"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 18 de maio de 2013

O significado do adjetivo "contemporâneo"

[...] ser contemporâneo é pertencer ao mesmo tempo, ou seja, ser do mesmo tempo. Um exemplo desse sentido da palavra: "Garrincha, que foi um grande jogador de futebol, foi contemporâneo de Pelé na seleção brasileira de futebol". Outro exemplo: "Cristóvão Colombo, que chegou à América, foi contemporâneo de Pedro Álvares Cabral, que chegou ao Brasil". Mais um exemplo: "Chico Buarque, Milton Nascimento e Gilberto Gil são compositores de música brasileira contemporânea".

Esses três exemplos simples nos ajudam a compreender que Garrincha e Pelé foram companheiros de futebol na seleção brasileira; que Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral fizeram suas viagens de exploração na mesma época e que os três compositores, Chico, Milton e Gil, estão produzindo, cada um no seu estilo, trabalhos que caracterizam a música popular hoje no Brasil.

Observe que, em todos os exemplos, o acontecimento ao mesmo tempo é o fator que marca a contemporaneidade. [...]

Mas em História, quando nos referimos ao período contemporâneo, ou às sociedades do mundo contemporâneo, o significado do adjetivo contemporâneo é um pouco diferente daquele com que a palavra foi empregada nos exemplos anteriores. Em História, para os acontecimentos serem contemporâneos não basta pertencerem ao mesmo tempo, é preciso possuírem algumas características que revelam um determinado modo de ser e de pensar da época. Nem sempre os acontecimentos contemporâneos se deram ao mesmo tempo. Pode até haver uma distância de muito mais de um século entre um e outro acontecimento e, no entanto, serem contemporâneos porque possuem as características próprias que definem aquele grande período histórico.

Assim, o período histórico que fica entre o final do século XVIII e nossos dias é chamado de período contemporâneo porque as sociedades que nele vivem, em geral, possuem algumas características próprias da época. Diferentes das características que marcaram os períodos anteriores: Antiguidade, Tempos Medievais e Tempos Modernos. Vale lembrar, é claro, que essa é uma foram muito ocidental e cristã de enxergar e analisar a História. Muitas sociedades orientais, muitas sociedades africanas jamais poderiam ser estudadas a partir dessa visão ocidental. A trajetória de seus povos foi outra e a visão cristã do mundo não tem sentido entre aqueles que nunca foram cristãos.

[...]

[...] a Idade Moderna chegava ao final porque grandes transformações do século XVIII revolucionaram as instituições políticas, a sociedade, a economia, o pensamento. As características que marcaram todos esses campos durante a Idade Moderna foram sendo transformadas pelas revoluções: a Industrial, a Americana e a Francesa. E as transformações foram tantas que os historiadores passaram a aceitar como contemporânea a História que aconteceu depois porque era muito recente, muito próxima deles naquele tempo.

Na verdade, os historiadores do século XIX chamaram aquele tempo em que estavam vivendo de tempos contemporâneos porque percebiam que se tratava mesmo de uma outra época, diferente dos tempos anteriores às revoluções. Mas hoje, passados mais de 200 anos, será que podemos afirmar que ainda são contemporâneos? Como ficamos diante dessa pergunta?

Encontramos diversas opiniões a respeito desta questão. Muitos historiadores pensam que a Segunda Guerra Mundial, que terminou em 1945, e na qual se usou a bomba atômica, mudou muito o mundo e, portanto, depois dela, estamos vivendo um outro período da História. Outros pensam diferente: apontam a chegada do homem à lua em 1969 como sendo o marco de um novo período histórico, que poderia chamar-se Era Espacial. Outros ainda aceitam que entramos em outro período quando os homens inventaram e passaram a usar os robôs que, de fato, são um avanço tecnológico fantástico.

O homem no espaço. O astronauta Edward White flutua suavemente fora da nave espacial Gemini IV, à qual está ligado por uma corda, 160 km acima da Terra.


[...]

Não há uma linha divisória separando um período do outro na História e também não é possível estabelecer uma data que marque o final de um período e o início do outro.

Não há limites rígidos nos processos de mudanças e transformações. Os homens em sociedades, espalhados pelos continentes e vivendo suas próprias experiências, não constroem ao mesmo tempo, nem na mesma intensidade as suas histórias.

Foram os historiadores que, a partir de estudos e análises apoiados nas mais variadas fontes documentais, concluíram que, desde o final do século XVIII até os nossos dias, no Ocidente, vive-se nos tempos contemporâneos.

Por quê?

Porque, quando se analisam os acontecimentos históricos em conjunto - aspectos políticos, econômicos, sociais, culturais -, é possível perceber muitas características dos tempos contemporâneos.

Alguns exemplos: revolução do trabalho industrial, com todas as suas características, circulação de um volume imenso de dinheiro obtido na indústria, o aparecimento e a consolidação das democracias, o crescimento das cidades, o surgimento da classe operária, um modo de expressão da época através da literatura, artes, filosofia e ciências etc.

No entanto, é preciso não perder de vista que nem todas as sociedades passaram pelos mesmos estágios de vida. Enquanto algumas viviam em determinados níveis de desenvolvimento, muitas outras viviam em níveis e direções totalmente diferentes. Essa diversidade de experiências de cada sociedade resultou no quadro geral que presenciamos hoje no mundo contemporâneo.

Um exemplo dessa diversidade de níveis de desenvolvimento pode ser comprovado quando observamos os russos e os norte-americanos desvendando o espaço cósmico, utilizando a mais sofisticada tecnologia inventada, enquanto muitos povos espalhados pela África, em ilhas da Oceania, na América, sequer conseguiram atingir os estágios básicos do desenvolvimento que nos permitissem dizer que estão no mundo contemporâneo.

Naturalmente podemos afirmar que esses povos são contemporâneos nossos porque vivemo no mesmo tempo em que nós vivemos e vice-versa. Entretanto, se considerarmos que as sociedades do período histórico contemporâneo possuem determinadas características, aqueles povos estão muito distantes de nós.

Isso não significa que são melhores ou piores do que nós. Mas significa que vivem a sua história pelos caminhos que conseguiram percorrer, no ritmo de sua cultura e, principalmente, conservando as suas raízes mais ou menos isoladas do movimento do restante do mundo.

GARCIA, Ledonias Franco. Estudos de história: sociedades contemporâneas. Goiânia: UFG, 1998. p. 13-15, 17-18.

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