado que era o filho de Deus encarnado na forma
humana: o Cristo enviado ao mundo terreno para expiar os pecados humanos e
assegurar a salvação de todas as almas para o Reino de Deus, alcançando a vida
eterna após o Juízo Final. Alcançariam o prometido os cristãos que seguissem os
ensinamentos de Jesus Cristo contidos no livro sagrado dos cristãos, a Bíblia,
e que obedecessem aos Dez Mandamentos de Deus, contidos nas Tábuas da Lei de
Moisés.
O islamismo. Essa religião foi criada pelo profeta Maomé no século
VII. Sabe-se que Maomé participou de inúmeras caravanas comerciais pelo Oriente
Médio, o que lhe permitiu entrar em contato com as religiões judaica e cristã.
Segundo a fé islâmica, por intermédio do anjo Gabriel, Alá (Deus) revelou-se a
Maomé, a quem transmitiu os ensinamentos do Islã, que estão contidos no livro
sagrado dos muçulmanos, o Corão. A Suna é um complemento do Corão, no qual se
estabelecem os usos e costumes fundamentais nos preceitos de Maomé.
O Corão prega que a religião
islâmica é a religião dos profetas hebreus: Abraão, Moisés e Jesus. Cada
indivíduo deve adorar a Alá e viver conforme os seus mandamentos, ditados a
Moisés. Obedecendo a esses princípios pode-se escapar do fogo do inferno e
entrar no céu no dia do Juízo Final. O Islã seria a religião natural para todos
os povos.
[...]
Jerusalém, capital de várias religiões e de guerras territoriais.
“Jerusalém
[...] ainda é a cidade sagrada de três religiões: o judaísmo, o cristianismo e
o islamismo. Para cada uma delas, Jerusalém era o palco de importantes
acontecimentos que estabeleciam o vínculo entre deus e o homem – o primeiro dos
quais foram os preparativos de Abraão para o sacrifício de seu filho Isaac num
afloramento de rocha, agora oculto por uma cúpula dourada (referência à Cúpula
da Rocha, mesquita de grande beleza construída em Jerusalém durante o Período
Omíada).” [READ, P. P. Os templários.
Rio de Janeiro: Imago, 2001. p. 17.]
Terra Prometida dos Judeus –
Jerusalém é o lugar para o qual Abraão se mudou ao ser chamado por Deus. Lá
viveram as primeiras tribos dos hebreus, até sobrevir uma grande fome, que os
obrigou a tentar atravessar o deserto, quando foram escravizados pelos
egípcios.
Depois de anos de cativeiro, os
judeus organizaram uma fuga, com o objetivo de retornar à Terra Prometida por
Deus a Abraão. Liderados pelo profeta Moisés, eles vagaram durante quarenta
anos pelo deserto antes de chegarem a Canaã, atual região da Palestina, onde
formaram o Reino de Israel, que foi desmembrado em 993 a .C., ano em que foi
criado o Reino de Judá.
Durante o reinado de Davi, a
cidade de Jerusalém foi conquistada e, no local onde Abraão teria aceitado
imolar seu filho, planejou-se construir um templo para guardar a Arca da
Aliança, que foi erigido no reinado de Salomão.
Os reinos de Israel e Judá
sofreram sucessivas conquistas e invasões. No ano 70 d.C., a população judaica
de Jerusalém foi dizimada pelos soldados liderados pelo imperador romano Tito,
para pôr fim à resistência desse povo ao domínio de Roma. Os judeus que
sobreviveram foram escravizados e impedidos de retornar à Palestina. [...]
Terra Santa dos cristãos –
Jerusalém tornou-se emblemática para os cristãos. A cidade foi visitada por
Jesus, que lá pregou suas ideias, realizou milagres, foi feito prisioneiro,
julgado, crucificado e enterrado.
No século IV, com a conversão do
imperador Constantino, os templos pagãos dos romanos foram transformados em
igrejas. Perto do local onde Jesus teria sido crucificado e enterrado
construiu-se a igreja do Santo Sepulcro.
Durante todo o período medieval,
a Igreja católica difundiu o cristianismo entre a população romana e entre as
tribos bárbaras. Jerusalém passou a ser encarada como o centro do mundo para os
cristãos, a Terra Santa [...].
Local de peregrinação islâmica –
No século VII, enquanto o cristianismo se expandia na Europa Ocidental, no
Oriente Médio, a religião islâmica se formava. [...]
A proclamação da guerra santa
islâmica levou à expansão dessa religião, que ganhou adeptos na África
setentrional, Europa Ibérica, Oriente Médio e Império Bizantino. A cidade de
Jerusalém foi dominada no ano 638, porém o califa Omar permitiu a permanência
dos cristãos e judeus que ali viviam. Mediante o pagamento do imposto de
proteção, eles continuaram a ter permissão para peregrinar por Jerusalém e a
ter seu templo preservado. [...]
No século X, os turcos
seldjúcidas, tribo nômade da Ásia Central, dominaram Bagdá; converteram-se ao
islamismo e iniciaram uma campanha de anexação territorial em direção ao
Império Bizantino e Oriente Médio. [...] O Império Bizantino, baluarte do
cristianismo no Oriente, estava ameaçado. As rotas de peregrinação a Jerusalém
foram proibidas aos cristãos pelos novos senhores de Jerusalém.
Jerusalém: um palco de conflito
entre cristãos e islâmicos. No século XI, o papa Urbano II orientou os cristãos
europeus a iniciar um movimento de caráter belicoso e religioso, que tinha
entre seus objetivos libertar a Terra Santa – Jerusalém – dos “infiéis”.
Iniciavam-se assim as expedições que ficaram conhecidas como Cruzadas.
No século XI, a Europa passava
por um período de instabilidade social. O crescimento demográfico provocava o
aumento de cavaleiros errantes pelas estradas. Isso facilitava a formação de
grupos de saqueadores, que assaltavam nas estradas, principalmente nas rotas de
peregrinação incentivadas pela Igreja católica. [...]
Nos anos que antecederam o
discurso de Urbano II, a Europa viveu períodos de calamidades, enchentes, secas
e epidemias. Nesse contexto, a visão apocalíptica do mundo ganhava espaço. A
Terra Santa estava nas mãos de pagãos, a figura do anticristo tomava forma e o
combate final estaria próximo. Assim, o discurso do papa conclamando os
cristãos para uma “guerra justa” parecia fazer sentido para os cristãos entre
os séculos XI e XIII.
Os esforços cristãos para
libertar Jerusalém do domínio turco não se concretizaram. Durante mais de
duzentos anos, legiões de cristãos foram enviados a Jerusalém e Constantinopla.
No final, as duas cidades tornaram-se territórios do Império Otomano, situação
que não se alterou até 1918.
Ao findar a Primeira Guerra
Mundial (1914-1918), partes dos territórios pertencentes ao Império Otomano, que
se aliaram aos alemães durante o conflito, foram concedidas à Inglaterra. A
partir de 1923, a
Palestina esteve sob mandado britânico.
Jerusalém: palco de conflito
entre israelenses e palestinos. Desde o século XIX, crescia entre os judeus
europeus uma corrente de pensamento propagada por Theodor Herzl, o sionismo,
que tinha como objetivo a formação do Estado judeu na Palestina. Esse sonho foi
alimentado por séculos de perseguições a que esse povo foi submetido no
continente europeu.
Após a Segunda Guerra Mundial, os
debates sobre o sionismo ganharam proporções mundiais, aumentando, inclusive, o
número de países que apoiavam a criação de um Estado judeu na Palestina. Por
outro lado, os conflitos territoriais entre árabes palestinos e judeus ganharam
proporções cada vez mais belicistas, formando-se grupos paramilitares de ambos
os lados.
Em 1947, após um ataque ao
quartel-general dos ingleses na Palestina, a Inglaterra retirou-se da região e
submeteu o caso à Organização das Nações Unidas (ONU). Em 1948, parte da antiga
Palestina foi transformada no Estado de Israel pela ONU. Quanto ao Estado árabe
da Palestina, a área que fica na margem ocidental do rio Jordão foi anexada
pela Jordânia e a faixa de Gaza pelo Egito. Desde então, Israel vem ocupando
áreas de influência árabe, o que tem obrigado muitos palestinos a abandonar seu
território, tornando-se refugiados.
A população árabe palestina, que
habitava a região há séculos, viu-se cada vez mais destituída da posse das
terras. Em 1967, enquanto os judeus ocupavam 92% do território, os palestinos
ocupavam apenas 8%. A maioria dos palestinos foi confinada em campos de
refugiados ou migrou para países árabes fronteiriços. Nesses campos, a
consciência árabe vem se desenvolvendo junto a um sentimento religioso fundamentalista,
que contribui para tornar a situação na região mais radical e conflitante.
Em 1964, com o apoio da
comunidade árabe, foi criada a Organização para a Libertação da Palestina
(OLP), financiada por um fundo nacional palestino que recebe contribuições dos
governos árabes, e campos de treinamentos militares. Ao lado da luta política,
de ambos os lados, desencadeava-se a luta armada, o terrorismo. Vários
conflitos entre árabes e israelenses ocorreram nos anos que se seguiram: Guerra
dos Seis Dias (1967), Guerra do Iom Kippur (1973) e Guerra do Líbano (1982).
Desde o Tratado de Camp David,
celebrado em 1978, a
intervenção norte-americana na questão palestino-israelense buscou estabelecer
a paz na Palestina, através da assinatura de acordos políticos.
Até agora, esses acordos não
conseguiram atender às pretensões territoriais dos povos envolvidos,
principalmente no que se refere à faixa de Gaza e Jerusalém. [...]
No centro desses conflitos,
acirrados por questões religiosas e culturais, encontra-se a cidade de
Jerusalém, considerada patrimônio da humanidade por preservar a memória de
diferentes povos que têm os seus passados unidos pela fé no Deus de Abraão. Os
israelenses conservadores não aceitam a criação de uma Jerusalém árabe e muito
menos a sua internacionalização. Por sua vez, facções extremistas palestinas,
como o Hamas, se recusam a dividir o território palestino com os judeus.
Em 1993, o Acordo de Oslo, que
pretendia estabelecer a paz entre israelenses e palestinos, definiu um plano
para a retirada de tropas israelenses e a devolução de áreas ocupadas aos
palestinos. No entanto, os conflitos e ataques terroristas voltaram a ocorrer.
As posições extremadas acabaram sendo materializadas na situação em que se
encontra hoje a Palestina, palco de uma guerra civil desde o levante da
intifada, em 2000.
CATELLI JUNIOR, Roberto. Temas e linguagens da História: ferramentas
para a sala de aula no ensino médio. São Paulo: Scipione, 2009. p. 190-192,
194-199.
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